Em carta coletiva, prisioneiros palestinos dão testemunho da vida em prisão israelense desde o 7 de outubro.
Há relatos de que Israel prendeu palestinos residentes dos territórios ocupados de 1948 por causa de publicações nas redes sociais. Estima-se também que Israel tenha detido milhares de trabalhadores palestinos de Gaza, cujas autorizações de trabalho foram revogadas após 7 de outubro. O número e o estado destes prisioneiros são desconhecidos devido ao fato de Israel ter emitido uma ordem para os considerar “combatentes ilegais”; o que permite à administração mantê-los detidos por um período ilimitado, sem controle judicial efetivo. De acordo com a Comissão Palestina de Detidos, Israel detém atualmente mais de 11 mil prisioneiros políticos palestinos, o dobro do número de prisioneiros antes de 7 de outubro.
Além disso, Israel iniciou uma campanha repressiva terrível contra os prisioneiros políticos palestinos, empregando políticas sistêmicas contra eles e seus direitos. O país suspendeu completamente todas as visitas de familiares e da Cruz Vermelha e limitou severamente as visitas de advogados. Também retirou a grande maioria dos direitos e concessões conquistadas pelos prisioneiros ao longo de décadas de luta, especificamente por meio de greves de fome, desobediência e boicotes a tribunais militares. Os prisioneiros estão descrevendo as condições nas prisões israelenses como semelhantes àquelas observadas em 1968. Israel restringiu severamente o acesso à água e aos alimentos, fechando os refeitórios dos prisioneiros, confiscando equipamentos de cozinha e limitando as refeições àquelas fornecidas pelo Serviço Prisional. E em uma série de ataques violentos, a administração da prisão israelense confiscou todos os pertences pessoais e comunitários dos prisioneiros, inclusive sapatos, a maioria das roupas e equipamentos de limpeza. Dispositivos elétricos foram confiscados e a eletricidade foi cortada das celas. O tempo no pátio foi restrito a menos de 15 minutos por dia e impediu que os prisioneiros de celas diferentes dentro das mesmas alas se comunicassem.
Em meio a esse embargo, dois prisioneiros foram mortos, Omar Daraghmeh, de 58 anos, que estava em detenção administrativa na prisão de Megiddo, e Arafat Hamdan, de 25 anos, que estava detido na prisão de Ofer. O testemunho a seguir foi coletado de vários relatos de prisioneiros por meio de visitas recentes de advogados, bem como de prisioneiros recentemente libertados. Os nomes dos prisioneiros e os locais de sua detenção foram ocultados para protegê-los da campanha contínua de Israel contra eles.
“Outubro é uma fórmula de mistério e de afirmação”.
“7 de outubro. São 6:20. Passada meia hora, as notícias começam a se cristalizar. Em meio a todo o barulho, diante do despertar surpreso e jubiloso dos prisioneiros, os serviços prisionais fecham todas as celas de par em par. Todos estão felizes; fomos estimulados por sentimentos de força e de vitória.
Cada notícia que chegava exemplificava um vasto sentimento de glória e orgulho.
Apesar de todos os canais terem sido cortados pelos serviços prisionais, ainda tínhamos uma antena através da qual tentamos ver o canal local que transmitia a Al-Jazeera. Estavam todos em estado de choque. As cenas causavam estranhamento. Foi este o ponto mais alto a que chegaram as análises dos meios de comunicação e dos especialistas. A batalha continua e as surpresas se sucedem, tal como a derrota dos serviços secretos sionistas, e a alegria encheu toda a nação, instalando-se em nossos corações e mentes – a notícia da captura e detenção de um grande número de pessoas, o potencial para esvaziar completamente as prisões.
As nossas celas assemelham-se agora a masmorras. Voltamos à vida primitiva, lavando à mão o que restava das nossas roupas.
Só percebemos a dimensão das surpresas e da vitória quando vimos os rostos dos carcereiros durante a contagem. Nos seus rostos, o ódio e a tristeza eram o sinal da sua derrota.
9 de outubro. Terceiro dia. O isolamento continua. Mal nos deixam sair para tomar banho. A cada tentativa de estender uma antena para o exterior, a fim de obter um pouco de notícias, o carcereiro apressa-se em cortar o cabo.
A situação se agrava: mais e mais pressão. Mas as cenas pungentes que testemunhamos trazem alívio e restauram a nossa dignidade e orgulho roubados. Essas cenas vão se somar a uma série de momentos históricos em outubro, um mês em que a incrível coragem dos titãs reafirma uma e outra vez a nossa narrativa fundadora, para a qual este outubro apresenta um novo modelo definidor da nossa luta contra a ocupação.
10 de outubro. A manhã não é diferente, exceto pela chegada de uma unidade de busca que faz estragos na cela. A repressão nos faz tomar consciência da magnitude das notícias e da extensão das suas perdas. Percebemos que cada escalada é uma resposta a uma resistência que marca novas conquistas e lhes inflige golpes dolorosos.
12 de outubro. Tal como no dia da invasão, o colono mostra a ignomínia da sua tirania. As medidas intensificam-se e a pressão atinge o seu ponto máximo esta manhã. A unidade de repressão invadiu durante a manhã o pavilhão vizinho, assediando os presos nas suas celas. Os gritos, o barulho e as agressões tornaram-se mais intensos. A comida é escassa e mal cozinhada; a galinha até tem penas.
As refeições fornecidas nem sequer seriam suficientes para alimentar uma ave.
A eletricidade foi cortada durante todo o tempo; só é restabelecida durante a “recontagem” que se realiza três vezes por dia.
13 de outubro. A situação não se alterou significativamente. Pelo contrário, está se tornando mais difícil e mais complexa.
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Dias de silêncio e angústia avassaladores. Falta de informação. Sabemos, no entanto, que à medida que os dias passam, a situação deteriora-se e a repressão persiste.
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19 de outubro. A tensão aumenta. As unidades de busca começam suas incursões. Tudo o que me importa são algumas fotografias, fontes de energia e vida no cativeiro, e alguns pedaços de papel.
21 de outubro. Os serviços prisionais lançaram uma nova campanha – buscas e assédio nas enfermarias e confisco de todos os objetos pessoais e comunitários. Levam tudo: cada preso fica apenas com dois conjuntos de roupas íntimas, uma toalha e uma fronha. Não há tênis, apenas chinelos. Não há nada nas celas.
Os carcereiros se apoderaram de tudo, incluindo a placa elétrica que os detidos utilizavam para cozinhar e aquecer os alimentos, canetas e papel que constituíam o seu único meio de escapar do estado de expropriação em que vivem; são até mesmo privados de consultas e exames médicos.
Os carcereiros atiraram um grande número de ovos em uma das celas. O mau cheiro dos ovos impregnou essa cela e as celas vizinhas. Não contentes com isso, os carcereiros confiscaram os utensílios de limpeza, de modo que o cheiro impregnou todo o local.
Para aqueles que estão nas prisões há muito tempo e que viveram vários acontecimentos nas prisões, esta é a primeira vez que tais medidas são tomadas – a situação nas prisões é semelhante à de 1968.
Os detidos foram obrigados a beber água das torneiras contaminadas das celas, que cheiram mal. Na cela onde antes estavam 6 presos, estão agora 12.
23 de outubro. Um dos piores dias. Exatamente às 9 horas da manhã, as unidades de repressão entraram na cela. A busca prolongou-se até altas horas da noite, até às 23 horas. Durante todo esse tempo, estivemos algemados, sem eletricidade nem água. Regressamos à cela e a única coisa que nos importava era que tínhamos conseguido esconder alguns papéis e uma caneta. Foi o suficiente para nós, em meio a uma agitação aterradora.
Depois de ter sido invadida, a cela estava imunda – havia ovos partidos espalhados por todo o canto, tudo tinha sido confiscado; a cela estava completamente desolada, sem quaisquer objetos. Era uma outra espécie de Nakba. Podíamos ver a malícia nos olhos deles enquanto destruíam tudo.
Incerteza. Não sabemos o que está acontecendo lá fora. Nem sabemos que medidas repressivas os serviços prisionais irão tomar a seguir.
O meu corpo está exausto – talvez por causa dos longos períodos sentado na cela, sentado e dormindo dentro da cela (que tem cerca de 5×3 metros), e por causa das restrições ao tempo de pátio durante o qual costumávamos andar (o pátio tinha cerca de 18×10 metros). Comecei a fazer algum exercício no pequeno espaço partilhado por 8 prisioneiros na cela, uma vez que se tornou o único espaço disponível para nós.
Tomar banho tornou-se uma tarefa impossível para os prisioneiros. No passado, os detidos costumavam tomar banho fora das enfermarias, em um espaço designado chamado “chuveiros”. Esse espaço é normalmente coberto por uma lona, que os serviços prisionais confiscaram. Consequentemente, os detidos são obrigados a tomar banho ao ar livre, o que se recusam a fazer, optando por se lavar nas suas celas utilizando recipientes de plástico.
Não há esfregões nas celas. Pedimos um ao carcereiro. Ou ele traz ou a água fica espalhada no chão.
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Desde 7 de outubro, os prisioneiros estão proibidos de sair para o pátio, o que agora é limitado a menos de 15 minutos por cela do pavilhão, e os prisioneiros de diferentes alas do pavilhão estão impedidos de se misturar. Quando o advogado de Abu Nidal (companheiro de cela do autor) foi finalmente autorizado a visitá-lo, não pensou na justiça que isso poderia lhe trazer, pois o que mais ansiava eram os poucos passos que poderia dar nos quatro metros quadrados de que disporia na sala de reuniões dos advogados.
Abu Nidal caminha um pouco e os cantos dos seus lábios esboçam um sorriso – um sorriso de vitória e de antecipação da liberdade.
Nidal me perguntou: vai casar assim que estiver lá fora? Quão otimista acha que o nosso povo está em relação à nossa liberdade?
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Pensando nessas palavras, lembro-me de que, no dia 7 de outubro, perguntei a Nidal sobre uma pilha de livros que ele receberia na prisão; ele respondeu imediatamente: Não preciso deles agora, o meu pai vai lê-los em breve sob um céu livre.
(*) Tradução de Mateus Forli
*Opera Mundi