O cartel da Faria Lima é uma organização que pratica crime de cartel e de atentado aos direitos coletivos
Seria conveniente que a opinião pública brasileira – mídia, agência reguladora, Ministério Público e Polícia Federal – começassem a se preparar para o grande desafio contemporâneo da política e da economia brasileira: a investigação sobre o cartel da Faria Lima.
Vamos a algumas definições iniciais para não generalizar.
Não se trata da Faria Lima nem da indústria dos fundos como um todo. Aliás, para os enormes lucros do cartel houve prejuízos de todos os que estavam na ponta contrária, além de fundos multimercados e investimentos em ações.
O cartel é um grupo restrito de grandes operadores, com poder de influenciar o mercado.
Sua forma de atuação é conhecida. Primeiro, investem em algum ativo considerado barato ou caro.
No episódio da semana passada, investiram em contratos de compra de títulos públicos. O valor dos títulos públicos pré-fixados corresponde ao valor de resgate (já conhecido), dividido pela taxa de juros do dia. Quanto maior a taxa, menor o valor do papel, e vice-versa: quanto menor a taxa, maior o valor do papel.
No início do ano, o mercado apostava em estabilização ou queda da taxa Selic. Havia um obstáculo pela frente: o Ministério da Fazenda alcançar ou não as metas propostas no regime de arcabouço fiscal. Pequenas variações para cima ou para baixo não seriam motivo para temores maiores.
De repente, analistas, economistas de banco, operadores, começam a trabalhar o terrismo fiscal, ajudado por uma mídia cúmplice. Passa-se a taxar de “gastança”
Em uma mídia parcial, sem espaço para vozes dissonantes, foi se formando o clima terrorista, adequado para o segundo tempo do jogo.
O tiro de partida foi a declaração do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em abril, sinalizando para uma mudança de rumo na política monetária. A Selic vinha caindo 0,50 em cada reunião do Copom. No máximo, o mercado apostava em uma redução da queda para 0,25. Depois da virada de Campos, as expectativas começam a mudar.
O tiro final seria no dia do anúncio do pacote fiscal de Fernando Haddad. Na véspera deu-se o estouro da boiada, por motivo insignificante: a inclusão do pacote de isenção de Imposto de Renda para quem ganhasse até R$ 5 mil.
Não se entenda como o mercado como um todo. Parte expressiva do mercado pagou uma conta alta com as manipulações da semana passada. Fundos multimercados, investidores que venderam contratos de opções, foram vítimas do mesmo esquema do cartel.
O câmbio explodindo afetou todas as importações em curso, pressionou preços dos comercializáveis aumentando as apostas na elevação da inflação e num salto de até 0,75 pontos na Selic. Como não haverá superávit fiscal capaz de anular os impactos de tal salto da Selic na dívida pública, tem-se então governo, economia, investidores, economia real, consumidores, nas mãos de um cartel, que opera livremente, sem nenhuma expectativa de risco para inibir sua atuação.
O governo não conseguirá livrar-se dessa amarra, nem o Banco Central, mesmo sob a condução mais responsável de Gabriel Galipolo.
É hora de caracterizar o cartel da Faria Lima pela qualificação correta: é uma organização que pratica crime de cartel e de atentado aos direitos coletivos.
Mais que isso, provoca desconfiança em relação ao mercado financeiro, impõe perdas extraordinárias aos agentes do mercado que tiveram prejuízos expressivos.
Na Inglaterra, jogada semelhante com a libor não passou em branco.