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Em Florianópolis, mortes em ações policiais crescem 165% após fim das câmeras corporais

A recente extinção do sistema de câmeras corporais na polícia de Florianópolis levou a um aumento alarmante na violência policial, resultando na morte de diversas pessoas num curto período de tempo. O primeiro homicídio após a descontinuação das câmeras ocorreu em um bairro de classe média, onde Guilherme Jockyman (31) foi executado ao lado de seu pai, após um chamado de emergência que sua própria família fez, preocupada com seu estado mental.

Com a extinção do sistema que custou mais de R$3 milhões e funcionou de julho de 2019 até setembro de 2024, a população ficou exposta a uma escalada de violência policial. O assassinato de Guilherme marcou o início de um dos períodos mais sangrentos da história policial de Florianópolis, onde, nos 45 dias seguintes, a Polícia Militar deixou seis corpos em diversas favelas da cidade, incluindo Horácio, Mocotó, Costeira e Papaquara.

O início de 2025 trouxe uma continuidade da brutalidade policial. Romarinho, um jovem de 21 anos, foi morto no Morro do Macaco no dia 1º de janeiro, e apenas três dias depois, Betinho, de 48 anos, perdeu a vida na Praia da Solidão. Em 4 de janeiro, Murruga (24), da comunidade da Costeira, foi também assassinado na Nova Descoberta. O mês de janeiro ainda testemunhou a morte de Lolinha, um jovem negro de 20 anos, que foi morto dentro de sua casa no Morro do Horácio, uma semana após ser agredido por policiais no mesmo local.

Em fevereiro e março, mais sete mortes foram registradas, totalizando 20 vítimas nos primeiros 200 dias sem as câmeras corporais da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), o que representa uma média de uma morte a cada 10 dias. Este número é alarmante, especialmente se comparado ao intervalo anterior de 26,5 dias entre os conflitos.

A antropóloga Jo P. Klinkerfus, da Universidade Federal de Santa Catarina, sugere que a retirada das câmeras pode ter causado um efeito psicológico significativo nos policiais. Segundo ela, as câmeras serviam como uma “amarra simbólica”, e sua ausência pode levar os agentes a se sentirem mais livres para agir com violência. Klinkerfus, no entanto, ressalta que a descontinuação das câmeras não é o único fator que afeta a violência policial. Ela menciona também a intensificação dos conflitos internos do narcotráfico, que resultam em uma maior necessidade de intervenções policiais e, consequentemente, mais mortes.

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A situação em Florianópolis reflete uma preocupação mais abrangente sobre a violência policial no Brasil, onde a letalidade é uma constante em muitos estados e municípios. O impacto da falta de regulação e supervisão, como era proporcionado pelas câmeras, é evidente no aumento das mortes, levantando questões sobre a responsabilidade da polícia e a segurança da população.

A extinção das câmeras corporais foi uma decisão que aparentemente ignorou o potencial impacto que essa medida teria na dinâmica da violência e de confiança entre a comunidade e a polícia. A ausência de monitoramento tem levantado críticas e requer um reevaluar das prioridades do governo em relação à segurança pública.

À medida que a população de Florianópolis se vê imersa neste ciclo de violência, as vozes de ativistas e estudiosos sobre direitos humanos clamam por medidas que garantam a proteção tanto dos cidadãos quanto dos agentes policiais, buscando um equilíbrio que reduza a letalidade e aumente a responsabilidade. O futuro da segurança pública na cidade, portanto, está em uma encruzilhada, e as decisões tomadas agora podem ter um impacto duradouro na relação entre a polícia e a comunidade, assim como na segurança de todos os seus membros.

A situação atual é um chamado à ação para as autoridades e a sociedade civil, que devem se mobilizar para garantir que os erros do passado não se repitam, e que a justiça e a segurança sejam reestabelecidas em Florianópolis e em todo o Brasil.

Em Florianópolis, o panorama atual é claro e revelador. O último grande confronto entre facções ocorreu em 2018, e este ano marca um dos maiores índices de mortes por parte das forças de segurança na última década. Desde 2019, a distribuição geográfica das facções permaneceu estável, com conflitos armados entre narcotraficantes sendo raros e específicos. Em teoria, isso poderia sugerir uma redução na letalidade das forças de segurança, mas a realidade se mostrou diferente.

As críticas se direcionam ao Poder Público, que parece não considerar fatores adicionais, como posturas políticas conservadoras que promovem o aumento da presença e da atuação visível da polícia. Essa estratégia tem o objetivo de demonstrar que a criminalidade está sendo combatida, servindo como ferramenta política para a aprovação do governo. Portanto, o ambiente em questão se caracteriza como um Estado que mata e também omite.

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Um aspecto alarmante desse Estado é a ocultação de mortes. Nas vinte vítimas analisadas, apenas dezenove constam nos registros oficiais do governo de Santa Catarina. Um exemplo impactante é Tininho, um adolescente negro de 15 anos, que foi assassinado com um tiro na cabeça na Vila Cachoeira no dia 25 de março e não foi contabilizado nas estatísticas oficiais. Ele foi a segunda vítima mais jovem no intervalo de 200 dias estudados e é o caso mais recente de um adolescente morto pela polícia desde o trágico assassinato de Naninho, que tinha apenas 12 anos e foi executado em 2020.

A morte de Tininho foi encoberta pela Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). Após a confirmação de sua morte cerebral, o 21º Batalhão de Polícia Militar (21BPM) afirmou, nas redes sociais, que um “homem” havia sido baleado. Tininho, apesar de estar sob a vigilância da polícia no hospital, não teve sua morte oficialmente reconhecida, o que demonstra uma falta de transparência alarmante nas ações policiais.

A situação se torna ainda mais irônica quando, menos de um mês após a morte de Tininho, uma notícia positiva foi recebida pelos batalhões. A Assembleia Legislativa aprovou um aumento salarial de 21,5% para todos os servidores de Segurança Pública. A justificativa dada para esse reajuste foi o reconhecimento do trabalho essencial dos profissionais que arriscam suas vidas para manter Santa Catarina como o estado mais seguro do Brasil. O governador, Jorginho, ao divulgar a proposta em fevereiro, afirmou que tal esforço é crucial para impedir a criação de bandidos no estado.

O aumento salarial é consideravelmente superior à inflação dos dois anos anteriores e representa um incremento significativo no orçamento estadual, totalizando R$1,4 bilhão mensais. Adicionalmente, mais de R$360 milhões já haviam sido gastos nos dois anos anteriores em equipamentos como fuzis israelenses destinados à Polícia Civil, drones e veículos. Antes mesmo do final de abril, a presença inédita de blindados do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) gerou pânico em comunidades da região metropolitana, como Chico Mendes e Brejaru.

Essa realidade levanta questionamentos sobre a atuação das forças de segurança e sua relação com a comunidade. A abordagem agressiva e a militarização da polícia podem aumentar a tensão entre os cidadãos e os agentes de segurança, gerando um ciclo de violência que parece distante de uma solução. O uso de recursos pesados e a presença ostensiva de operações especiais podem afastar ainda mais a relação de confiança que deveria existir entre a população e a polícia.

Com um cenário caracterizado pela impunidade e pela ocultação de dados, fica claro que a gestão da segurança pública em Florianópolis requer não apenas uma revisão nas estratégias de combate ao crime, mas também uma maior responsabilidade e transparência por parte do Estado. A necessidade de políticas eficazes e respeitosas, que considerem as vidas perdidas e as necessidades da população, torna-se urgente em meio a índices alarmantes de violência e mortes não contabilizadas.

Assim, fica a reflexão sobre até que ponto a resposta do Estado à criminalidade deve ser moldada por interesses políticos e quais são as consequências reais dessa abordagem, tanto para a segurança pública quanto para a vida dos cidadãos. As mortes de jovens como Tininho e Naninho são símbolos de uma crise que ultrapassa as estatísticas, exigindo uma resposta que promova justiça, transparência e um real compromisso com a proteção da vida.

Um mês após o anúncio de um investimento de R$35 milhões para a implementação de câmeras de reconhecimento facial em todo o estado, a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina se manteve em silêncio sobre a omissão de dados oficiais de mortes decorrentes de ações policiais em Florianópolis, incluindo o caso de Tininho. O adolescente é apenas uma das vítimas cujo caso não foi registrado oficialmente, fazendo parte de uma lista que inclui também Shilaver da Silva Lopes, um jovem negro de 22 anos, baleado pela polícia em 12 de setembro de 2019, cuja morte também não aparece nos números oficiais.

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As câmeras corporais, que deveriam documentar as ações policiais, falharam em captar o momento da morte de Shilaver. No dia do ocorrido, ele foi atingido por disparos enquanto estava no Morro do Mocotó, e as câmeras da guarnição estavam em operação há apenas um mês. Estando internado por cerca de três meses, Shilaver nunca deixou o hospital após a cirurgia e morreu sob os cuidados de policiais, sem que seu falecimento fosse reconhecido nos registros do estado, que optou por omitir mais um caso de violência policial.

Evidentemente, a introdução de câmeras de reconhecimento facial é controversa, principalmente pela utilização de algoritmos de inteligência artificial que têm sido criticados por apresentarem vieses raciais. Além disso, a privacidade dos cidadãos é uma preocupação crescente com a implementação dessa tecnologia. O fato de a polícia poder ligar ou desligar as câmeras à vontade agrava ainda mais as questões de transparência e responsabilidade.

No caso de Shilaver, os policiais decidiram ativar a câmera somente depois de fazer os disparos, revelando uma falha significativa no sistema que deveria atuar como um mecanismo de controle. As câmeras da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) possuíam um botão acessível que permitia ao policial ligá-las ou desligá-las a seu critério, um recurso que foi mantido em operação durante mais de quatro anos, embora fosse publicamente apresentado como sendo 100% automatizado.

A realidade do uso das câmeras corporais expõe a ineficácia do sistema como um todo em reduzir a violência policial e garantir transparência. Klinker, um especialista na área, aponta que a presença das câmeras não garante uma mudança no comportamento dos policiais, ressaltando que os agentes têm possibilidades de contornar a fiscalização, o que questiona a eficácia das estratégias adotadas para a segurança pública. O contexto de Santa Catarina ilustra uma situação complexa e alarmante, onde a tecnologia prometida não cumpriu seu papel esperado, e as mortes provocadas por ações policiais continuam a ser omitidas em dados oficiais, envelhecendo a discussão sobre a responsabilidade do Estado em relação à vida de seus cidadãos.

Na prática, o que se revela é um esquema preocupante em que a polícia pode operar com total liberdade, sem a devida supervisão e sem prestarem contas. Isso não apenas perpetua a violência, mas também destrói a confiança da população nas instituições. As mortes de Tininho e Shilaver ilustram uma falha sistêmica de um sistema que deveria proteger os cidadãos, mas que na verdade parece estar muito mais preocupado em encobrir suas próprias inadequações e erros.

Enquanto o governo investe em tecnologias que prometem aumentar a segurança, surge um paradoxo: são as mesmas tecnologias que, em sua aplicação, trazem à tona injustiças e excessos. A continuidade desse estado de coisas provoca um questionamento sobre os verdadeiros objetivos das políticas de segurança pública. A contradição entre o discurso de modernização e a realidade da violência e da falta de registro de mortes agrava um panorama de desconfiança em relação aos agentes que deveriam garantir a segurança da população.

A sociedade civil precisa exigir respostas e modificações nas práticas policiais, contemplando o direito à vida e a dignidade de todos os cidadãos, independentemente de sua cor ou condição social. A implementação de medidas que assegurem maior transparência nas ações policiais é urgentemente necessária, assim como uma reavaliação crítica do uso de tecnologias como câmeras de reconhecimento facial e corporais, que, se mal administradas, tornam-se instrumentos de opressão em vez de proteção.

Este cenário revela uma necessidade premente de uma discussão mais ampla sobre a segurança pública no Brasil, onde a tecnologia deve ser aliada à ética e à responsabilidade, em vez de um tóxico instrumento de controle e violência.

*Com informações do ICL

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Mais de 900 mortes de civis causadas por ações policiais em SP, aponta estudo

Nenhum agente envolvido chegou a ser denunciado pelo Ministério Público.

Uma pesquisa com 859 inquéritos policiais apontaram que as ações da polícia de São Paulo deixaram 946 civis mortos no estado, de 2018 a 2024. Nenhum agente envolvido chegou a ser denunciado pelo Ministério Público. As informações são do projeto Mapas da (In)Justiça, do Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP, publicado nesta segunda-feira (5), no jornal Folha de S.Paulo.

De acordo com os números, aproximadamente oito de cada dez mortes aconteceram em vias públicas, e 87,8% dos casos envolveram somente uma vítima. Nesta situação também existe a predominância de negros (49%) entre os mortos.

A chamada prestação de socorro foi registrada em oito de cada dez casos. O estudo mostrou, ainda, que houve tiros em 734 ocorrências, com a maioria tendo um ou dois disparos (31,6%) ou dois a quatro disparos (31,3%). Também foi identificada 17,6% de ocorrências com uma quantidade de quatro a sete tiros disparados, e 19,5% com faixa de seis a 69 tiros.