Jerferson Miola*
Com os reveses sofridos na Câmara dos Deputados, a articulação política do Planalto entrou no foco do radar político como causa central das derrotas do governo Lula em votações.
É evidente que existem não só dificuldades e limites; como, também, falhas relevantes na articulação política do governo.
No entanto, enquanto eventuais falhas derivam de erros ou até mesmo de insuficiências dos operadores políticos do governo, as dificuldades e limites são sintomas de um problema muito maior e mais complexo, que é o sistema Deputadocrático de extorsão chefiado pelo deputadocrata Arthur Lira.
A participação do presidente Lula na linha de frente das negociações congressuais poderá tanto modificar o cenário, como também se revelar insuficiente diante de um “Congresso com atribuições mais amplas”, como Lira faz questão de mencionar a todo momento.
A lógica de funcionamento do Congresso de 2023 é bem diferente daquela dos governos petistas anteriores e, inclusive, dos dois períodos FHC.
O processo que resultou na realidade atual começou na presidência de Eduardo Cunha na Câmara [2015/2016], quando o comparsa de Aécio, Temer e bando golpista operou uma mudança no paradigma de relação entre os poderes Executivo e Legislativo.
A introdução do orçamento impositivo – antessala do orçamento secreto – para compactar a base necessária para o golpe de 2016 sepultou o chamado presidencialismo de coalizão.
Na articulação do impeachment fraudulento para derrubar a presidente Dilma foi maturado o sistema de chantagem e extorsão que sequestrou prerrogativas e atribuições privativas do Poder Executivo.
Este sistema foi fortemente robustecido no governo fascista-militar por meio do orçamento secreto e da ampliação do domínio da deputadocracia sobre parcelas ainda mais expressivas do orçamento da União.
A deputadocracia controla nada menos que R$ 46,2 bilhões de reais do orçamento de 2023 através de vários tipos de emendas parlamentares – individuais, de bancada estadual, de comissão e de relator. Desse total, R$ 21,2 bilhões são relativos a emendas individuais.
Isso significa, portanto, que cada deputadocrata dispõe de R$ 41 milhões à disposição para fazer clientelismo nas suas paróquias eleitorais. Um escândalo!
O poder de fogo das emendas parlamentares aposentou a governabilidade baseada no compartilhamento de ministérios com partidos políticos como contrapartida para a sustentação congressual.
Em entrevista ao jornal O Globo [11/5], o deputadocrata bolsonarista Elmar Nascimento, do União Brasil/BA, explica com didatismo a “alma do negócio”. Ele diz que “o plenário [da Câmara] não tem relação com ministérios. Com as emendas, sim”.
Elmar desdenha dos três ministérios abocanhados pelo seu partido no governo. O aliado de Lira explica que
“a estratégia do governo Lula, de participação via indicação de ministros, não traz base consolidada. O chão da fábrica [leia-se: a escória da escória; o chamado baixo clero], que é o plenário da Câmara dos Deputados, está muito mais ligado à execução de obras nas bases do que à ocupação desse tipo de espaço, que não chega para eles”.
Assim como Lira, Elmar reclama que o governo Lula é contra “a manutenção do controle dos deputados sobre todo o orçamento originário da RP9 [o orçamento secreto]” e “não trabalhou para tentar manter a existência da RP9” quando o STF interveio e cancelou tais emendas.
A governabilidade do governo Lula estará seriamente comprometida enquanto essa excrescência do orçamento secreto subsistir. Não há magia de articulação política que resolva esse problema crucial.
Como o governo não tem força no Congresso para suplantar esse sistema deputadocrático de chantagem, extorsão e ameaça, se obriga a construir uma governabilidade popular para contra-arrestar a inexistente capacidade de sobrevivência no contexto da governabilidade congressual.
O orçamento participativo para submeter à deliberação do povo brasileiro pelo menos os grandes valores agregados do orçamento da União e os investimentos regionais, poderá ser um eficaz antídoto ao sistema corrupto do orçamento secreto.
Mais além do problema da articulação política no Congresso, o desafio central do governo Lula é construir um poderoso dispositivo popular de sustentação política baseado no orçamento participativo e em mecanismos de democracia plebiscitária.
Sem o apoio popular vigoroso e permanente, será impossível se modificar a correlação social de forças para sustentar a materialização do programa sufragado nas urnas em 30 de outubro.
*Do Blog de Jeferson Miola
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