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Para combater as queimadas, Brasil precisa se libertar do agro

Agronegócio segue extremamente poderoso no Brasil, mesmo sob Lula. O estado brasileiro segue gastando muito mais com grandes fazendeiros do que com a agricultura familiar, social e ambientalmente melhor.

O Brasil está pegando fogo, no pior dos sentidos. Não é nem necessário acompanhar as matérias jornalísticas e análises ambientais sobre os focos de incêndio em todos os biomas brasileiros.

Até quem mora em grandes cidades e, infelizmente, não se enxerga de maneira integrada à natureza, percebeu a insalubridade do ar e o tom apocalíptico do céu acima de nós.

Em 2019, quando o céu de cidades grandes como São Paulo escureceu diante das queimadas criminosas e gigantescas na Amazônia no “Dia do Fogo”, no primeiro ano do governo abertamente ecocida de Jair Bolsonaro, o debate sobre a violência ambiental do agronegócio e a necessidade vital de proteger e recuperar nossas florestas levou a mobilizações de rua, algumas até mesmo espontâneas, sem grandes convocatórias por organizações de esquerda.

Passamos longos quatro anos sob Bolsonaro como testemunhas de uma boiada que não parava de passar. A visão explícita da destruição da natureza e da vida pelo bolsonarismo fez com que até gente de esquerda que antes desmerecia a pauta ambiental, passasse a denunciar a atuação de Ricardo Salles e a sanha avassaladora de Bolsonaro em sua aliança inabalável com fazendeiros que podiam absolutamente tudo: queimar, roubar, sequestrar, torturar e matar.

É 2024, e apesar do compromisso do governo Lula com a redução do desmatamento na Amazônia, de termos novamente uma ministra do meio ambiente (e mudança do clima) comprometida e políticas ambientais progressistas, nos encontramos em situação de insalubridade socioambiental.

As políticas do governo atual simplesmente são insuficientes diante da manutenção do poder de classe do agronegócio destrutivo que não pretende mudar a forma com que se acostumou a agir ao lado de Bolsonaro. Nossos servidores ambientais não recebem a estrutura e valorização necessárias para executar suas funções.

Para piorar, vivemos sob desmobilização generalizada, quando tudo que é ruim começa a parecer normal depois de um tempo: Gaza é somente mais um genocídio do outro lado do mundo; Rio Grande do Sul já está se reconstruindo; o Pantanal pega fogo mesmo de vez em quando…

Diante da desmobilização, vivemos uma política de contenção: nosso governo aposta em “transição energética” e “transformação ecológica” – definidas nos moldes do capitalismo verde -, restaura políticas alimentares importantes no combate à fome e no fortalecimento do pequeno agricultor, investe novamente em educação pública e interrompe a política anterior de perseguição a jornalistas.

Como presidente, Lula indica uma preocupação profunda com as consequências e impactos negativos na vida do povo brasileiro. Reconheço isso não como maneira de me blindar de reclamações sobre a crítica que apresentarei aqui, mas porque é nesse reconhecimento das políticas de governo que cuidam do que é impactado que vemos quão improdutivo, ineficiente e contraditório é implementá-las sem as devidas políticas que também combatem as causas de nossas crises.

Para facilitar o caminho de derrota institucional da extrema direita e garantir maior estabilidade no Brasil, é essencial fortalecer o governo atual. Para tal, políticas ambientais mais integradas são essenciais, assim como romper com políticas que seguem favorecendo o agronegócio enquanto este lucra ao custo de nossas florestas e nossos pulmões.

A crise ambiental é uma crise política e econômica
O agronegócio brasileiro conseguiu convencer grande parte da população brasileira de que não podemos viver sem ele. Dizem que é o agro que nos alimenta e que carrega nossa economia.

Há um fundo de verdade nessas duas alegações, pois o agro influencia o que é plantado, asfixia alternativas de produção de menor escala, hegemoniza recursos estatais para o setor agrícola, e assim cresce e lucra mesmo quando o restante da economia vai mal.

O que a propaganda do agro não conta é que, para lucrar, o agro também prejudica intencionalmente outros setores econômicos e destrói possibilidades de um presente e futuros mais sustentáveis.

A elite agrária legitima sua existência entrando nas casas do povo através do seu consumo cotidiano, seja no quilo da carne – associado à mobilidade social e poder de consumo – seja pelas músicas de um sertanejo cada dia mais conservador e empresário cujas letras e cantores agem como verdadeiros embaixadores.

Por mais que apontemos dados sobre hábitos alimentares que demonstram que a produção do agronegócio é muito mais ligada à exportação de commodities pertencentes ao sistema destrutivo de monocultivo ou confinamento animal, isso não basta para convencer a população de que poderíamos nos alimentar sem o agronegócio.

A verdade é que os pequenos produtores não conseguiriam fazê-lo hoje de forma autônoma, recebendo os valores justos que merecem e com os métodos agroecológicos que necessitamos.

Por mais que seja doloroso admitir como defensores da reforma agrária popular, sabemos que materialmente não estamos prontos para o fim do agro. Uma das principais razões para isso é que onde temos capacidade de intervir para reduzir a participação do agronegócio na economia brasileira, agimos para incentivá-la e aumentá-la.

A diferença de investimento federal para o agronegócio e para a agricultura familiar é exorbitante. O Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 destinou 76 bilhões em créditos rurais, anunciado pelo presidente Lula como um plano que “pode não ser tudo que a gente precisa, mas é o melhor que a gente pode fazer”.

Enquanto isso, o Plano Safra 2024/2025 que atende ao agronegócio destinou R$400,59 bilhões. Por mais que o governo sinalize que é importante aumentar a produtividade da agricultura familiar no que tange à produção de alimentos, é evidente que o esforço é de incentivo aos pequenos produtores, que precisam de infraestrutura adequada para produzir e comercializar, mas também à manutenção de uma estrutura produtiva desigual na terra.

Os resultados são vários. Por exemplo, a mesma cadeia de comercialização de agrotóxicos e fertilizantes que movimenta o agronegócio também chega ao pequeno produtor que não vê alternativa para competir sem aderir à monocultura de produção, mesmo que em pequena escala.

Além disso, a dureza da vida no campo é acentuada pela ameaça de violência, sobretudo aos povos indígenas, assentados e sem-terra que se organizam em resistência e retomadas. Finalmente, por vezes, a produção familiar é perdida ou desperdiçada porque não é escoada até o consumidor final, o que piora diante de secas ou enchentes extremas e a oscilação de preços influenciada pelos grandes produtores.

Nessa linha, até a agricultura familiar se vê orientada a produzir commodities, como Paulo Petersen, da Articulação Nacional de Agroecologia. É com bastante dificuldade que a agricultura familiar ainda coloca comida na mesa do brasileiro. Sem uma política que também enfrente a lógica de produção do agronegócio, a agricultura familiar nunca terá condições de substituir o agronegócio em tamanho e influência, enfim eliminando nossa gigantesca dependência econômica do agronegócio.

*Intercept