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370 votos que ajudam o crime

Se a atuação do deputado Guilherme Derrite como relator do PL Antifacção tivesse uma trilha sonora, a música ideal seria aquele prefixo do antigo programa “Os Trapalhões”. Nunca se viu vexame maior de um parlamentar nessa função: sem negociar, Derrite jogou no lixo a proposta do governo e apresentou um primeiro substitutivo que foi malhado por todos como Judas em sábado de aleluia. Foi assim com a segunda, a terceira, a quarta e a quinta versões. Nesta terça-feira (18) foi votada na Câmara a sexta versão do monstrengo, aprovada por 370 votos a 110.

Não seria tão grave se as trapalhadas de Derrite fossem apenas cômicas, como acontecia com Didi, Dedé, Zacarias e Mussum. Mas, infelizmente, são trágicas.

A grande tragédia consiste no esforço bizarro que fizeram o deputado relator (licenciado do cargo de secretário de Segurança de São Paulo) e Hugo Motta para avacalhar um debate sério, que tinha o objetivo de ajustar a legislação ao grave cenário da criminalidade no país, com facções cada vez mais poderosas.

Na frente das câmeras o discurso dessa turma é de endurecimento no combate aos criminosos e integração das forças de segurança pública. Na prática, Derrite e seu grupo ignoraram o trabalho de meses feito pelo governo e se esforçaram ao máximo para tirar da Polícia Federal, da Receita Federal e da Justiça Federal as prerrogativas no enfrentamento ao crime organizado.

O problema aqui não é meramente político, de busca de protagonismo dos governadores nessa área que rende dividendos eleitorais. Se fosse só isso já seria péssimo.

Mas é pior.

Pela insistência em escantear a PF e outros órgãos federais, o que Derrite, Motta,Tarcísio de Freitas, Cláudio Castro, Ronaldo Caiado, além dos mentores semi-ocultos da proposta (Arthur Lira e Eduardo Cunha) pretendem mesmo é tornar menos eficaz as principais corporações brasileiras de combate aos bandidos — especialmente os de colarinho branco.

As trapalhadas dessa turma sinistra — Derrite à frente — ajudaram a escancarar uma verdade dolorosa, que todos já conheciam, mas nunca havia se mostrado tão explicitamente: há no Brasil um grande número de políticos empenhados em atrapalhar o combate ao crime organizado e favorecer bandidos poderosos.

O texto de Derrite tira recursos da PF, minimiza as chances de asfixia financeira, mantém facções de posse de seus bens, cria dubiedade sobre a legislação a ser aplicada contra as quadrilhas, endurece penas contra bagrinhos e facilita a vida dos financiadores bilionários da bandidagem.

Foi isso que 370 deputados aprovaram.

No fim da votação na Câmara, Centrão e extrema direita comemoraram.

Ao mesmo tempo, os bandidos mais poderosos do país também fizeram festa.

A noite desta terça-feira (18) diz muito sobre o Brasil.

Que saudade dos trapalhões originais…

*Chico Alves/ICL


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O rastro de sangue de Guilherme Derrite

O secretário de Segurança de São Paulo, que lida com uma crise após uma série de casos de brutalidade policial, já foi investigado por ao menos dezesseis homicídios.

o dia 3 de novembro, um policial militar matou a tiros, pelas costas, um homem que tentava furtar pacotes de sabão líquido no bairro Jardim Prudência, em São Paulo. No dia 6, uma criança de 4 anos e um adolescente de 17 morreram baleados durante uma troca de tiros envolvendo policiais no Morro São Bento, em Santos. No dia 20, um estudante de medicina foi morto com um tiro à queima roupa durante uma abordagem policial na Vila Mariana. No dia 2 de dezembro, um policial jogou um homem de uma ponte na Vila Clara.

Esses episódios de violência, revelados em um intervalo de poucos dias, resultaram em uma nova crise de segurança pública. Chocam pela brutalidade, mas não surpreendem. Desde que assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em janeiro de 2023, o ex-policial militar Guilherme Derrite deu sinais de que pretendia afrouxar os controles internos da PM. Já deu entrevista criticando colegas de farda que mataram menos de três pessoas em cinco anos de serviço. “É vergonhoso”, disse. Para ele, é pouco.

Antes de completar um mês no cargo, Derrite defendeu a ação de uma patrulha da Rota, a tropa de elite da PM, que disparou 28 vezes contra um Honda Fit, sob a justificativa de que seus três ocupantes iriam praticar um assalto na região central de São Paulo. Comprovou-se mais tarde, por meio de uma gravação em vídeo, que na operação um policial plantou uma arma ao lado de um cadáver para simular que houve confronto. No segundo mês à frente da Secretaria, Derrite cancelou a punição contra quinze agentes da Rota que tinham alto índice de letalidade. Em fevereiro deste ano, perdoou cerca de cinquenta PMs que estavam afastados do serviço de rua também por terem matado demais. Os anistiados trabalham em diferentes cidades. Derrite colocou todos de volta às ruas.

A piauí publicou, em maio, uma reportagem sobre a trajetória do secretário – o primeiro policial militar tão jovem e com patente tão baixa a assumir o cargo. A reportagem levantou arquivos com investigações sobre diligências e supostos confrontos com a participação de Derrite que resultaram em mortes, entrevistou parentes de vítimas e outras pessoas ligadas aos casos. O texto traz o depoimento de um matador que diz ter atuado em um grupo de extermínio em Osasco sob o comando de Derrite. Revela também que o secretário, em seu tempo na polícia, foi investigado por dezesseis homicídios. Isso não significa que ele tenha matado dezesseis pessoas, mas que participou de ações que resultaram nesse saldo de mortes. Derrite foi investigado em sete inquéritos, mas nunca foi denunciado.

Um dos inquéritos diz respeito a uma operação realizada, em 2012. Na época, policiais da Rota receberam a informação de que integrantes do PCC se reuniriam no estacionamento de uma casa noturna em São Paulo. Derrite pediu para comandar a operação. Foi uma catástrofe. Seis pessoas morreram e três policiais foram presos, sob a suspeita de torturar e matar um homem que, escondido sob um caminhão, viu e ouviu tudo o que aconteceu. O episódio entrou para a crônica policial como exemplo de um completo fracasso, do ponto de vista militar e dos direitos humanos, e ajudou a encerrar a carreira de Derrite. Ele foi afastado do patrulhamento e, menos de dois meses depois, foi convidado a deixar a Rota. Seus superiores entenderam que sua letalidade era alta demais.

O secretário permaneceu quase doze anos na PM, entrou para a reserva como capitão, elegeu-se e reelegeu-se deputado federal e foi vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara. Hoje é uma das figuras mais proeminentes do entorno de Tarcísio de Freitas. Nesta quarta-feira (4), pressionado pelos acontecimentos recentes, o governador disse que não pretende exonerá-lo. Afirmou, em vez disso, que Derrite “está fazendo um bom trabalho”.

*Piauí