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“Seu general golpista fdp” – de Brizola ao Gal Costa e Silva, na Rebelião da Legalidade, 60 anos atrás

Muitas são as marcas da Rebelião da Legalidade comandada por Leonel Brizola em 1961, sessenta anos atrás.

A primeira, e mais importante, foi a mobilização do povo brasileiro. De maneira ostensiva, nas ruas, no Rio Grande do Sul, em manifestações reprimidas país afora, como no Rio de Janeiro, por Carlos Lacerda, e os demais governadores, mas, acima de tudo, todos ouvindo Brizola no rádio, na Cadeia da Legalidade, e nas conversas que se espalhavam país afora e chegavam nos quartéis. Pois havia uma questão que dizia respeito a boa parte do povo brasileiro: o povo havia votado no Vice João Goulart (na época votava-se para vice separado do voto no Presidente) e queria o respeito ao seu voto com a posse de João Goulart. O povo encheu a praça em frente ao Palácio, e lá ficou dias e noites. Não arredou pé, mesmo quando a Aeronáutica ameaçou bombardear o Palácio. Ali estava o povo brasileiro.

Quando Brizola distribuiu armas ao povo (requisitou toda a produção das indústrias de armas no Rio Grande do Sul, onde se achava a Taurus, a maior delas) – deu um revólver e duas caixas de bala e pediu que quem tivesse, trouxesse sua arma – criou-se uma situação singular em nossa história: o povo brasileiro foi armado para uma luta. Os gaúchos representavam o povo brasileiro. Não que produzisse efeitos militares significativos, mas de efeito simbólico inigualável. Oficiais do Exército logo concluíram, especialmente no Rio Grande do Sul e em outras unidades, que não poderiam lutar contra o povo brasileiro.

Outra questão foi a divisão que se operou nas Forças Armadas, especialmente no Exército. Quando soube da renúncia de Jânio Quadros, Brizola acreditou, como em geral se acreditou, que se tratava da derrubada do Presidente. Procurou falar com ele em Cumbicas, base aérea em são Paulo. Conseguiu falar com seu assessor de imprensa, o famoso jornalista Carlos Castelo Branco. Brizola mandou oferecer a Jânio ir para o Rio Grande e de lá, resistir. Recebeu a resposta que não era o caso, que havia renunciado mesmo, agradecia.

Brizola começou a fazer contatos diante da nova situação. Já circulavam rumores que as Forças Armadas não iriam permitir a posse de Jango, que se encontrava na China em visita oficial. Diz-se que Jânio escolheu esta circunstância para não haver a posse imediata do Vice e dar tempo de surgir manifestação para o retorno dele. Brizola falou com o Marechal Lott, Ministro da Guerra que garantiu a posse de Juscelino e Jango, e havia perdido a eleição para Jânio. Lott aconselhou Brizola a procurar alguns generais comandantes de unidades no RGS, como Peri Beviláqua, Oromar Osório e outros. Brizola tentou falar com os próprios Ministros militares, mas não foi atendido. Tentou outros generais. Conseguiu falar com Costa e Silva, comandante do Exército em Recife, que era gaúcho. Pediu para o General ponderar junto aos Ministros para se cumprir a Constituição. Costa e Silva refutou, que só atenderia as ordens do Ministro. Brizola insistiu, Costa e Silva respondeu ríspido: Governador não me telefone só atendo ao Ministro. Brizola lhe devolveu: “seu General golpista, fdp”, e bateu o telefone.

Oficiais do Exército no RGS, especialmente comandantes de unidades, se articularam e pressionaram o comando a se rebelar e a se colocar pela posse de Jango. O Comandante Machado Lopes foi ao Palácio e aderiu a Brizola e assumiu o comando militar da Legalidade.

Diversos oficiais País afora foram manifestando suas posições legalistas. Grupos de sargentos em muitos lugares organizaram-se pela Legalidade. O General Cordeiro de Farias foi nomeado novo Comandante do Exército em Porto Alegre. Não conseguiu reunir forças para chegar lá.

A outra questão que se coloca, que muitos consideram central, foi o sistema de rádio que operou em cadeia e que levou o nome de Cadeia da Legalidade. No dia seguinte à renúncia, as rádios Farroupilha e Gaúcha divulgaram declarações de Brizola e o manifesto do Marechal Lott pela posse de Jango. O Ministro do Exército, na época chamado Ministério da Guerra, determinou o fechamento destas rádios. A Rádio Guaíba não publicou nada e ficou no ar, funcionando. No dia 27, pela manhã, Brizola decretou a requisição da Rádio Guaíba e ordenou à Brigada Militar trazer para o Palácio todos os equipamentos e montou a rádio nos porões do Palácio. Foram sendo feitos contatos com outras emissoras País afora e foi formada a Rede da Legalidade para transmitir ao povo brasileiro as falas de Brizola, que o ouvia especialmente durante a noite e madrugadas, em longas falas. Brizola tocou a consciência do povo brasileiro.

Outra questão a ser lembrada: as brizoletas. O Governo Federal, através do Banco do Brasil e Caixa Econômica, retirou todo o dinheiro, o meio circulante dos diversos bancos no estado. Para haver dinheiro e funcionar o meio circulante, para a economia não parar e as pessoas não passarem necessidades, Brizola determinou a emissão de títulos públicos estaduais de valor determinado, correspondente aos valores do cruzeiro, moeda da época, com garantia do Tesouro do Estado. Ficaram conhecidas como brizoletas e foram aceitas em diversos lugares.

Tancredo Neves foi escalado para ir conversar com Jango em Montevideu e levar-lhe a proposta parlamentarista. Ele e os Deputados Hugo Faria e Almino Afonso, líder do PTB e contrário. Quando Almino chegou no aeroporto na hora marcada, Tancredo já havia saído com Hugo Faria meia hora antes. Tancredo deveria parar em Porto Alegre para conversar com Brizola. O avião preparava-se para descer, Tancredo olha o ambiente e ordena que não desça e siga direto para Montevidéu. Brizola confessou depois: iria levar Tancredo para o Palácio para aguardar a chegada de Jango e só conversar com Jango em Porto Alegre e junto com Brizola. Argúcia e sensibilidade de Tancredo evitaram que fosse retido.

E, assim, surgiu a figura de um herói nacional: Leonel Brizola. Brizola já havia sido reconhecido: reforma agrária, escolas, mais de 6.000, expropriação das empresas de eletricidade e telefonia, a poderosa ITT. O Presidente Kennedy já havia afirmado em entrevista que Leonel Brizola era um político brasileiro que não era amigo dos Estados Unidos. Brizola tivera longa conversa com Che Guevara na conferência de Montevideu, como integrante da delegação brasileira, indicado por Jânio.

Mas a Rebelião da Legalidade era uma outra história. O grande jornal americano The New York Times afirmou que, dadas as dimensões do Brasil, com a Rebelião da Legalidade a Revolução Cubana iria parecer uma briga de botequim.

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