Segundo Pilar Troya, política neoliberal e medidas ‘de curto prazo’ adotadas pelo governo do Equador fortalecem Forças Armadas e podem gerar ainda mais violência de facções que se sentirem ameaçadas.
Cenas chocantes protagonizadas por facções criminosas em diversas cidades do Equador têm redobrado a atenção do governo de Daniel Noboa. Imagens de criminosos invadindo os estúdios da tradicional emissora TC Televisión, sequestros de inocentes a mão armada e ataques a universidade foram intensamente divulgadas e reproduzidas em escala mundial.
Diante da onda de violência deflagrada na última terça-feira (09/01), o chefe de Estado assinou um decreto ainda mais rigoroso do que havia anunciado no dia anterior: o estado de “conflito armado interno”, seguido do estado de exceção. O novo documento qualifica os grupos criminosos como “terroristas” e autoriza a operação das Forças Armadas em território nacional.
No entanto, as medidas que têm sido instituídas pelo presidente equatoriano com o intuito de “neutralizar” e controlar a situação, por outro lado, têm sido interpretadas como uma ameaça ainda maior para as facções criminosas.
“Uma solução autoritária clássica da direita”, avaliou Pilar Troya Fernández, pesquisadora do escritório inter-regional do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, em entrevista a Opera Mundi.
Segundo a acadêmica equatoriana, um dos principais fatores que podem ter contribuído para a violência instalada no país são justamente as medidas neoliberais apresentadas por uma gestão conservadora, que tende a lidar com com os problemas de criminalidade “não pensando no conjunto da situação”, mas implementando políticas de curto prazo, como o decreto de caráter “autoritário” que dá aval para os “militares assassinarem os presos”.
“Agora não é [um decreto] emergencial. É uma guerra interna que diz que todas as facções criminosas são terroristas e que autoriza a matar com menos restrições” explica Troya, acrescentando que o cenário é uma clara contraofensiva dos criminosos contra as políticas de violência implementadas pelo governo.
Nos vídeos que circularam em redes sociais, é possível ouvir integrantes expressando suas insatisfações e enviando recados diretos a Noboa. Alguns dizem que “enquanto você [presidente] mantém essa situação, a gente continuará atacando porque queremos viver.”
A questão é de longa data. De acordo com a pesquisadora, os centros penitenciários de Equador carecem de investimentos estatais em vários setores, como de segurança e policiamento, fora que os funcionários são muito mal pagos. Por conta disso, “o Estado perdeu o controle” sobre o órgão prisional, cedendo espaço para que ele seja controlado pelos próprios criminosos.
Na avaliação da acadêmica, os dois meses em que vão vigorar o decreto de Noboa “não resultarão em nada”, uma vez que tais medidas de caráter emergencial já foram adotadas em governos anteriores, como de Lenín Moreno e Guilherme Lasso, mas obtiveram resultados com efeitos opostos.
“Os massacres e a criminalidade continuaram. A gente acha que eles não têm um plano bem feito sobre como lidar com um problema tão grande”, disse Troya. “Enquanto não pensarem a longo prazo, em todas as facetas do problema, não apenas na violência se desvinculando das demais pautas políticas, econômicas, de emprego, de segurança, não vai dar certo”.
Aumento de facções criminosas
A especialista menciona fatores que contribuem no aumento de facções criminosas no país. Um deles é o avanço do narcotráfico em nível internacional, uma vez que Equador “tem uma boa localização geográfica para exportar droga” e “a economia é dolarizada”, o que facilita a lavagem de dinheiro.
A questão monetária foi, inclusive, abordada pelo próprio presidente nesta quarta-feira (10/01), ao canal Todo Notícias. Durante a entrevista, Noboa afirmou que a dolarização “é um elemento que ajuda no narcoterrorismo”.
Além disso, as condições pós-pandêmicas que instalaram uma grave crise econômica no país também foram fatores agravantes.
“A falta de emprego cria um bom caldo de cultivo para o narcotráfico e, pela mesma pandemia, as rotas internacionais mudam. Então tem mais droga circulando pelo Equador. O consumo também aumentou, como em vários outros países da América do Sul”, explicou Troya, acrescentando críticas à conduta da “direita clássica” que, apesar do cenário, se apoia à ideia de Estado mínimo e segue confiando na prevalência da iniciativa privada como solução para problemas que têm raízes mais profundas.
“O narcotráfico também tem corrompido a polícia, as forças armadas, o sistema judiciário e a empresa privada, porque é ali que o dinheiro é lavado. Nesse sentido precisaria um esforço sério para atacar todas as frentes do narcotráfico, mas não temos nada disso”, conclui a pesquisadora.
*Opera Mundi