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Governo Bolsonaro manteve contrato para Covaxin após alerta sobre inadimplência e validade ‘exígua’ de vacina

Servidora registrou atraso de 8 milhões de doses, risco já apontado em documento de oito dias antes da assinatura; empresa nega vantagem.

Segundo matéria de Vinícius Sassine e Mateus Vargas, da Folha, o Ministério da Saúde manteve a parceria com a Precisa Medicamentos mesmo após a fiscal do contrato detectar inadimplência na entrega de 8 milhões de doses da vacina Covaxin e prazo de validade “muito exíguo” de lotes que chegaram a ser prometidos e nunca foram entregues.

A servidora do ministério designada para a função de fiscal detalhou em um documento os pontos que configuravam o “descumprimento do contrato”, título da notificação direcionada tanto à Precisa Medicamentos, intermediadora do negócio, quanto à Bharat Biotech, empresa indiana que produz a Covaxin.

As suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana atingiram o Palácio do Planalto e viraram uma nova linha de investigação na CPI da Covid no Senado. Nesta sexta (25), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a Polícia Federal vai abrir inquérito para investigar a compra da Covaxin. “É lógico que a PF vai abrir inquérito.”

A existência de denúncias de irregularidades foi revelada pela Folha na sexta-feira passada (18), com a divulgação do depoimento sigiloso de Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde e irmão do deputado Luís Miranda (DEM-DF).

O servidor disse ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília que recebeu uma pressão atípica para agilizar a liberação da Covaxin. O parlamentar, por sua vez, disse ter levado ao presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, uma denúncia sobre irregularidades no contrato da Covaxin.​

A fiscal do contrato detalhou problemas na execução da parceria num documento de 30 de março, remetido aos representantes das empresas no dia seguinte.

Um dia depois, dia 31, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou pedido do Ministério da Saúde para importação de um primeiro lote de vacinas indianas. Faltavam documentos básicos, que atestassem a segurança, a qualidade e a eficácia do imunizante.

A Folha teve acesso ao processo administrativo que registra todos os passos da contratação da vacina indiana.

Entre os documentos que integram o processo está uma matriz de risco elaborada pelo ministério em 17 de fevereiro, com apontamento de seis riscos relacionados à Precisa em caso de efetivação do contrato. Um deles era a possibilidade de atraso na entrega das vacinas.

Os outros riscos descritos são a elevação dos custos, efeitos adversos graves, falta de registro pelo órgão regulatório, falha na guarda ou transporte do imunizante e problemas relacionados à temperatura do produto.

O contrato foi assinado em 25 de fevereiro, com a Precisa representando a Bharat Biotech. Ficaram previstos 20 milhões de doses, a um custo individual de US$ 15 (R$ 80,70). O valor total do contrato é de R$ 1,61 bilhão, dinheiro que já está empenhado –reservado, autorizado– pelo governo Bolsonaro desde 22 de fevereiro.

Dois dos seis riscos previstos na matriz se concretizaram. Todos os prazos contratuais foram desrespeitados. Além disso, a Anvisa já negou um pedido de importação, o que só foi concedido mais de dois meses depois, no último dia 4, com restrições de quantidade e uso da vacina.

A constatação mais assertiva da quebra de contrato foi feita pela fiscal designada para acompanhar o contrato de R$ 1,61 bilhão. A notificação que ela elaborou é de 30 de março.

“Verificamos que na data de hoje a empresa encontra-se inadimplente no que se refere às duas primeiras parcelas, qual sejam 4 milhões de doses que deveriam ser entregues em 17/03/2021 e 4 milhões de doses em 27/03/2021”, afirmou no documento.

Esse não foi o único problema detectado. Os lotes identificados para a primeira tentativa de importação tinham prazo de validade em abril e maio. “O prazo de validade é muito exíguo, uma vez que existem diversas etapas a serem concluídas até a vacinação propriamente dita da população”, aponta a notificação.

A fiscal ainda apontou a negativa, pela Anvisa, da concessão do certificado de boas práticas de fabricação à fabricante do imunizante na Índia.

O Ministério da Saúde encaminhou a notificação tanto a Francisco Maximiano, o dono da Precisa, quanto a Emanuela Medrades, diretora da empresa responsável pelas tratativas diretas com a pasta.

Numa resposta à fiscal do contrato em 7 de abril, a Precisa forneceu uma informação errada. “A oficiante apresentou os documentos necessários para realização da importação do imunizante Covaxin tempestivamente ao tempo do cronograma previsto para as entregas 1 e 2”, escreveu.

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