José Dirceu analisa desafios globais, critica a hegemonia do capital financeiro e defende reorganização da esquerda em entrevista.
O ex-ministro José Dirceu participou de uma extensa entrevista ao programa 20 Minutos, conduzido por Breno Altman no canal Opera Mundi no YouTube. Em uma conversa repleta de reflexões históricas, análises políticas e projeções estratégicas, Dirceu abordou temas que vão desde a ascensão da extrema-direita global até os desafios da esquerda brasileira no atual cenário político.
De acordo com o anfitrião, o ano de 2024 termina com o mundo em polvorosa, marcado por eventos como a guerra na Ucrânia e o genocídio em Gaza, além da retomada da Casa Branca por Donald Trump, que assumirá a presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025. Nesse contexto, Dirceu destacou a crise do capitalismo global e a tensão entre as democracias liberais e o avanço do autoritarismo.
A principal contradição global
Questionado sobre a principal contradição do mundo atual, Dirceu afirmou que ela está na decadência relativa dos Estados Unidos diante da ascensão de novas potências, como China, Índia e Rússia. “O mundo mudou, e não há como retroceder. A ascensão do Sul Global é uma realidade, e isso obriga os Estados Unidos a recorrer ao protecionismo e à desvalorização do dólar”, explicou.
O ex-ministro também pontuou que a extrema-direita, em ascensão nos países centrais do capitalismo, é uma manifestação da crise do capitalismo globalizado e das democracias liberais. Ele comparou o atual momento ao período entre as guerras mundiais, destacando o impacto da desindustrialização, da precarização do trabalho e da ascensão de ideologias xenófobas e nacionalistas.
Avaliação do governo Lula e desafios para a esquerda
Apesar de celebrar os avanços econômicos do governo Lula, como o crescimento do PIB e a queda do desemprego, Dirceu apontou que a base social da esquerda está enfraquecida. Ele atribuiu isso à desmobilização sindical, ao enfraquecimento das organizações populares e à dificuldade de enfrentar a hegemonia do capital financeiro. “As forças progressistas precisam repactuar um projeto político claro, tanto dentro do PT quanto no campo da esquerda em geral”, afirmou.
Dirceu foi crítico à dependência do governo em relação ao Congresso, dominado por forças conservadoras. Ele destacou a importância de uma reforma tributária progressiva e defendeu o fortalecimento das políticas públicas como eixo central do governo. “O Brasil precisa de uma revolução social, que passa por uma reforma tributária e uma revolução educacional e tecnológica”, enfatizou.
Críticas à política internacional e o papel dos BRICS
Dirceu também comentou sobre a política externa brasileira, incluindo a postura do governo Lula em relação à Venezuela e ao acordo Mercosul-União Europeia. Ele se mostrou contrário à negação do reconhecimento das eleições venezuelanas e à exclusão do país do BRICS. “Essa postura vai contra os princípios de autodeterminação e não-intervenção que sempre defenderam nossa diplomacia”, criticou.
Sobre o BRICS, Dirceu ressaltou seu potencial de criar alternativas ao dólar e impulsionar o desenvolvimento global. Ele apontou que o bloco tem capacidade de liderar uma nova ordem econômica e política que desafie a hegemonia dos Estados Unidos.