Milton Santos e o racismo no Brasil

O que dizer também do comportamento da polícia e da justiça, que escolhe como tratar as pessoas em função do que elas parecem ser?

Penso haver três dados centrais para entender essas questões do preconceito, do racismo, da discriminação. O primeiro é a corporalidade, o segundo é a individualidade e o terceiro é questão de cidadania.

Resumindo, a corporalidade inclui dados objetivos, a individualidade inclui dados subjetivos e a cidadania inclui dados políticos e propósitos jurídicos.

A corporalidade nos leva a pensar na localização (talvez pudéssemos chamar de lugaridade), a destreza de cada um de nós, isto é, a capacidade de fazer coisas bem ou mal, muito ou pouco e as possibilidades daí decorrentes.

E aí aparece em resumo, meu corpo, o corpo do lugar, o corpo do mundo. Eu sou visto, no meio, pelo meu corpo.

Quem sabe o preconceito não virá do exame da minha individualidade, nem da consideração da minha cidadania, mas da percepção da minha corporalidade.

O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político.

A escravidão marcou o território, marcou os espíritos, e marca ainda hoje as relações sociais desse país.

Mas é também um modelo cívico subordinado à economia, uma das desgraças desse país.

No Brasil a economia decide o que de modelo cívico é possível instalar.

O modelo cívico é residual em relação ao modelo econômico e se agravou durante os anos do regime autoritário e se agrava perigosamente nessa chamada democracia brasileira.

A própria territorialização é corporativa, os recursos nacionais sendo utilizados sobretudo a serviço das corporações, o resto sendo utilizado para o resto da sociedade.

O cálculo econômico não mostra como as cidades se organizam para serem utilizadas por alguma empresa, por alguns pessoas. São as corporações que utilizam o essencial dos recursos públicos e essa é uma das razões pelas quais as outras camadas da sociedade não têm acesso às condições essenciais de vida aos chamados serviços sociais.

No caso dos negros, é isso que se passa.

O Brasil necessita, com urgência, de medidas positivamente discriminatórias, que são a única forma de refazer um balanço mais digno revendo o balanço histórico.

 

*Milton Santos – Por uma Outra Globalização.

 

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

Comente