Mês: outubro 2020

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Com provável partida para os EUA, Moro não é mais convidado para palestras

A provável mudança do ex-juiz Sérgio Moro para os Estados Unidos deve-se ao fato de que suas perspectivas políticas e profissionais se tornaram mais estreitas no Brasil. “Inimigo do governo” desde que rompeu com Jair Bolsonaro, ele não tem sido mais convidado para palestras, mesmo aquelas promovidas por grupos de direita, uma vez que os empresários costumam ser pragmáticos.

Além disso, segundo informa o jornal Valor Econômico, em reportagem de André Guilherme Vieira, não há mais clima para eventos com Moro na América do Sul. Uma palestra na Argentina teve que ser cancelada, em razão de protestos de grupos que defendem o estado de direito e combatem a prática do lawfare, que consiste no uso de mecanismos judiciais para perseguição política.

No Brasil, Moro conta hoje apenas com um emprego, o de professor na UniCeub, uma universidade privada de Brasília, em que dá aulas remotas. Nos Estados Unidos, provável destino do ex-juiz, ele contaria com alguns aliados, uma vez que a Lava Jato foi decisiva para uma novo enquadramento geopolítico do Brasil, que deixou de ser um país soberano e voltou a ser satélite do governo estadunidense.

E mais, a Petrobrás foi forçada a pagar multas bilionárias aos Estados Unidos. De acordo com o jornalista Paulo Moreira Leite, que acompanhou a ascensão e o atual ostracismo de Moro, o ex-juiz “já vai tarde”.

 

*Com informações do 247

*Foto destaque: arquivo GGN

 

 

A tragédia do governo Bolsonaro deve-se, sobretudo, à absoluta incapacidade dos militares de governarem o país

A Globo acaba de anunciar que a discussão sobre o tal Renda Cidadã ficará para depois da eleição municipal, ou seja, independente do desprezo do que o governo Bolsonaro, que já desabou, tem com as camadas mais pobres da população, mostra que, aquele jantar com Maia e Guedes, teve como sobremesa apenas a certeza anunciada de que ninguém vai furar teto nenhum para acabar com a fome dos pobres para deixar o mercado tranquilo.

Para os pobres, o que sobrou daquele jantar, foi somente mais um arroto, o de que ainda vai ser estudada uma forma de financiar o programa de um governo que não tem a mínima ideia de como sair dos berros e governar de fato o país.

É bom lembrar que esse governo cretino já produziu a morte de quase 150 mil brasileiros, fez a bolsa apresentar os piores resultados do mundo, assim como a moeda brasileira foi a que mais se desvalorizou no planeta e vê o dólar numa crescente galopante e, junto, a inflação dos alimentos nos devolvendo ao mapa da fome, além do recorde do desemprego. Isso não é obra apenas do capitão Bolsonaro, mas daquele amontoado de generais inúteis, nulos e caros ao país que sublinham com caneta piloto duas coisas, que essa conversa mole de patriotismo é uma falácia, tanto que vão entregar de mãos beijadas as refinarias brasileiras, fundamentais para a soberania nacional e a total e absoluta incapacidade de governar o Brasil.

Os militares podem ser bons para tutelar o STF numa espécie de ditadura cordial ou de uma ditadura concreta, como vivemos décadas atrás. Mas uma coisa não há como negar, e os resultados gritam isso, são totalmente incapazes de produzir um ato que seja de capacidade administrativa.

Quando os militares deixaram o poder após a ditadura, entregaram com uma hiperinflação, uma gigantesca dívida com o FMI, um aumento substancial da desigualdade e um favelamento generalizado nas grandes cidades como consequência dos trágicos anos da ditadura.

Essa turma adora “discutir ideologia”, porque não pode colocar números na mesa sobre o passado, mas principalmente sobre o presente, porque se o país ainda não foi para os ares é graça aos quase 400 bilhões de dólares em reservas internacionais que herdou dos governos Lula e Dilma que, aliás, aguçou a cobiça dos golpistas.

Se o país estivesse mesmo quebrado, como fogueteou a direita, jamais essa escumalha formada pela escória da sociedade, ia querer governar o país.

Quem está à frente dessa tragédia humana produzida por esse governo com quase 150 mil brasileiros vítimas fatais da Covid, é um general da ativa, Eduardo Pazuello, que foi para a reserva para ser ministro da Saúde. Antes, porém, ainda na ativa, era o timoneiro da pasta que provocou essa tragédia humanitária comandada por um presidente genocida.

A principal voz no governo Bolsonaro, todos sabemos, é o caquético general Heleno que, inacreditavelmente, vive no twitter respondendo ás pessoas que criticam o governo, como se estivesse numa arquibancada de um clube militar torcendo em um campeonato de peteca.

O chefe da Casa Civil é outro general, Braga Neto, e mais punhado de generais, além e um número incontável de militares que ocupam cargos estratégicos no governo.

Então, que não nos esqueçamos de que Bolsonaro trouxe com ele a incapacidade gerencial dos militares.

Soma-se a isso, anúncio dado agora pela Globonews, de que o governo só discutirá de onde arrancará recursos para o Renda Cidadã anunciado irresponsavelmente sem saber como financiar, só é possível quando há uma comunhão de incompetentes, de pessoas realmente muito incapacitadas para produzir um buraco n’água desse tamanho.

Essa gente foi talhada dentro da visão militar de administração, mostrando como esse governo plagia a tragédia econômica e social que os militares promoveram durante a ditadura por total e absoluta incompetência.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

 

 

 

Bolsonaro abraça o STF, antes “inimigo”, e desilude generais da reserva

A recente aproximação do presidente Jair Bolsonaro de alguns ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e a indicação de Kassio Marques para substituir Celso de Mello não causou decepção apenas em parte dos evangélicos e nos olavistas. Um outro importante grupo de apoio teve reação bastante negativa à movimentação de Bolsonaro: os militares da reserva.

Em tese, a pacificação entre o Executivo e o Supremo poderia ser vista como positiva, por neutralizar os seguidos ataques de grupos antidemocráticos aos ministros. Há alguns meses, Bolsonaro saudou no Palácio do Planalto manifestantes que pediam o fechamento da principal corte do Brasil.

Pelo menos cinco generais da reserva ouvidos pela coluna fizeram duras críticas aos possíveis motivos que levaram à mudança radical na postura do presidente.

Os oficiais consideram que essa “parceria” tem como objetivo não o bem do país, mas somente interesses pessoais de Bolsonaro.

O único que expôs a opinião publicamente, como de costume, foi o general Paulo Chagas. Ele tuitou que a família Bolsonaro, Kassio e os ministros do STF “têm interesses coincidentes em relação à prisão em segunda instância”.

Como se sabe, Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente, é investigado pelo Ministério Público do Rio por comandar suposto esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio, confiscando salários de funcionários e praticando lavagem de dinheiro. Caso seja denunciado, o assunto será resolvido no STF.

Além disso, a proximidade entre Bolsonaro e alguns ministros do STF desmonta um dos fortes argumentos dos generais para justificar o fracasso do governo em várias áreas. Desde o ano passado, muitos deles atribuíam os tropeços do presidente a obstáculos criados pela corte e pelo Congresso.

O acerto do governo com o Centrão desmontou parte dessas desculpas. Agora, com o entendimento entre Bolsonaro e os ministros do STF, os militares não terão mais esse argumento.

 

*Chico Alves/Uol

 

O abraço dos afogados

Não vi motivos para achar estranho o abraço efusivo de José Antônio Dias Toffoli em Jair Bolsonaro. O ex-assessor jurídico do PT e ex-Advogado Geral da União do governo Lula, ao assumir o cargo de Ministro do STF, se despediu das suas origens petistas e, aos poucos, foi dando uma guinada radical à direita.

Ainda nos primeiros anos como Ministro, Toffoli se aproximou do experiente Ministro Gilmar Mendes, que tem um histórico pró-tucanos bem conhecido. Jovem e com pouca envergadura jurídica, Toffoli aprendeu a se movimentar na principal Corte, escutando os conselhos do “camarada” Gilmar Mendes. Não à toa, acompanhou seus colegas mais conservadores em decisões contrárias à defesa de ex-petistas na Corte Suprema.

Em outubro de 2012, Dias Toffoli condenava por corrupção no caso do mensalão o ex-Tesoureiro petista Delúbio Soares e o ex-Presidente do PT, José Genoíno.

Mas o voto mais emblemático viria em maio de 2018, quando o Ministro, já Presidente do STF, negou o recurso que poderia garantir a liberdade de Lula. Uma decisão que tirou seu ex-padrinho da corrida eleitoral e que, se não fosse a repercussão da Vaza Jato, poderia ter deixado Lula mofando na cela da PF em Curitiba por muitos anos.

Alguns meses depois, em 1º de outubro de 2018, em plena campanha presidencial, Toffoli proíbe a entrevista de Lula – autorizada anteriormente pelo Ministro Ricardo Lewandowski – a mim e a Mônica Bergamo, para os jornais El País e Folha de São Paulo. Uma entrevista de fundamental importância política, pois daria ao ex-Presidente a possibilidade de dizer aos seus eleitores que estava impossibilitado de concorrer ao pleito, e que o candidato a Vice Presidente, Fernando Haddad, seria o cabeça da chapa. O direito de realizar a entrevista só nos foi dado meses após a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República.

Mas foi a aproximação de Toffoli com os militares que chamou a atenção do comunidade jurídica nacional. No início de seu mandato na Presidência do STF, ele nomeou como Assessor o General da reserva, Fernando Azevedo e Silva. Com a vitória de Bolsonaro, Fernando Azevedo foi nomeado Ministro da Defesa. Para o lugar dele, na assessoria especial, Toffoli nomeou em novembro de 2018, outro General, Ajax Porto Pinheiro. Pasmem, estes dois militares que despacharam no gabinete do STF foram indicações feitas pelo general Eduardo Villas Bôas, um dos principais articuladores da campanha do Capitão Jair Bolsonaro nas Forças Armadas.

Por esse pequeno histórico do ex-Presidente do STF, achei natural o abraço fraterno de Bolsonaro em Toffoli neste domingo, 4 de outubro. É o abraço de uma amizade que vem de antes da campanha eleitoral de 2018. Uma amizade que permite até a quebra de protocolos. Quem não se lembra da cena protagonizada por Bolsonaro, ao deixar o Palácio do Planalto à pé, acompanhado de Ministros e líderes empresariais, rumo ao STF? Na época, 7 de maio, por não constar da agenda oficial de Toffoli, a segurança da Corte e o cerimonial tiveram que se organizar às pressas.

Para alguns bolsonaristas de raiz ligados a Olavo de Carvalho e revoltados com a escolha do Desembargador Kassio Nunes Marques, indicado pelo Centrão para a vaga de Celso de Mello, o encontro deste domingo entre o Presidente e Dias Toffoli, é inaceitável. Para os radicais da direita brasileira, trata-se do abraço dos afogados.

 

*Florestan Fernandes Jr./247

 

Wassef e Flávio Bolsonaro articularam a indicação de Kassio Marques para o STF

O advogado e Flávio Bolsonaro levaram o nome de Kassio como sugestão ao presidente para a vaga no STF.

O nome do indicado à próxima vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Marques, chegou a Jair Bolsonaro através de um esforço conjunto entre o advogado Frederick Wassef e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), segundo fontes próximas ao Palácio do Planalto.

Wassef já trabalhou na defesa de Flávio e foi denunciado recentemente pela Lava-Jato do Rio de Janeiro. Há alguns meses, o advogado teve um encontro com o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, quando o magistrado ainda estava em campanha para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Wassef e Flávio Bolsonaro então levaram o nome de Kassio como sugestão ao presidente para ser indicado ao STF.

Procurado, Wassef disse que não irá comentar o tema. Kassio Marques também foi questionado e não se pronunciou. Pessoas próximas aos dois confirmaram que o encontro entre Wassef e o futuro ministro ocorreu quando a vaga ao STF ainda não estava em discussão. A informação de que Wassef recomendou o nome de Kassio a Bolsonaro foi publicada pelo site “O Antagonista” na semana passada e confirmada pelo GLOBO.

Em uma “prévia” da sabatina com senadores na manhã desta terça-feira, Kassio Marques foi perguntado sobre ter sido indicado por Wassef. Ele desviou da pergunta e insinuou ser fantasiosa a versão que circulou de que o presidente do PP Ciro Nogueira (PI) teria levado seu nome ao presidente, mas sem citar o nome do senador. Ao criticar a “criatividade” da imprensa, disse não estar se referindo a Wassef.

— Eu cheguei a ver na imprensa uma assertiva de que uma determinada pessoa me levou ao presidente e o diálogo que foi travado. Em que pese o sofrimento que eu tenho passado esses dias, é um momento hilário do dia porque eu não sei a quem atribuir tanta criatividade. Não foi esse exemplo que o senhor citou (de Frederick Wassef), foi um outro caso de um parlamentar que teria me levado e consta na imprensa o diálogo, o que eu disse, o que ele falou.

Entre Wassef e Kassio Marques, há também afinidade nas ideias. Em 2019, Kassio escreveu sobre uma decisão do ministro do STF Dias Toffoli que favoreceu Flávio Bolsonaro. Publicado na revista “Justiça & Cidadania”, o artigo elogia a decisão que suspendeu, a pedido de Wassef, investigações com dados do Coaf (Conselho de Administração de Atividades Financeiras) compartilhados sem autorização do Judiciário.

“Embora o combate à criminalidade seja um norte que oriente qualquer comunidade que se pretenda organizada, tal meta política não pode ser dissociada, no emprego de instrumentos para a sua consecução, de princípios fundamentais, que tutelem a dignidade da pessoa humana”, escreveu Marques sobre o compartilhamento de dados do Coaf.

O desembargador critica no artigo a vertente de pensamento “utilitarista”, segundo a qual a eventual violação à privacidade no compartilhamento de dados do Coaf seria justificada pelo bem-estar coletivo. Diz ainda que essa visão do direito parece ser “adotada por grande parte da mídia brasileira”.

Depois de ser apresentado a Bolsonaro e receber formalmente o convite para se tornar ministro do STF, o indicado contou com o aval do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), e de outros líderes do Congresso e ministros de Cortes superiores. O Palácio do Planalto o apresentou a senadores como uma indicação de Ciro e Flávio.

Ainda na conversa com senadores na manhã desta terça-feira, Kassio disse que a imprensa “não consegue descobrir” quem o indicou e garante que a escolha “foi exclusiva do presidente Bolsonaro”.

— Quanto à questão da indicação, o que eu posso asseverar é que foi exclusiva do presidente Bolsonaro. Há um ditado antigo em Brasília que diz que quando a imprensa ultrapassa cinco nomes como padrinhos de indicados é porque realmente não consegue descobrir.

 

*Natália Portinari e Naira Trindade/O Globo

 

Frota entrega à PF dados que ligam Eduardo Bolsonaro pessoalmente ao esquema de fake news

Deputado afirma que endereços eletrônicos do filho do presidente foram identificados.

Dados da CPMI das Fake News mostrados pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) à Polícia Federal ligariam Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pessoalmente ao esquema de ataques virtuais contra opositores da família.

Em depoimento à Polícia Federal prestado na semana passada, no dia 29 de setembro, e obtido pelo Painel, Frota levou diversos números de IPs de computadores de Brasília e do Rio que teriam sido identificados como participantes de ações de disseminação de fake news na internet.

Segundo o parlamentar, os IPs estão ligados a um email oficial do filho do presidente.

O Painel procurou Eduardo Bolsonaro, que não respondeu até a publicação da reportagem.

De acordo com Frota, as informações foram obtidas na CPMI das Fake News, ainda em andamento no Congresso.

Segundo os dados levados à PF, alguns dos IPs foram identificados em computadores localizados em um imóvel no Rio de Janeiro na avenida Pasteur, no apartamento declarado por Eduardo à Justiça Eleitoral.

Um outro IP foi relacionado à uma casa no Jardim Botânico, em Brasília, onde o deputado mora.

O email identificado na utilização dos IPs, de acordo com Frota, é o [email protected], o mesmo declarado por Eduardo no registro de sua candidatura em 2018.

Reportagem publicada em março no UOL mostrou pela primeira vez vínculos do gabinete de Eduardo Bolsonaro com ataques virtuais.

Atualmente fora do ar, a página Bolsofeio tinha como principais alvos os ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e jornalistas. Ela também convocava manifestações contra o STF e a favor de Bolsonaro.

A reportagem mostrou que a página foi criada a partir de um computador localizado na Câmara dos Deputados e foi registrada a partir de um telefone utilizado pelo secretário parlamentar de Eduardo Bolsonaro, Eduardo Guimarães.

As informações foram enviadas pelo Facebook à CPMI das Fake News no Congresso, a partir de um pedido de quebra de sigilo referente a contas feito pela comissão.

O depoimento de Frota foi colhido pela PF no inquérito que apura atos antidemocráticos. A investigação corre no STF, sob os cuidados de Alexandre de Moraes.

 

*Com informações da Folha

 

Farsa da meritocracia cria ressentimento explorado por populistas como Trump e Bolsonaro

Mérito é uma farsa. É assim que Daniel Markovits, professor de Direito na Universidade de Yale com um currículo invejável, começa seu livro “The Meritocracy Trap” (A armadilha da meritocracia, em tradução livre).

Se criticar a meritocracia não é novidade, o trabalho de Markovits chama atenção não só pela argumentação ao mesmo tempo profunda e acessível, mas principalmente por apontar que esse sistema não é bom nem mesmo para a elite.

De um lado, ele diz, a classe média não consegue pagar pela educação exclusiva da elite e fica excluída dos melhores salários, status e vantagens. De outro, os ricos têm enormes ganhos financeiros, mas levam vidas desgastantes e mais exigentes do que tinham as elites no passado.

Em entrevista à BBC News Brasil, Markovits explica os mecanismos pelos quais, na visão dele, a meritocracia gera desigualdade, cria ressentimento na classe média, e abre caminho para o populismo.

“A meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites”, diz.

Britânico, que passou os anos entre os Estados Unidos e a Inglaterra (e que conta adorar o Brasil), Markovits tem dois diplomas da Universidade de Yale, um da London School of Economics, além do doutorado na Universidade de Oxford. Entre as áreas de atuação, estão os fundamentos do direito privado, filosofia moral e política, e economia comportamental.

E o que Markovits diz sobre os constantes exemplos de pessoas que saíram de condições muito adversas e tiveram sucesso?

“A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha”, diz. “Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.”

O livro de Markovits sairá no Brasil pela Editora Intrínseca, mas ainda não tem data de publicação definida.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil – A primeira frase do seu livro é: mérito é uma farsa. Como você define mérito?

Daniel Markovits – Mérito ou meritocracia é a ideia de que as pessoas devem se destacar não com base na classe social de seus pais, mas com base em suas próprias conquistas — em quão produtivas e habilidosas elas são. O problema do mérito na nossa sociedade é que se tornou um sistema fechado e auto sustentável em que ocorre o seguinte: as elites dão educação aos seus filhos de uma maneira que ninguém mais consegue pagar. Aí, as pessoas que têm acesso a essa educação incrível que ninguém mais consegue pagar, transformam o mercado de trabalho de forma que os trabalhos que pagam os melhores salários são exatamente os que exigem as habilidades que só a educação mais cara proporciona.

É um sistema fechado. Não estamos tratando das pessoas que vão bem na escola na maioria da sociedade, estamos falando de quem faz o seu melhor de acordo com um conjunto de padrões construídos especificamente para favorecê-las. É por isso que o mérito é uma farsa.

BBC News Brasil – Quais são as particularidades do ideal meritocrático em países com altos índices de desigualdade, como o Brasil?

Markovits – Tem dois pontos importantes. O primeiro é que em um país como o Brasil há muita desigualdade não-meritocrática — ou seja, uma desigualdade aristocrática antiga, em que elites herdam grandes propriedades ou outros tipos de capital. De forma hereditária, simplesmente. Ao mesmo tempo, o Brasil também tem uma classe profissional cada vez mais bem paga, como banqueiros e advogados que ganham muito dinheiro supostamente por suas habilidades. E é aqui que a meritocracia causa problema.

Em um estudo feito no Reino Unido, mas que reflete o que também ocorre em outros países, economistas mediram qual é o retorno para a sociedade de cada libra paga em salário para trabalhadores como lixeiro ou enfermeiro. O resultado é que, para cada libra paga a um professor, cuidador ou lixeiro, a sociedade tem 10 libras como retorno. Por outro lado, se olhar o advogado ou o banqueiro, o resultado é que os salários privados são maiores que os benefícios sociais. Assim, as pessoas que são supostamente super qualificadas, com salários enormes, na verdade produzem menos do que recebem. Enquanto isso, trabalhadores supostamente menos qualificados produzem benefícios sociais muito maiores que seus salários.

Em geral, você pensa que seu salário é seu mérito, mas é muito confuso e muito injusto.

BBC News Brasil – E o que você chama de herança meritocrática?

Markovits – Nos EUA, se você calcular a diferença entre o que uma família da elite investe na educação de seus filhos — taxas escolares, professores particulares, entre outros — e o que uma família da classe média investe e aplicar esse valor extra a cada ano no mercado de ações, isso dá muito mais que US$ 10 milhões por filho. No modelo aristocrático, isso seria a herança.

E é claro que esse investimento compensa. Apenas um a cada 75 americanos sem diploma de ensino médio terá ganhos ao longo da vida tão altos quanto a média de um advogado.

Todo esse dinheiro investido em capacitação dá às pessoas diplomas sofisticados, que geram enormes rendas, que, por sua vez, são investidas nos filhos e continua o ciclo em que a elite controla as vantagens.

BBC News Brasil – Mas, de tempos em tempos, vemos casos incríveis de pessoas que saem de condições muito pouco promissoras e conquistam posições consideradas de sucesso. Como você os explica?

Markovits – A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha, partir de circunstâncias modestas e chegar a conquistas gigantes. Mas política social tem que ser feita para pessoas comuns, não para pessoas excepcionais. Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.

BBC News Brasil – Você aponta que a meritocracia também prejudica os ricos. Como ela pode ser ruim para todos? E como você diferencia os efeitos para a classe média e a elite?

Markovits – A forma pela qual a meritocracia prejudica os mais pobres e a classe média é que, na hora de decidir quem entrará em uma vaga na universidade ou em um emprego, as pessoas com mais treinamento, cujos pais gastaram o que ninguém mais consegue gastar, terão os melhores resultados. Se você não é rico, não vai conseguir ter a melhor educação e será muito difícil entrar na elite por conta própria.

Por outro lado, todo esse treinamento que as crianças ricas têm não é divertido para elas, que estão sempre recebendo aulas particulares, lições de casa… Escolas particulares de elite nos Estados Unidos geralmente dão a alunos de 12 ou 13 anos até 5 horas de lição de casa. Você é constantemente testado. E a competição se tornou tão intensa que ter pais ricos não garante que você vai vencer.

Você também pode ser excluído, mesmo que tenha nascido com privilégios. Por exemplo, na década de 1990, a Universidade de Chicago admitia 75% dos candidatos. Este ano vai admitir 6%. Então, os ricos estão constantemente preocupados em serem excluídos e, quando eles conseguem esses altos empregos, os trabalhos exigem 70, 80 até 100 horas semanais de trabalho. Os ricos tornam-se uma espécie de mecanismo de sua própria exploração. É claro que eles ficam muito ricos com isso, mas não é uma vida divertida, significativa ou cheia de bem-estar. É uma corrida destrutiva, que prejudica até mesmo aqueles que a vencem.

BBC News Brasil – E quando você diz a estudantes da elite, como em Yale, que eles também estão nessa ‘armadilha’, como eles reagem?

Markovits – Uma das mudanças mais significativas na sociedade dos EUA nos últimos anos é que, há 20 anos, estudantes da elite se sentiam muito bem sobre si mesmos. Sentiam que mereciam suas vantagens e ansiavam por uma vida em que teriam admiração, riqueza e sucesso. Hoje, estudantes da elite estão incertos, com medo, e conscientes de que suas vantagens custam a exclusão de outras pessoas, e têm uma forte sensação de que pulam de desafio em desafio e não querem a vida dessa forma. Parece um pouco com 1968, no sentido de que os jovens privilegiados estão frustrados. E todas as outras pessoas na sociedade, que têm sido excluídas, estão ainda mais frustradas, com mais raiva e têm a sensação de que o sistema é prejudicial e injusto com elas. Acredito que os jovens veem o que está acontecendo e são uma força poderosa de transformação. Enquanto gerações anteriores queriam se tornar a estrutura de poder, os jovens de hoje querem desfazer a estrutura de poder.

BBC News Brasil – Nesse contexto, como você vê ações afirmativas como as políticas de cotas raciais nas universidades?

Markovits – Nesse ponto, os EUA e o Brasil têm semelhanças: são duas sociedades que foram construídas com base na escravidão e em uma incrivelmente brutal ordem de casta racial. É importante entender que essas formas de escravidão eram terríveis inclusive para os padrões de escravidão, em Roma, na Grécia antiga, na Europa medieval. Não era bom ser um servo ou escravo na França ou em Roma, mas ser um escravo nos Estados Unidos significava não ser considerado uma pessoa pela sociedade, era ser posse de uma pessoa. Era muito mais brutal. E o motivo pelo qual eu aponto isso é que os EUA e o Brasil ainda estão, necessariamente, no processo de reconhecer as formas de exploração racial que construíram esses países. E isso é separado da exploração econômica. Não é o caso de entender raça nos Estados Unidos ou no Brasil apenas pela lente de classe. E o que as ações afirmativas fazem é um pequeno passo para responder a séculos de uma brutal injustiça racial.

BBC News Brasil – O que você chama de “maternidade meritocrática”? Esse sistema afeta mulheres e homens de maneiras diferentes?

Markovits – Sim. Um exemplo específico mostra um fenômeno geral: na Faculdade de Direito de Yale, as mulheres são metade das turmas; nos mais requisitados escritórios de advocacia dos EUA, elas também são metade dos advogados iniciantes, mas se você analisa os profissionais em cargo sênior nesses escritórios, em torno de uma em seis ou uma em dez serão mulheres. Elas são metade nos primeiros anos da carreira, mas há uma grande queda nos estágios mais avançados. Por quê?

Há várias razões — assédio sexual no ambiente de trabalho, várias formas de injustiça de gênero no trabalho… Mas uma razão muito forte para isso é que em uma meritocracia, na qual a elite precisa educar seus filhos de forma intensa para manter o status familiar na próxima geração, isso exige pais extremamente qualificados para criar a criança meritocrática. Investir dinheiro não é suficiente. Você tem que direcioná-la de forma inteligente, ajudá-la quando se sentir estressada ou com incertezas, tem que ajudar na lição de casa e ensiná-la a trabalhar duro desde cedo. E essas são coisas que pais fazem melhor que ninguém — e, em um mundo sexista, quem ficará com essa tarefa será a mãe. Então o que você vê são mulheres da elite que têm uma educação tão elaborada quanto a dos homens, que começam carreiras fortes, e deixam o chamado mercado de trabalho para trabalhar como treinadoras para seus filhos. Afinal de contas, se você está em uma meritocracia, ser pai/mãe é um papel produtivo, porque produz o capital humano da próxima geração. Então essas mães são trabalhadoras meritocráticas. Essa é uma ação racional em uma sociedade meritocrática, mas tem uma gigantesca desigualdade de gênero associada.

É verdade que o período da gravidez e os primeiros meses após o nascimento são fases em que as mulheres quase que necessariamente têm um trabalho desproporcionalmente maior, mas acredito que o maior ponto aqui é o enorme esforço e atenção exigidos nos próximos 20 anos da vida desse filho. E isso é algo que poderia muito bem ser feito igualmente bem por homens ou mulheres.

Um dado interessante é que, se você quiser que a sociedade equilibre o trabalho doméstico entre homens e mulheres, uma das melhores formas de fazer isso é reduzir as diferenças salariais. Quando os profissionais mais bem pagos não têm salários tão maiores que as pessoas que recebem menos, homens ficam muito mais propensos a cuidar das crianças, porque em um mundo sexista os homens conquistam seu status com base no salário.

BBC News Brasil – O que o populismo tem a ver com a meritocracia?

Markovits – Há pelo menos duas conexões. A primeira é que a meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que a meritocracia faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites. E vemos isso de forma concreta, como no exemplo dos banqueiros que colocaram a sociedade na crise financeira de 2007-2008. São pessoas que publicamente declaravam ser as mais inteligentes do mundo — que estavam empregando pessoas e construindo capital para todos, fortalecendo a economia -, mas que, na verdade, construíram riquezas gigantescas para eles mesmos e quase nada para os demais.

Outro ponto é que há uma espécie de psicologia obscura da meritocracia. O que expliquei antes, sobre a educação incomparável da elite, é uma forma de exclusão estrutural. Se você nasceu na classe média e não entrou na universidade ideal ou não conseguiu o melhor trabalho, a razão não tem a ver com você, individualmente, mas tem tudo a ver com estruturas de riqueza, poder e exclusão em uma sociedade meritocrática.

No entanto, o que a meritocracia faz é contar uma história que faz parecer que uma exclusão estrutural é, na verdade, uma falha individual. A meritocracia diz à pessoa que não passou na USP ou em Harvard que se ela tivesse sido um pouco mais estudiosa e dedicada, ela teria passado — ou seja, é culpa dela.

Há uma psicologia política muito sombria que aparentemente justifica a desvantagem. Se as suas desvantagens parecessem sem justificativas, imorais, naturalmente você procuraria argumentos sobre por que isso precisa mudar.

Mas se suas desvantagens parecem ser justificadas, isso produz raiva, ressentimento, e outros aspectos do populismo são a raiva, o ressentimento e a política destrutiva.

Dessas duas formas, a meritocracia cria as patologias que os populistas podem explorar e vemos isso nos Estados Unidos e também no Brasil, com Bolsonaro, que está jogando exatamente esse jogo.

Bolsonaro usa o ressentimento para desencadear batalhas culturais que, na verdade, não são as batalhas centrais das vidas das pessoas, a fim de conseguir apoio a uma espécie de autoritarismo em que ele vai atravessar todas essas elites e produzir quaisquer que sejam os resultados que ele se propôs.

BBC News Brasil – E para as eleições dos EUA, quais são os efeitos desse fenômeno que você descreve?

Markovits – A vitória de Trump em 2016 está muito conectada a esse fenômeno. Ele é exatamente o populista que levanta suspeita sobre as elites, que levanta a psicologia sombria das desvantagens para finalidades ainda mais obscuras. O trumpismo é um sintoma da desigualdade que eu descrevo.

No entanto, também acredito que a sociedade americana também começou a entender isso. A classe média nos EUA está entendendo que o que a prejudica não são imigrantes, não são pessoas negras, e sim uma estrutura econômica que mantém a classe média excluída dos bons empregos e vantagens. E acredito que inclusive a elite americana está começando a entender que não merece essas vantagens. Vemos isso no ciclo eleitoral.

Diferente de 2016, quando a sensação era de que Hillary Clinton não entendia por que Trump era tão popular, nesta eleição temos a sensação de que o Partido Democrata, e particularmente Joe Biden, entende o que está acontecendo e está fazendo uma campanha que fala com a classe média.

Estou otimista em relação ao futuro, de que a sociedade está cada vez mais entendendo o que deu errado estruturalmente e construindo vontade política para tratar isso. O tempo vai dizer.

BBC News Brasil – A própria palavra mérito é frequentemente citada por políticos. Neste mês, o ministro da Fazenda do Brasil, Paulo Guedes, usou o termo mérito ao defender a necessidade de maiores salários no topo do funcionalismo, como para o presidente e ministros do Supremo Tribunal Federal. Como você analisa o uso desse conceito na política?

Markovits – Isso é complicado. Há vários dados que mostram que, pelo menos para as pessoas mais ricas, salários mais altos não são necessários para que trabalhem. Elas continuarão a trabalhar mesmo que não recebam tanto assim.

Ao mesmo tempo, há um problema diferente que é o fato de a meritocracia ter criado uma diferença salarial gigante entre o que as pessoas podem ganhar no setor privado e no público. Por exemplo, na Inglaterra, em 1900, os salários mais altos eram de funcionários públicos. Se você quisesse ser rico no setor privado, tinha que ser dono de propriedades, você não ficava rico trabalhando. A forma de ficar rico trabalhando era ter um trabalho no governo.

Hoje o secretário do Tesouro dos Estados Unidos provavelmente ganha US$ 250 mil por ano, enquanto o presidente do JP Morgan talvez receba US$ 25 milhões por ano. Um juiz talvez ganhe US$ 200 mil por ano, enquanto um advogado sócio de um escritório muito lucrativo talvez ganhe US$ 5 milhões em um ano.

Os trabalhos públicos não pagam nem perto do que a iniciativa privada paga. E isso leva a uma grande migração de pessoas em empregos públicos para o setor privado e a uma questão de política de influência. Quando pessoas que trabalhavam no governo e vão para empresas privadas, grande parte do que fazem é usar suas conexões no governo para obter tratamento favorável.

Então salários mais altos para cargos no setor público que o ministro mencionou não resolveriam este problema. Não seriam altos o suficiente. Para solucionar essa diferença, seria necessária intervenção regulatória para reduzir esses salários extremamente altos no setor privado. Não há uma boa razão para um presidente de um banco receber US$ 25 milhões por ano.

BBC News Brasil – Como um homem britânico, com dois diplomas de Yale, um doutorado em Oxford, como você se vê nesse sistema que descreve?

Markovits – Eu ataco um sistema que de muitas formas me beneficiou e não escondo isso. Mas a natureza desse argumento não tem a ver com um depoimento pessoal. Não estou argumentando baseado em minha experiência. O que o meu livro faz e o que faço nesta entrevista é descrever fatos e conectá-los a causas econômicas, fazendo conclusões morais sobre eles.

BBC News Brasil – Considerando todos os danos da meritocracia que você mencionou, qual é a solução? Existe uma forma de realmente premiar esforço e dedicação de cada um?

Markovits – Temos dois pontos a serem trabalhados. O primeiro é democratizar a educação, com grandes investimentos públicos para educar mais gente e uma série de reformas para dificultar que escolas privadas se tornem tão exclusivas — ou seja, estimular essas escolas a terem mais alunos e mais alunos da classe média, dificultando que os ricos separem seus filhos no âmbito da educação.

Nos EUA, por exemplo, essas escolas privadas são organizadas como entidades filantrópicas, então elas têm isenção de imposto. Assim, o governo poderia retirar essas isenções se elas não tiverem diversidade econômica entre os alunos. Na Alemanha, Berlim proibiu creches de cobrar mais de 8 euros a mais, por mês, do que o Estado paga, então a cidade tornou quase impossível ter creches exclusivas incríveis. A melhor forma de fazer dependerá da política, Constituição e ordem social de cada país, mas é necessário pressionar a educação da elite para que essas escolas se tornem mais abertas.

O outro ponto está no mercado de trabalho: é preciso favorecer trabalhos da classe média. Isso exige inúmeras políticas diferentes, uma delas são os impostos. Nos EUA, a renda do trabalho da classe média é mais tributada do que qualquer outra renda. Outra é ter representação sindical em conselhos de empresas. Poderia inclusive haver um ministro da classe média, para promover os interesses desse grupo.

Politicamente, o ponto central é o seguinte: o sistema que temos hoje não ajuda ninguém. Não é bom para a classe média, que é excluída em termos de renda, status e vantagens. E também não é tão bom mesmo para os ricos, que têm enormes ganhos financeiros, mas não têm vidas que os tornam felizes. Politicamente, o ponto central é todo mundo perceber que todos nós temos algo a ganhar mudando esse sistema.

BBC News Brasil – O Brasil reformou a legislação trabalhista. De um lado, o governo disse que a ideia era flexibilizar as relações de trabalho. De outro, sindicatos argumentaram que seria uma precarização do trabalho. Um mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível afeta a desigualdade?

Markovits – O que os neoliberais chamam de um mercado de trabalho flexível produz desigualdade. É realmente importante para a igualdade que os trabalhadores possam obter treinamento no trabalho e progredir dentro de suas empresas. E, quando você tem um mercado de trabalho flexível, fica muito difícil para as empresas treinarem seus trabalhadores, porque se uma faz isso, um concorrente dela vai contratar essas pessoas treinadas. Então, o que acontece é que ninguém treina e os profissionais que estão na base continuam na base.

 

*Lais Alegretti/BBC Brasil