Mês: janeiro 2023

Joaquim de Carvalho: Por que Carlos Bolsonaro não prestou depoimento no inquérito sobre o evento de Juiz de Fora?

Os dois estiveram próximos duas vezes. Em Florianópolis, quando Adélio fez curso de tiro. E em Juiz de Fora, quando Carlos se tranca no carro ao ver Adélio.

Uma das lacunas da investigação sobre a facada ou suposta facada em Juiz de Fora é a presença de Carlos Bolsonaro em Florianópolis no mesmo dia em que Adélio Bispo de Oliveira fazia o curso de tiro no .38, em 5 de julho de 2018.

O inquérito não faz referência se Carlos frequentou o .38 naquele dia, mas sua ida à cidade tinha o objetivo de ir ao local, de que era associado fazia três anos e ao qual prestou homenagem, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, conforme mostra o diploma afixado na parede da recepção.

Quando fiz o documentário “Bolsonaro e Adélio – Uma fakeada no coração do Brasil”, perguntei ao .38 se Carlos Bolsonaro esteve no local naquele dia e se havia imagens das câmeras de segurança. Um relações públicas do clube me atendeu, pediu que formalizasse a solicitação por e-mail, o que fiz e não recebi resposta.

Dois representantes do .38 prestaram depoimento no inquérito, o instrutor de tiro e um proprietário, mas não foram questionados sobre a presença de Carlos Bolsonaro. Um deles disse que, nesse dia, Adélio, à certa altura, ficou sentado na poltrona, mexia no celular e olhava sempre para a porta de entrada.

Adélio estava fazendo o curso, pelo qual receberia certificado, e pelas aulas recebidas teria pago três vezes o valor do aluguel do quarto onde vivia. Adélio não tinha arma. Em 7 de setembro, um dia depois do evento em Juiz de Fora, o Jornal Nacional publicou reportagem com entrevista da porta-voz do clube.

“Ele chegou aqui, fez um cadastro, foi acompanhado, após fazer um cadastro e dar a identidade dele, como todo e qualquer cidadão que vem aqui, por um instrutor para a prática de tiro. Esse instrutor fica junto no momento em que a arma é escolhida. Fica junto a todo instante”, disse Júlia Zanata, que, mais tarde, seria nomeada por Jair Bolsonaro para um cargo regional da Embratur em Santa Catarina.

Nas redes sociais, Júlia Zanata se destacou como militante bolsonarista e recorreu à Justiça para tentar tirar o documentário do YouTube, mas não conseguiu. A censura viria por iniciativa do próprio YouTube, alguns meses antes da eleição no ano passado.

O delegado da Polícia Federal Rodrigo Morais, que investigou o caso, disse a membros de sua equipe que havia dificuldade para investigar o entorno de Bolsonaro, mas, em junho de 2021, quando apurávamos o evento de Juiz de Fora, considerava a hipótese do auto atentado “plausível”.

Na época, o Tribunal Regional Federal da 1a. Região analisava a possibilidade de reabertura do inquérito para, em princípio, analisar o celular e o computador apreendido no escritório de Zanone Júnior, que foi o advogado de Adélio.

Ele dizia que, se o caso fosse reaberto, avançaria na investigação, não apenas analisar os arquivos de Zanone. O delegado cogitava pedir autorização do Supremo Tribunal Federal para uma perícia médica em Bolsonaro.

“Ninguém é obrigado a produzir prova contra si, mas eu pediria, para saber se o que provocou o ferimento”, disse a dois agentes da Polícia Federal.

Quando o caso foi reaberto, Rodrigo Morais acabou promovido para um cargo nos Estados Unidos, e quem assumiu a investigação foi o delegado Martin Bottaro Purper, que tinha investigado a facção criminosa PCC.

Algumas semanas depois, o jornal Metrópoles publicou reportagem sobre a linha de investigação: Purper estaria buscando verificar se havia ligação de Adélio com a facção criminosa.

Nunca mais a Polícia Federal tocou no assunto publicamente, mas a notícia gerou barulho na internet. A militância bolsonarista tentava ligar Adélio ao PCC e o PCC a Lula. Puro delírio, mas em época de campanha o barulho poderia ter efeito junto aos eleitores.

Carlos Bolsonaro é chave para eliminar as lacunas do inquérito sobre o evento de Juiz de Fora. Um vídeo publicado no documentário “Bolsonaro e Adélio – Uma fakeada no coração do Brasil” mostra que Adélio tenta se aproximar de Carlos na tarde de 6 de setembro de 2018, logo após a chegada de Bolsonaro ao Parque Halfeld, início da caminhada pelo calçadão.

Ao vê-lo, Carlos Bolsonaro entrou no carro e se trancou. Em entrevista a Leda Nagle, Carlos falou sobre essa aproximação, que ele não poderia negar, já que as imagens tinham se tornado públicas.

“Tem um determinado momento da gravação do meu pai em Juiz de Fora em que eu saio do carro e o Adélio vem na minha direção, e eu, por um acaso, volto no carro e, quando eu entro no carro novamente, ele recua porque viu que não conseguiria chegar até mim. Tem essa gravação. É público, todo mundo consegue ver. Então, eu voltei para o carro e dez minutos depois aconteceu o que aconteceu”, afirmou.

Se, ao se trancar no carro, desconfiou do homem que usava jaqueta preta apesar do calor na cidade, deveria ter alertado os seguranças.

Sobre a presença em Florianópolis no mesmo dia em que Adélio fazia o curso, contou que, naquele dia, não esteve no clube de tiro.

“Esse cidadão chamado Adélio esteve no clube de tiro .38 no mesmo dia em que eu estava em Florianópolis. Por um acaso, naquele dia, eu não fui ao clube de tiro. (…) Aloprei com um amigo meu que temos mais ou menos a mesma personalidade. ‘Não vou praí, vou pro hotel e dane-se. Não fui'”, disse, na mesma entrevista a Leda Nagle.

Se o clube de tiro tivesse atendido à minha solicitação para ver imagens daquele dia, seria eliminada a dúvida sobre o que diz Carlos Bolsonaro: se não esteve mesmo no clube de tiro naquele dia.

Se a Polícia Federal tivesse examinado o deslocamento de Carlos Bolsonaro a partir de seu celular, também se saberia por onde andou em Florianópolis.

Mas, como não investigava a hipótese de auto atentado, o delegado Morais não requisitou as imagens do clube nem examinou o celular de Carlos Bolsonaro.

A Leda Nagle, Carlos Bolsonaro sugere que poderia ser alvo de Adélio, o que não faz sentido. Examinando a rede social dele, é possível verificar que Adélio só começou a atacar Bolsonaro alguns dias depois do curso no .38.

Entrou na própria página de Jair Bolsonaro no Facebook e o ameaçou. Foi a partir daí que também passou a criticar as propostas de Bolsonaro, e reproduziu entrevista antiga, em que Bolsonaro defende guerra civil no Brasil, com a morte de 30 mil pessoas.

São postagens muito diferentes daquelas que vinha fazendo antes de realizar o curso de tiro, em que defende um projeto de lei apresentado por alguns deputados, entre eles Bolsonaro, para a redução da maioridade penal.

Também era favorável ao serviço de militares em projetos de lazer e educação para jovens. Atacou o projeto de lei que criminaliza a homofobia, apoiado por Jean Wyllys, então deputado pelo PSOL, que os bolsonaristas tentariam ligar a ele.

Esse comportamento, sobretudo as contradições, devem ser investigadas, se o que se busca, no caso de Juiz de Fora, é a verdade factual.

*Joaquim de Carvalho/247

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Herança de Bolsonaro: Hospitais lotados, doações e mortes, a situação ianomâmi uma semana após decreto de emergência

A herança maldita deixada por Bolsonaro.

Governo Lula se empenha o máximo para salvar os indígenas, mas o estrago feito por Bolsonaro é cruel. O governo ampliou atendimento à população e enviou Força Nacional do SUS para o território.

Uma semana após o decreto de emergência em saúde devido à crise humanitária na Terra Indígena Yanomâmi, em Roraima, o governo ampliou o atendimento à população que sofre com desnutrição e malária, mas não conseguiu evitar novas mortes.

Na sexta-feira, foram registradas as mortes de seis indígenas Ianomâmis, na comunidade de Surucucu e em Boa Vista, capital de Roraima, para onde haviam sido levados. Entre as vítimas, havia uma mulher e uma criança de 9 anos. As outras quatro vítimas eram homens, sendo um deles um líder da comunidade. A informação é do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, Júnior Hekurari.

Identificada como Rodênia Yanomami, 33 anos, a mulher estava internada na UTI do Hospital Geral de Roraima, com um quadro grave de desnutrição. Já os corpos dos homens e da criança, até as últimas atualizações, ainda não tinham sido resgatados por estarem em local de difícil acesso em Surucucu, região a cerca de 270 km da capital.

No mesmo dia, exatamente uma semana após o governo federal decretar estado de emergência em saúde no território indígena, um hospital de campanha erguido pela Força Aérea Brasileira (FAB) começou a funcionar no pátio da Casa de Apoio ao Indígena (Casai), em Boa Vista.

Segundo os últimos dados atualizados do Ministério da Saúde, a nova unidade já atendeu 30 pacientes. A previsão é que o hospital faça 40 atendimentos por dia, podendo chegar a 300 caso haja necessidade. A estrutura improvisada é uma alternativa para desafogar a Casai, que até sexta-feira atendia 576 indígenas – o local, com capacidade máxima de 300 pessoas, chegou a suportar 777 há dez dias.

O hospital de campanha conta com cerca de 30 militares médicos nas especialidades de pediatria, ginecologia, clínica médica, ortopedia, neonatologia e radiologia, além de enfermeiros, farmacêuticos e técnicos de enfermagem. O local também tem aparelhos de raio-x e para a realização de ultrassonografias, junto a uma farmácia e a um laboratório com capacidade de realizar alguns exames laboratoriais.

Segundo a nova organização, os pacientes atendidos pela equipe da Força Nacional do SUS nas aldeias serão encaminhados ao hospital da FAB. Assim como a Casai, a estrutura consegue estabilizar o paciente, mas não internar. Neste caso, os indígenas em casos graves são enviados para o Hospital Geral de Roraima, e, no caso de crianças, ao Hospital Santo Antonio.

*Com informações de O Globo

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EUA suspeita que Israel esteja por trás de ataque de drone contra fábrica iraniana

Reuters – Israel parece estar por trás de um ataque de drone durante a noite contra uma fábrica militar no Irã, disse uma autoridade dos Estados Unidos neste domingo.

O Irã alegou ter interceptado drones que atingiram um alvo da indústria militar perto da cidade central de Isfahan e disse que não houve vítimas ou danos graves.

A extensão dos danos não pôde ser determinada de forma independente. A mídia estatal iraniana divulgou imagens mostrando um flash no céu e veículos de emergência no local.

Um porta-voz do exército israelense se recusou a comentar. O arqui-inimigo Israel disse há muito tempo que está disposto a atacar alvos iranianos se a diplomacia falhar em conter os programas nuclear ou de mísseis de Teerã, mas tem uma política de não comentar sobre incidentes específicos.

O porta-voz do Pentágono, brigadeiro-general Patrick Ryder, disse que nenhuma força militar dos EUA esteve envolvida em ataques no Irã, mas se recusou a fazer mais comentários.

Uma autoridade dos EUA, falando sob condição de anonimato, disse à Reuters que parece que Israel estava envolvido no ataque. Vários outros funcionários dos EUA se recusaram a comentar, além de dizerem que Washington não desempenhou nenhum papel no episódio.

Teerã não atribuiu formalmente a culpa pelo que o ministro das Relações Exteriores, Hossein Amirabdollahian, chamou de ataque “covarde” com o objetivo de criar “insegurança” no Irã. Mas a TV estatal transmitiu comentários de um legislador, Hossein Mirzaie, dizendo que havia “forte especulação” de que Israel estava por trás do ataque.

O ataque ocorreu em meio à tensão entre o Irã e o Ocidente sobre a atividade nuclear de Teerã e seu fornecimento de armas – incluindo “drones suicidas” de longo alcance – para a guerra da Rússia contra a Ucrânia, bem como meses de manifestações antigovernamentais em casa.

A extensão dos danos não pôde ser confirmada de forma independente. O Ministério da Defesa do Irã disse que a explosão causou apenas danos menores e nenhuma vítima.

“Tais ações não afetarão a determinação de nossos especialistas em progredir em nosso trabalho nuclear pacífico”, disse Amirabdollahian a repórteres em comentários televisionados.

Um ataque israelense ao Irã seria o primeiro sob o comando do primeiro-ministro de extrema direita, Benjamin Netanyahu, desde que ele voltou ao cargo no mês passado.

Na Ucrânia, que acusa o Irã de fornecer centenas de drones à Rússia para atacar alvos civis em cidades ucranianas distantes do front, um assessor sênior do presidente Volodymyr Zelenskiy vinculou o incidente diretamente à guerra no país.

“Noite explosiva no Irã”, escreveu Mykhailo Podolyak no Twitter. “Eu avisei vocês.”

O Irã reconheceu o envio de drones para a Rússia, mas diz que eles foram enviados antes da invasão de Moscou à Ucrânia no ano passado. Moscou nega que suas forças usem drones iranianos na Ucrânia, embora muitos tenham sido abatidos e recuperados lá.

O Irã acusou Israel no passado de planejar ataques usando agentes dentro do território iraniano. Em julho, Teerã disse ter prendido uma equipe de sabotagem formada por militantes curdos que trabalhavam para Israel e que planejavam explodir um centro “sensível” da indústria militar em Isfahan.

Várias instalações nucleares iranianas estão localizadas na província de Isfahan, incluindo Natanz, peça central do programa de enriquecimento de urânio do Irã, que acusa Israel de sabotar em 2021. Houve uma série de explosões e incêndios em torno de instalações militares, nucleares e industriais iranianas nos últimos anos.

As negociações entre o Irã e as potências mundiais para retomar o acordo nuclear de 2015 estão paralisadas desde setembro. Sob o pacto, abandonado por Washington durante o governo de Donald Trump em 2018, Teerã concordou em limitar o trabalho nuclear em troca da flexibilização das sanções econômicas impostas contra o país.

Os governantes clericais do Irã também enfrentam turbulências internas nos últimos meses, com uma repressão a manifestações generalizadas estimuladas pela morte sob custódia de uma mulher detida por supostamente violar o estrito código de vestimenta islâmico.

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Lula: uma mão pesada contra o golpismo; e outra estendida à esperança. Por Boaventura de Sousa Santos

Confiemos no gênio político de Lula, para com uma mão pesada punir os golpistas presentes e futuros, e com outra, solidária, amparar e devolver a esperança ao seu povo.

Dificilmente se encontrará na política internacional um começo tão turbulento de um mandato democrático como o que caracterizou o do presidente Lula.

A democracia esteve por um fio e está salva (por agora), devido a uma combinação contingente de fatores excepcionais: o talento de estadista do presidente, a atuação certa no momento certo de um ministro no lugar certo, Flávio Dino, logo secundado pelo apoio ativo do STF.

As instituições especificamente encarregadas de defender a paz e a ordem pública estiveram ausentes, e algumas delas foram mesmo coniventes com a arruaça depredadora de bens públicos.

Quando uma democracia prevalece nestas condições, dá simultaneamente uma afirmação de força e de fraqueza. Mostra que tem mais ânimo para sobreviver do que para florescer. A verdade é que, a prazo, só sobreviverá se florescer e para isso são necessárias políticas com lógicas diferentes, suscetíveis de criarem conflitos entre si. E tudo tem de ser feito sob pressão. Ou seja, o futuro chegou depressa e com pressa.

O Brasil não volta a ser o que era antes de Jair Bolsonaro, pelo menos durante alguns anos. O Brasil tinha duas feridas históricas mal curadas: o colonialismo português e a ditadura. A ferida do colonialismo estava mal curada, porque nem a questão da terra, nem a do racismo antinegro, anti-indígena e anticigano (as duas heranças malditas) estavam solucionadas. A última só o primeiro governo de Lula começou a enfrentar (ações afirmativas etc.).

A ferida da ditadura estava mal curada devido ao pacto com os militares antidemocráticos na transição democrática de que resultou a não punição dos crimes cometidos pelos militares. Estas duas feridas explodiram com toda a purulência na figura de Jair Bolsonaro.
O pus misturou-se no sangue das relações sociais por via das redes sociais e aí vai ficar por muito tempo por ação de um lúmpen-capitalismo legal e ilegal, racial e sexista, que persiste na base da economia, uma base ressentida em relação ao topo da pirâmide, o capital financeiro, devido à usura deste.

Esta ferida mal curada e agora mais exposta vai envenenar toda política democrática nos próximos anos. A convivência democrática vai ter de viver em paralelo com uma pulsão antidemocrática sob a forma de um golpe de Estado continuado, ora dormente ora ativo. Assim será até 2024, data das eleições norte-americanas, devido ao pacto de sangue entre a extrema direita brasileira e a norte-americana.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro alterou profundamente as prioridades do presidente Lula. Dado o agravamento da crise social, a agenda de Lula estava destinada a privilegiar a área social. De repente, a política de segurança impôs-se com total urgência. Prevejo que ela vá continuar a ocupar a atenção do Presidente durante todo o tempo em que o subterrâneo golpista mostrar ter aliados nas Forças Armadas, nas forças de segurança e no capital antiamazônico.

Este capital está apostado na destruição da Amazônia e na solução final dos povos indígenas. A fotos dos Yanomami que circularam no mundo só têm paralelo com as fotos das vítimas do holocausto nazista dos anos de 1940.

Como poderia eu imaginar que, oito anos depois de dar as boas-vindas na Universidade de Coimbra aos líderes indígenas de Roraima (comitiva em que se integrava a agora ministra Sônia Guajajara) e de receber deles o cocar e o bastão da chuva – uma grande honra para mim – assistiria à conversão do seu território, por cuja demarcação lutamos, num campo de concentração, um Auschwitz tropical?

O Brasil precisa da cooperação internacional para obter a condenação internacional por genocídio do ex-presidente e alguns dos seus ex-ministros, nomeadamente Sergio Moro e Damares Alves.

Quando o futuro chega depressa, faz exigências que frequentemente se atropelam.

O drama midiático causado pela tentativa de golpe exige muita atenção e vigilância por parte dos dirigentes. Contudo, visto das populações marginalizadas a viver nas imensas periferias, o drama golpista é muito menor do que:

  • Não poder dar comida aos filhos
  • Ser assassinado pela polícia ou pelas milícias
  • Ser estuprada pelo patrão ou assassinada pelo companheiro
  • Ver a casa ser levada pela próxima enxurrada
  • Sentir os tumores a crescer no corpo por excessiva exposição a inseticidas e pesticidas, mundialmente proibidos mas usados livremente no Brasil
  • Ver a água do rio onde sempre se buscou o alimento contaminada ao ponto de os peixes serem veneno vivo
  • Saber que o seu jovem filho negro ficará preso por tempo indefinido apesar de nunca ter sido condenado
  • Temer que o seu assentamento seja amanhã vandalizado por criminosos escoltados pela polícia.

Estes são alguns dos dramas das populações que no futuro próximo, responderão às sondagens sobre a taxa de aprovação do presidente Lula e seu governo. Quanto mais baixa for essa taxa, mais champanhe consumirão os golpistas e lideranças fascistas nacionais e estrangeiras.

Confiemos no gênio político do presidente Lula, que sempre viveu intensamente estes dramas da população vulnerabilizada, para governar com uma mão pesada para conter e punir os golpistas presentes e futuros e para com uma mão solidária, amparar e devolver a esperança ao seu povo de sempre.
Reprodução/TVT

Boaventura de Sousa Santos é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Autor, entre outros livros, de O fim do império cognitivo (Autêntica) e do recém-lançado Descolonizar – Abrindo a História do Presente (Boitempo).

*RBA

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Ao procurador de Haia: o Brasil rejeita uma nova anistia

Jamil Chade – Prezado procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan

Quem morre de fome no Brasil morre assassinado. Nesta semana, graças ao trabalho da plataforma de jornalismo Sumaúma, o mundo teve acesso a algumas imagens desse crime, na forma de corpos desnutridos de membros do povo yanomami.

Aquelas almas agonizantes são resultados de um plano para garantir que sua presença não seja um obstáculo para o avanço do crime organizado, disfarçado de “civilização”.

São cenas que sintetizam um projeto de destruição, que chamamos nos últimos quatro anos de “governo”. Corpos que, diante da desassistência, fazem uma antropofagia para garantir energia suficiente para sobreviver. Consomem a si mesmos até que, sem mais massa para recorrer, se apagam.

Eu escrevo esta carta ao senhor para fazer um pedido tão simples quanto poderoso: investigue Jair Bolsonaro e a transformação do estado brasileiro em uma máquina da morte.

Num país que alimenta 1 bilhão de pessoas pelo mundo, a fome de uma parcela de sua própria população é uma arma política. Não uma fatalidade.

Vimos a morte de crianças, a interrupção precoce de sonhos. Fomos confrontados com o assassinato de idosos, o verdadeiro incêndio de uma biblioteca, como diria o provérbio africano.

Sobre sua mesa estão pelo menos cinco queixas contra o ex-presidente brasileiro por crimes contra a humanidade e genocídio. Nas próximas semanas, os detalhes dessa última denúncia desembarcarão em Haia. Não confunda com um eventual livro de história. São imagens dos contornos intoleráveis do século 21 no Brasil.

Diante da guerra na Ucrânia e dos crimes pelo mundo, sei da dificuldade em selecionar qual aberração lidar com prioridade. Gostaria, ainda assim, de apresentar alguns argumentos sobre o motivo pelo qual investigar Bolsonaro é de interesse do planeta, e não apenas de cortes nacionais.

Quando os guardiões da floresta são assassinados pela fome, pelo envenenamento, pelo vírus, por bala ou por omissão, é uma parcela de todos nós que deixa de existir. Na Comissão Arns, a percepção é de que “quando uma comunidade indígena é assassinada, é toda uma matriz humana que se perde”.

Imagine um mundo onde os escandinavos seriam extintos? Uma extinção forçada da população que fala português?

A ciência já demonstrou que as áreas mais preservadas do planeta são justamente aquelas onde os povos indígenas têm uma presença sólida. Portanto, falar no impacto da morte dessas comunidades internacionais como um elemento existencial para o resto do planeta não é fazer poesia.

Antes da guerra no Leste Europeu, as mudanças climáticas geraram um número maior de refugiados em 2021 que todos os conflitos armados reunidos.

Já que o mundo capitalista não conta sofrimento em almas e seus operadores não são coveiros, vamos traduzir em números. Segundo a empresa de resseguros Swiss Re, o prejuízo com desastres naturais em 2021 atingiu a marca de R$ 2,2 trilhões. Foi como se a Argentina desaparecesse do PIB mundial em apenas um ano.

Costumo dizer que até os negacionistas climáticos sabem fazer contas. E, convenhamos, quem ousaria duvidar das constatações financeiras de uma empresa de seguros da Suíça, não é mesmo?

Diante dessa crise humanitária —no sentido mais amplo do termo—, tomo emprestadas algumas das conclusões da sentença proferida pelo Tribunal Permanente dos Povos. Segundo eles, os atos de Jair Bolsonaro foram “ataques sistemáticos, generalizados e intencionais contra os povos indígenas brasileiros, realizados por meio de uma política de Estado que obedecia a um planejamento deliberado, reiterado e executado de maneira uniforme por atos e omissões realizados pelo Presidente da República”.

De acordo com a sentença de seus colegas, tratava-se de um projeto de país que “inclui apenas parte da população brasileira, buscando exterminar qualquer tipo de diversidade e pluralidade existentes”.

Qual a mensagem que essa política manda ao mundo? A de que temos um planeta onde nem todos têm o direito de ter direitos.

Prezado senhor procurador,

Em muitos aspectos, o que está em jogo no Brasil é um modelo de planeta e de sociedade. O que está em disputa é qual conceito de futuro queremos abraçar. Um porto seguro plural ou apenas para aqueles destinados a fazer parte dos privilegiados?

Bolsonaro e seus aliados buscaram construir uma nação sem indígenas, seja por meio do uso da máquina do estado como ator de repressão, seja pela omissão e assimilação. A mensagem que, hoje, precisamos dar é de que tal caminho é insustentável e ameaçador. No Brasil ou em qualquer lugar.

Inconformado diante da morte de 40 integrantes de sua família e do drama do Holocausto, o polonês Raphael Lemkin lutou uma batalha solitária e vitoriosa nos corredores da ONU para convencer delegações de todo o mundo a criar o crime de genocídio, um marco para a humanidade e para as vítimas.

Agora, o senhor tem a oportunidade de dar um novo passo na construção da Justiça internacional.

De dar, finalmente, uma resposta a milhões de indígenas que foram ignorados por séculos durante a marcha da “civilização” e reinventar o futuro.

Basta da ideia de erguer monumentos. Os sobreviventes querem Justiça.

Uma apuração internacional ainda seria uma forma de reparação moral às vítimas de 500 anos de massacres nas profundezas da América Latina, aos aborígenes australianos ou aos 38 membros da etnia Dakota que, em 26 de dezembro de 1862, foram executados em Minnesota por ordem de Lincoln.

O senhor não pode apagar o horror da história, a hipocrisia de um sistema de educação que nos mentiu e nem desfazer a cor avermelhada da terra regada a sangue.

Mas pode, ao lutar contra a impunidade, ajudar a construir um mundo onde todos caibam. Onde as fronteiras do conceito de humanidade sejam estendidas para, finalmente, incluir toda a humanidade.

Por isso, lhe peço: sem Anistia!

Jamil

*Uol

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‘The Economist’ afirma que, com Lula, perspectivas econômicas do Brasil estão melhorando

Publicação inglesa também descreve os principais desafios do novo governo na área econômica.

A revista inglesa ‘The Economist’ publicou um texto, na quinta-feira (26), em que revela confiança no novo governo Lula (PT) a respeito da economia. Segundo a publicação, com a posse do petista agora em janeiro, “as perspectivas econômicas do Brasil estão melhorando”.

A matéria cita uma série de fatores internacionais, que combinados os anúncios feitos pelo novo governo, podem facilitar o fluxo econômico do país nos próximos anos.

No texto, a revista fez uma espécie de comparativo entre os dois momentos em que Lula governou o Brasil e aponta que o cenário econômico do início dos anos 2000 não se repetirá ao longo do terceiro mandato do petista.

Para a ‘The Economist’, o sucesso econômico dos mandatos anteriores foi resultado de uma combinação de fatores, “como demanda crescente pelas exportações de commodities do Brasil, baixas taxas de juros globais e dólar em queda”.

O diagnóstico inicial sobre o terceiro mandato, segundo a revista, era trágico, constituído por elementos globais e domésticos. No plano internacional, as projeções eram de “fraco crescimento global, queda dos preços das commodities e aumento das taxas de juros”; Internamente, Lula começaria o novo governo herdando uma crise política com os ataques à democracia, os impactos da pandemia na economia e os problemas econômicos herdados ainda do governo Dilma Rousseff.

A provável conclusão diante deste quadro, segundo a revista, era de é “um mau momento para Lula retornar à presidência”.

Quase um mês após a posse, a realidade é diferente dos que as previsões desenhavam e a revista conclui que o momento de Lula “não parece tão infeliz”. O que fundamenta esta interpretação é a expectativa com a redução da taxa da inflação no mundo, a resistência da América e da Europa diante de uma provável recessão e o relaxamento da política de “covid zero” na China animam os mercados globais, favorecendo o Brasil.

Além disso, a ‘The Economist’ acredita que o preço das commodities e a retomada das negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia reacendem novos horizontes para o país. Este panorama leva a revista a concluir que as perspectivas econômicas são mais positivas, embora com o cenário desafiador.

Ao analisar a experiência de Lula no comando do Brasil, a revista conclui que “também está ficando mais fácil ver como ele pode polir ainda mais sua reputação de timing excepcionalmente bom”

*Com Brasil de Fato

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Negligência do Exército com invasão no Planalto foi interrompida após diálogo duro entre Dino e general

Num dos momentos mais tensos do 8 de janeiro, quando, enfim, as forças do Exército começaram a desocupar o Palácio do Planalto tomado pela horda de vândalos, deu-se um diálogo entre Flávio Dino e o comandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra de Menezes, que revela o grau de negligência com que a tentativa de golpe estava sendo tratada por alguns militares.

Tentando mostrar algum controle da situação, o general disse ao ministro numa das salas do Ministério da Justiça:

— Já estão evacuando o palácio.

Ao que Dino perguntou:

— Quantos presos?

Dutra de Menezes também respondeu com outra pergunta:

— Presos?

Foi o bastante para Dino, já com os nervos à flor da pele, sair do sério:

— Presos, general. Tem que prender, general. Eles cometeram um crime, general.

Foi só então que Dutra de Menezes ligou para um coronel mandando deter os baderneiros. A propósito, o general deixará em breve o posto que ocupa.

*Lauro Jardim/O Globo

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Gilmar Mendes: “Democracia não precisa da tutela dos militares”

Decano da mais alta Corte do país diz que responsáveis pelo terrorismo de 8 de janeiro devem ser punidos com rigor, mesmo que sejam fardados de alta patente. Para o ministro, STF foi fundamental para evitar a ruptura do Estado de Direito.

Lisboa — O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda se emociona quando fala dos ataques terroristas à Corte, em 8 de janeiro. A casa, que ele frequenta desde os tempos de estudante de direito, foi alvo preferencial dos vândalos, que apostavam na possibilidade de um golpe chefiado pelas Forças Armadas. Na visão do magistrado, todos os responsáveis pela destruição dos prédios dos Três Poderes devem ser punidos com rigor. E isso vale para os militares, independentemente das patentes e das forças que integram.

Leia a entrevista:

Diante do que se viu em 8 de janeiro, em Brasília, o Brasil ainda está na iminência de um golpe?

O que se viu em 8 de janeiro não se tratou, propriamente, de um golpe, mas de uma atitude de tumulto, de um grupo inconformado com o resultado eleitoral e com falhas graves no sistema de segurança. Como vimos, as imagens mostraram uma condescendência, quase que uma leniência, quase que uma participação ou cumplicidade de setores da polícia. Aquelas imagens que mostraram o Batalhão de Choque que não chocava ninguém, que não atuava. Em suma, esse é um elemento de preocupação. No Palácio do Planalto, também se verificou que não houve sequer arrombamento e que entraram com imensa facilidade. Esse é um dado evidente do envolvimento de forças de segurança com essa temática. Como também há erros básicos, e talvez não só erros, mas até uma certa tolerância excessiva no que diz respeito aos próprios acampamentos. Obviamente, não pode haver acampamento em frente ao quartel, como não pode haver acampamento em frente ao hospital por razões diferentes. É impróprio. Imaginemos que o MST decidisse fazer um acampamento em frente o quartel-general em Brasília, ou um grupo de índios reclamando. Não faz sentido, é de todo impróprio. Há cases na jurisprudência mundial dizendo exatamente que não se pode fazer manifestação em frente aos quartéis. Tudo é uma comédia de erros.

O senhor acredita que o país corre algum risco de ruptura institucional?

Não, e há demonstrações claras nesse sentido, um repúdio geral a esse tipo de manifestação. Mesmo apoiadores do candidato perdedor não aderem a esse tipo de prática. Mas é claro que foi um tumulto significativo aquilo que vimos. Não vamos também minimizar. Tanto é que, em outro momento, chamei o 8 de janeiro de Dia da Infâmia. Invadir os prédios-símbolos dos Três Poderes em Brasília não é algo comum.

Como se sentiu ao chegar ao prédio todo destruído do Supremo? O senhor chorou.

O Supremo já era minha casa quando estudante e como profissional, depois, como ministro. Estou lá há 20 anos e ver toda aquela destruição, todos os andares do prédio principal destruídos, vandalizados, foi difícil. E, nota-se, aqui, um sentimento impressionista, pessoal: exatamente aquilo que as redes carregam contra o Supremo acabou sendo efetivado, porque, de alguma forma, parece que a descarga de raiva se deu com maior força sobre o tribunal.

As instituições atacadas estão preparadas para que esses ataques não se repitam?

Acho que temos de rediscutir todo esse sistema de segurança. Vi, com tranquilidade e simpatia, o anúncio feito pelo ministro (da Justiça e Segurança Pública), Flávio Dino, no sentido de uma revisão do sistema de segurança, inclusive com a criação de uma guarda nacional, de rever o sistema de polícia, a própria proteção daquele ambiente geral. Se olharmos ao longo desses anos, ficamos muito dependentes das GLOs (Garantia da Lei e da Ordem). Foram mais de 150 desde 1992. E uma boa parte disso se deu por conta de quê? De greve de polícia ou de violência urbana, que, normalmente, era causada pela falência do sistema policial. Então, temos de olhar isso com muito cuidado e, talvez, ter forças suplementares que dispensem, tanto quanto possível, as GLOs. Nesse momento, temia-se muito que uma GLO pudesse ser um elemento utilizado para maiores distúrbios.

Inclusive, o presidente Lula ressaltou isso…

Acho que temos de fazer uma revisão. E, claro, despolitizar o sistema. Quem quer ser candidato, por exemplo, enquanto membro de uma força policial, tem de sair antes, desincompatibilizar-se, tirar a farda e ir para vida, como acontece hoje com os magistrados. E, certamente, deve-se ter um prazo de inelegibilidade mais alongado. Também é preciso uma ampla reestruturação da Justiça Militar. Creio que é uma oportunidade para se discutir todas essas questões. Há, ainda, uma discussão que se trava há algum tempo no Congresso Nacional em relação à própria presença de militares em cargos civis. Isso precisa ser debatido. Quer exercer uma função comissionada, que vá para a reserva ou deixe a atividade. Talvez, esse seja um aprendizado para rever o sistema de segurança, porque, se formos olhar, na causa disso tudo está a politização das forças de segurança em sentido geral.

Na sua avaliação, como deve ser essa guarda nacional? Há algum modelo em vista?

Certamente, seria uma força federal. Já houve discussão se deveria ser um segmento especializado da própria Polícia Federal (PF) ou se o caminho seria a criação de uma guarda própria. Certamente, isso terá de ser discutido. Não sei se será uma coordenação dos Três Poderes para evitar eventuais excessos. Com certeza, haverá algumas discussões nessa estruturação, mas, obviamente, é um momento oportuno para que discutamos essas questões, que estavam carentes de serem revisitadas e que acabaram por dar ensejo a abusos. Acho que, há algum tempo, vinha se cultivando essa ideia de que era preciso reunir pessoas para causar tumultos, para se ter uma GLO e, daí, sabe Deus o que seria.

Quando olhamos para a história do Brasil, há uma série de golpes ao longo de anos, e sempre com os militares na linha de frente. O senhor vê a possibilidade de liderarem um novo movimento golpista?

Não vejo isso não. A própria reação do novo comandante do Exército (general Tomás Ribeiro Paiva) repudiando claramente esse propósito é um importante indicativo. E não há clima nos segmentos organizados da sociedade civil para esse tipo de consideração. A democracia se consolidou e vemos, inclusive, posição, por exemplo, de governadores que foram eleitos com apoio do ex-presidente Bolsonaro claramente repudiando esse tipo de manifestação, casos dos governadores de São Paulo (Tarcísio Gomes de Freitas) e de Santa Catarina (Jorginho Melo). Não vejo que haja esse propósito, esse desiderato, essa viabilidade. Mas é claro que nós devemos consolidar a democracia. E a democracia não precisa da tutela de forças militares, que devem cumprir sua função constitucional. E que o façam bem, pois vinham fazendo bem, tanto é que havia esse reconhecimento.

O que houve então?

O que me parece é que, de uns tempos para cá, com o debilitamento das forças políticas, não mais partidárias, houve os escândalos de corrupção, o impeachment da presidente Dilma e toda essa evolução. Nós passamos a ter uma discussão e, talvez, algo que fosse velado passou a ser explícito sobre uma leitura do artigo 142, que, para nós, é extravagante, e coloca as Forças Armadas como poder moderador. Essa tese encontrou, inclusive, um lastro na doutrina do professor Ives Gandra. Acho que é de todo equivocado, lamentável, por todos os motivos, mas que encontrou respaldo e, claro, que foi muito bem recebida em alguns setores das Forças Armadas. Parece-me, também, que houve uma leitura, já dando seguimento a esse processo em determinados setores, de que a vitória de Bolsonaro se dá exatamente por conta da derrocada do sistema político normal, uma vitória dos militares. Os militares estavam voltando ao poder, agora, pelas urnas. Acho que houve algum tipo de teórico que deve ter elaborado esse tipo de doutrina. Infelizmente é isso.

Como deve ser a punição de militares golpistas? As imagens de 8 de janeiro mostram vários deles atacando o coração
da República.

Creio que tudo deve estar sendo verificado. Tem de punir os responsáveis e, claro, fazer as devidas distinções entre aqueles que tinham o dever de impedir que tudo aquilo acontecesse. A própria guarda do Palácio do Planalto, o Batalhão Presidencial, a polícia. Isso precisa ser devidamente verificado. As imagens da tevê têm cenas de aparente cumplicidade, que permitiu que as pessoas, por exemplo, invadissem o Supremo Tribunal Federal. Acho que tem de haver as devidas distinções, como, também, no que diz respeito à própria responsabilização dos autores materiais dos atos, aqueles que participaram como uma manada e outros que, de fato, causaram danos. Tudo precisa ser devidamente distinguido. O Senado identificou, agora, 26 pessoas que não foram investigadas nem presas. E a polícia do Senado, que teve um papel importante, mostra que é preciso ter esse segmento especializado. Acho que há um interesse das próprias instituições de que haja a devida responsabilização e punição para que se diga que isso não foi ação da polícia, não foi ação do Exército ou de qualquer força. Foi ação de alguns com conduta desviante. É fundamental que haja essa separação.

O governo trocou o comandante do Exército e o ministro da Defesa, José Múcio, vem dizendo que a página foi virada na crise entre o governo e as Forças Armadas. O senhor acredita nisso?

Tenho a impressão de que ainda haverá algum período de desconfiança em razão desses desdobramentos. E, de fato, todos foram surpreendidos de alguma forma, porque, como a posse presidencial tinha ocorrido normalmente, reinou uma espécie de calmaria e, talvez, tenha havido um certo relaxamento, típico desse tipo de situação. Por isso, a desconfiança. Além disso, há fatos que antecederam, como os acampamentos nas portas dos quartéis, em vários pontos do Brasil. Tudo isso, certamente, contribui para a desconfiança. Mas as Forças Armadas são instituições extremamente importantes, cumprem um papel relevantíssimo. Na Justiça Eleitoral, temos uma relação muito clara com as Forças Armadas, empregadas em vários locais do Brasil e também em trabalho de logística, como a colocação de urnas em locais longínquos. Se olharmos a lista de medidas especiais, de GLOs, vamos encontrar essa prestação de serviços à Justiça Eleitoral. Então, é preciso que haja um retorno dessa relação de confiança e que se encerre esse período de tumultos.

O governo Bolsonaro tem muita culpa nesse processo?

Interpreto os quatro anos do governo Bolsonaro como um certo desvio do nosso processo democrático. De alguma forma, acho que, a duras penas, nós mantivemos a democracia. Já são quase 35 anos de construção, desde 1988, de um quadro de normalidade institucional com todas as dificuldades econômicas e até políticas. Mas acredito que o próprio sistema político tem sua responsabilidade e o sistema judicial, também. Já disse, em algum momento, que a Lava-Jato é pai e mãe do Bolsonaro, pois levou à derrocada do establishment político e provocou esse cataclismo. E todos pagamos por isso.

As instituições reagiriam à altura?

Acho que sim. E reagiram bem. Acredito que (essa reação vem) desde 2019, quando o ministro Dias Toffoli determinou a abertura do inquérito das fake news e designou o ministro Alexandre de Moraes para ser o responsável. A partir dali, criamos um instrumento que, talvez, evitou uma derrapagem muito mais radical. Então, acho que esse é um exemplo. E, depois, vimos como agiu a Justiça Eleitoral, inclusive no que diz respeito às fake news. Com todo o enfrentamento que houve, muitos apontam no ministro Alexandre um certo autoritarismo, ou querem dizer que houve autoritarismo por parte da Justiça Eleitoral. Mas a Justiça Eleitoral foi extremamente eficiente para evitar as maquinações de fake news, e foi efetiva nesse sentido, dando até um exemplo ao mundo. Ao contrário de criticarmos, devemos reconhecer que as instituições funcionaram de forma cabal, como também funcionaram de forma cabal na resposta ao episódio de 8 de janeiro.

Como o senhor viu a intervenção no sistema de segurança de Brasília?

São circunstâncias que foram determinadas por conta do momento que se vivia. Sem entrar em juízo sobre a responsabilidade pessoal ou penal do governador Ibaneis Rocha, custa-me acreditar que, conhecendo como o conheço, ele estivesse envolvido numa conspirata para destruir o Supremo. Não consigo conceber. Mas é claro que ele tem responsabilidade política, inclusive a de ter escolhido o secretário de Segurança que escolheu (Anderson Torres), que, agora, está preso.

Qual será o papel do Supremo daqui por diante? A ministra Rosa Weber, presidente da Corte, retirou alguns projetos polêmicos da pauta para tentar dar uma acalmada nos ânimos.

Essas questões continuam chegando, até porque, como a gente tem dito ao longo do tempo, o tribunal não tem uma banca lá fora pedindo causas. Elas chegam a partir de movimentos da sociedade civil e do movimento político. Normalmente, são parlamentares que fazem esse tipo de provocação. Tenho dito que, não fora a ação do Supremo Tribunal Federal, o Brasil, talvez, tivesse se transformado numa grande Manaus durante a pandemia, com falta de oxigênio e coisas do tipo. Vamos lembrar que estávamos sob o signo da gestão do general Pazuello à frente do Ministério da Saúde, a mais vergonhosa da história da República. Foi o Supremo que determinou que estados e municípios estabelecessem ou pudessem estabelecer medidas preventivas, de isolamento social e coisas do tipo que o governo federal estava sendo omisso. Temos de lembrar que o próprio projeto de imunização foi determinado pelo Supremo, ao definir a questão de compra de vacina. Então, o tribunal, na verdade, atuou positivamente para evitar uma débacle ainda maior.

O Tribunal Superior Eleitoral já tem instrumentos para tornar o ex-presidente Bolsonaro inelegível?

Não conheço o processo todo. Como sabe, estou fora do TSE desde 2016.
Mas por tudo o que se vê, estou fora do TSE desde 2016.

É preciso examinar. Há notícias de que esse deve ser um dos processos na pauta e, certamente, há elementos para a discussão sobre isso. Mas não sei qual será o encaminhamento. Temos de aguardar que a Justiça Eleitoral se mova nesse sentido. Há várias ações de investigação e o corregedor do TSE, ministro Benedito Gonçalves, está se debruçando sobre essa temática como um todo.

Há a possibilidade de prisão do ex-presidente em algum momento?

Tudo depende das investigações. Não sei como isso vai se dar, nem quando e que processos vão ficar no Supremo Tribunal Federal e que processos vão, eventualmente, baixar para a primeira instância, na medida em que ele não tem mais a prerrogativa de foro. Temos de aguardar todos os desdobramentos. Acho que o fundamental é que o devido processo legal se faça sem nenhum atropelo, que as autoridades responsáveis pelas investigações cumpram bem seu papel e distingam as responsabilidades.

Nos últimos anos, o Supremo foi acusado de ativismo político, mas se sabe que o tribunal agiu muito no vácuo do Congresso, que não fez sua parte. O novo Legislativo toma posse nesta semana. O que dá para esperar do novo parlamento?

Temos muitas discussões, como eu disse, em relação, por exemplo, à temática da crise sanitária. Portugal tem uma jurisprudência da crise, que foi a crise financeira, e nós temos a nossa jurisprudência, que foi a crise sanitária. Se olharmos, o Supremo atuou por provocação, e evitou um caos ainda maior. Perdemos 700 mil vidas, um número muito alto, inclusive, para os índices mundiais. Não fora a ação do tribunal, certamente teríamos ultrapassado a marca de 1 milhão de mortos. Quem viu aquela tragédia de Manaus, em que estava faltando oxigênio, pode avaliar bem o que seria o caos se não tivesse havido essa intervenção judicial. É preciso reconhecer a importância desse trabalho. Agora, é ativismo, não é ativismo? Não, o tribunal foi provocado dentro das suas funções para suprir omissões que estavam verificadas, que haviam naquele momento. Esse é um dado importante. Agora, temos essa tragédia que se abateu em relação ao grupo indígena ianomâmi. Vamos ver várias decisões do Supremo. Me lembro de algumas do ministro Luís Roberto Barroso determinando que a União tomasse providências de proteção aos indígenas. Veja: aqui há excesso? Se o sistema estivesse funcionando razoavelmente, não precisaria de decisão do tribunal. No fundo, o Supremo tem atuado para cumprir seu próprio papel. Talvez, aqui, deveríamos ter sido até mais enfáticos, mas houve determinação por parte do tribunal a partir do momento que se apontavam falhas na proteção aos indígenas na pandemia, falta de material para vacina ou de tratamento. Aqui ou acolá, sempre pode ter algum tipo de querela.

Mas em relação ao Legislativo, efetivamente…

Tem havido falhas na própria responsabilização dos parlamentares pelos exageros que alguns dos agentes políticos cometem. As comissões de ética de Câmara e do Senado precisam funcionar. Até porque o não funcionamento acaba por onerar o tribunal. Veja episódios como o de Daniel Silveira. Seria muito razoável que o próprio Congresso resolvesse essas questões. Mas, como há muita acomodação política, acaba por gerar um protecionismo que obriga à intervenção do Supremo e, certamente, ações penais. Talvez muitos dos temas pudessem ser resolvidos na seara do próprio Congresso. Esse é um ponto que, talvez, valesse a pena o novo Legislativo refletir, a composição das comissões de ética, dos presidentes dessas comissões, porque isso é uma das razões da judicialização, inclusive em matéria penal. Vimos, recentemente, um parlamentar eleito, ainda não empossado, dizendo que não houve nenhuma lesão ao patrimônio público na Câmara dos Deputados, no 8 de janeiro. É um negacionismo diante de evidências. Esse tipo de prática não condiz com o decoro parlamentar.

O senhor falou da situação dos ianomâmis, que chocou o mundo. Fala-se em genocídio. Como vê?

É chocante. Aí, de novo, me parece que é um pouco esse colapso das esferas de administração, porque temos sistemas de proteção aos indígenas, ao meio ambiente, sistemas legais. Mas a desativação de vários setores, ICMBio, Ibama, Funai, levou a isso. Li um artigo do professor Lenio Streck que fala em genocídio. Portanto, um crime deliberado no sentido de eliminar os indígenas. Se a gente olhar para a autorização de garimpos em áreas indígenas, ou em áreas contíguas às áreas indígenas, e o não acompanhamento dessa situação, tudo parece que leva a esse tipo de situação, de avaliação.

Há alguma coisa que o Supremo ainda possa fazer em relação aos ianomâmis?

O tribunal, dentro daquelas limitações, tomou muitas decisões no sentido da proteção, mas que acabaram não sendo efetivas, tendo em vista, talvez, um propósito deliberado, em alguns casos, de não atender ou de retardar esses comandos. Se a gente olhar, determinados setores que estavam incumbidos de zelar pela saúde indígena não tinham a devida formação e competência para fazê-lo. Isso sugere, no mínimo, uma falta grave.

O que chegar ao Supremo será avaliado e os responsáveis pelo massacre dos ianomâmis, punidos?

Certamente. A partir das investigações, será fundamental que haja responsabilização, até para que isso não se repita. Há uma pergunta que certamente gravita em nossas cabeças: como chegamos a esse ponto e o que precisamos fazer para que não mais se repita? Nós estamos na segunda fase. Temos de recriar uma nova institucionalidade para evitar que isso se repita.

O presidente Lula tem dito que não pode errar, que esse é o mandato da vida dele. Como o senhor vê o atual governo do petista?

Tenho a impressão de que tem imensos desafios pela frente. Primeiro, creio que é fundamental fazer um mandato de integração. Certamente, são significativos, em termos numéricos, os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, mas muitos não concordam com várias das práticas dele que vêm sendo reveladas. Muitas dessas pessoas podem vir a apoiar o atual governo, como vimos na questão da depredação dos prédios em Brasília. Boa parte das pessoas disse que não concordava com aquilo. Então, me parece fundamental que se busque, apesar de a palavra estar desgastada, um ambiente de consenso básico, para não repetir a fórmula da chamada união nacional, entre pessoas que partilhem dos mesmos valores democráticos. Esse é um grande desafio que se coloca.

O senhor tem falado muito em uma Lei de Responsabilidade Social…

Temos conversado, inclusive nos ambientes aqui de Portugal, sobre a ideia de uma Lei de Responsabilidade Social. Vimos que a pandemia afetou muitas pessoas, e de maneira muito grave as pessoas mais fracas na cadeia econômica. Demoramos muito para atender as demandas, inclusive quanto ao auxílio emergencial. Apareceram, por exemplo, aquelas figuras que foram chamados de “os invisíveis”. Somos uma burocracia bastante eficiente em muitos setores, mas precisamos voltar a atenção para isso, é fundamental e, claro, encontrarmos o caminho do crescimento econômico, com a adequada distribuição de renda. Mas colocaria como questão básica a redução da polarização, da conflituosidade que imperou nesses últimos quatro anos e que, certamente, responde à primeira pergunta sobre como nós chegamos a esse estágio.

Voltando a Lula, há risco de o país assistir a um novo impeachment?

Não acredito, pelo contrário. Acho que o presidente talvez ainda não tenha conseguido montar a base parlamentar em termos definitivos, mas estruturou 37 ministérios com parcerias das mais variadas. Para usar uma expressão tão portuguesa, podemos dizer que ele montou a sua “geringonça”. Considerando esses limites, a base parlamentar inicial, que já ampliou, conseguiu algo que é que é extremamente meritório: a aprovação da PEC da Transição ainda com a composição anterior do Congresso. Acho que há vontade política no sentido de uma integração, e ajustes serão feitos ao longo do tempo, um processo de experimentalismo institucional. Tenho a expectativa de que vamos viver um ambiente de paz política.

Dá para acreditar no Brasil?

Acho que sim. O Brasil tem essa capacidade, e tenho falado com muitos interlocutores, de se reinventar. Esses dias vi um documentário sobre “O país das 12 moedas”, falando da inflação e da história do Brasil em relação à questão monetária. Fixado neste período mais recente, que envolve parte anterior e parte depois da Constituição de 1988, vemos o governo Sarney, com Dilson Funaro, tabelamento de preços, busca do gado no pasto. Tem, ainda o episódio da substituição de Bresser Pereira (no Ministério da Fazenda) pelo Maílson da Nóbrega. O presidente o chamou e disse: “Talvez vamos encerrar o governo com você como ministro da Fazenda, mas eu preciso que vá a este local e fale com esta pessoa”. Era um endereço de Brasília. O local, a Rede Globo, e a pessoa, Roberto Marinho. Maílson teria passado por uma verdadeira sabatina lá e, quando voltou para o Ministério da Fazenda, já tinha sido anunciado pela Globo que ele era o novo ministro. Só para mostrar em que estágio nós estávamos. Depois, vem o governo Collor, com a retenção dos ativos financeiros e Zélia Cardoso que não sabia explicar aquele pacote. Alguém até fez uma pilhéria dizendo que quem sabia explicar era o Ibrahim Eris, então presidente do Banco Central, que não sabia falar português. Era um quadro muito peculiar. Veio, depois, Itamar Franco, que designa Fernando Henrique inicialmente ministro de Relações Exteriores e, a seguir, ministro da Fazenda. E reencontramos nosso caminho, estabilizamos a economia com o Plano Real, que foi o pressuposto de um plano civilizatório. Temos essa capacidade de nos reinventarmos. E acredito que estamos exatamente nesse momento.

*Com Correio Braziliense

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Proibida por lei, politização avança nas Forças Armadas em meio a sinais de impunidade

Nas redes sociais, militares propagam mensagens que atacam Lula, pedem votos para Bolsonaro e questionam lisura do processo eleitoral.

Alimentada nos últimos quatro anos pela presença de milhares de militares, inclusive da ativa, em cargos no governo Bolsonaro, a politização da caserna afetou a relação entre o presidente Lula e o Exército, com direito a troca de comando em meio a suspeitas de leniência na contenção dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. O engajamento de parte das Forças Armadas também pode ser constatado nas redes sociais, onde manifestações político-partidárias, algumas de viés golpista, tornaram-se frequentes, a despeito da proibição explícita em lei, e nem sempre reprimidas.

Levantamento do Globo localizou 18 militares da ativa — 14 do Exército, três da Marinha e um da Aeronáutica — que usaram seus perfis para tecer comentários políticos nos últimos anos. Só um desses casos, porém, virou processo na Justiça Militar: o do major João Paulo da Costa Araújo Alves, do Piauí, que chegou a ser preso, em maio de 2022, após ignorar reiteradamente as reprimendas de superiores. Solto dias depois, aguarda julgamento.

Nas redes do major, além de referências a Olavo de Carvalho, da defesa de remédios sem eficácia contra a Covid-19 e de críticas às vacinas, havia ainda ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), associados a Hitler, e às urnas eletrônicas. Os gestos de descrédito sobre o sistema eleitoral, uma tônica bolsonarista, também aparecem regularmente nos posts de outros militares.

O sargento da Marinha Antonio Ilton de Sousa Castro, por exemplo, compartilhou no Instagram críticas a generais que teriam “forçado os comandados” a “aceitarem o resultado de uma eleição imunda”. Já o major Fabio de Oliveira Huss, do Exército, mantém disponível na mesma rede conteúdos com a mensagem “Brasil foi roubado”, amplamente usada por bolsonaristas contra a legitimidade das eleições.

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Mais rico, garimpo na terra Yanomami amplia uso do transporte aéreo

Instalado na Terra Indígena Yanomami há mais de 30 anos, o garimpo ilegal se modernizou e enriqueceu ao longo do tempo. Investigadores afirmam que a atividade, antes precária e dependente do transporte pelos rios, conta hoje com altos investimentos e ocorre principalmente por via aérea.

Em apenas três missões de fiscalização, de agosto a dezembro de 2021, uma força-tarefa de órgãos federais apreendeu 91 aeronaves, entre aviões e helicópteros, mas apenas 9 voadeiras, barcos de pequeno porte de uso comum na Amazônia.

Para o Ministério Público Federal, que apura os crimes na região, essa mudança logística impôs um novo desafio às autoridades. Segundo o órgão, monitorar o trânsito de embarcações pelos rios não tem mais a eficácia de antes.

Em entrevista coletiva na última terça (24), o MPF afirmou que uma base de fiscalização foi montada em 2019 às margens do Mucajaí, um dos três grandes rios que cortam o território Yanomami. Os resultados, contudo, ficaram abaixo do esperado.

Imaginávamos que a base iria resolver o problema ali, mas o garimpo muda e passa a utilizar a logística aérea, o que resultou em pouca resolução da base”Procurador Alisson Marugal, do MPF-RR

O uso de aeronaves, por si só, não é uma novidade. Em 1989, anos depois da explosão do garimpo no território Yanomami, o MPF já pedia a interdição das pistas de pouso clandestinas no local. A estimativa, à época, era que havia mais de cem estruturas desse tipo espalhadas pelo estado.

Segundo o MPF, o que mudou em tempos recentes foi a sofisticação dessa rede. Um único suspeito, que chegou a ser preso no ano passado, é dono de nove helicópteros e um avião. A investigação mira os proprietários das aeronaves e os fornecedores de combustível, em geral comprado na Venezuela.

Focamos agora nos transportadores e nessa logística, que é caríssima. Sem esses fornecedores da logística, a engrenagem não iria rodar com essa força e complexidade”Procurador Matheus de Andrade Bueno, do MPF-RR

Outra dificuldade das investigações, segundo o MPF é a descentralização do crime. O relatório “Yanomami sob ataque”, lançado em abril do ano passado pela Hutukara Associação Yanomami, aponta que pelo menos 110 comunidades indígenas são impactadas pelos garimpos, que têm vários chefes espalhados pelo território.

“Temos 20 mil pessoas atuando lá, e é impossível investigar e processar todas. Temos lideranças pulverizadas e compartilhadas. Cada comunidade pode ter um garimpo, que pode ser ligado a outro ou não. É algo bem complexo e difícil de ser monitorado”, diz o procurador Matheus Bueno.

Outra dificuldade das investigações, segundo o MPF é a descentralização do crime. O relatório “Yanomami sob ataque”, lançado em abril do ano passado pela Hutukara Associação Yanomami, aponta que pelo menos 110 comunidades indígenas são impactadas pelos garimpos, que têm vários chefes espalhados pelo território.

“Temos 20 mil pessoas atuando lá, e é impossível investigar e processar todas. Temos lideranças pulverizadas e compartilhadas. Cada comunidade pode ter um garimpo, que pode ser ligado a outro ou não. É algo bem complexo e difícil de ser monitorado”, diz o procurador Matheus Bueno.

Para o procurador, o caminho para resolver o problema de forma definitiva é manter operações permanentes no território indígena. A última ação federal para fiscalizar o local, porém, foi em dezembro de 2021. De acordo com o MPF, 2022 foi “o ano do caos na terra Yanomami”.

Como o garimpo utiliza a via aérea, o combate também precisa ser. É muito difícil monitorar à distância, considerando a extensão territorial. Precisamos aproveitar o momento também e melhorar controles regulatórios. Hoje, circular ouro é muito fácil”Procurador Matheus Bueno, do MPF-RR

Embora sejam menos usados para o transporte dos garimpeiros, os rios da região seguem sendo afetados. O relatório “Yanomami sob ataque” aponta que mais de 500 km de cursos d’água foram impactados pelo garimpo, especialmente devido à contaminação por mercúrio. Os principais foram os seguintes:

Rio Mucajaí – 180 km impactados (30 km na cabeceira e 150 km no médio curso)
Rio Uraricoera – 150 km impactados
Rio Catrimani – 65 km

O desmatamento ligado ao garimpo também cresceu nos últimos anos. Com base em dados do instituto Mapbiomas, que monitora a perda de vegetação por meio de imagens de satélite, o relatório Yanomami sob ataque identificou um aumento de 172% na destruição do território Yanomami entre 2018 e 2021:

  • 2018 – 1.200 hectares
  • 2019 – 1.750 hectares
  • 2020 – 2.234 hectares
  • 2021 – 3.272 hectares

*Com Uol

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