Dia: 18 de março de 2023

Deputada bolsonarista Júlia Zanatta posta foto com metralhadora e incita violência contra Lula

A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) publicou nas redes sociais uma foto segurando uma metralhadora e fez uma incitação à violência contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Além da arma de fogo, a parlamentar aparece vestindo uma blusa com a imagem de uma mão com quatro dedos, perfurada por três tiros. “Não podemos baixar a guiarda”, diz a parlamentar na publicação.

Internautas reagiram à apologia ao crime praticada pela deputada e cobraram punição das autoridades. Confira algumas reações.

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Professor brasileiro e família são presos e deportados do México. “Nos ‘sequestraram’, nos deixaram incomunicáveis por quase 10 horas. Fui tratado pior do que bandido”, denuncia

Estes flagrantes foram registrados no aeroporto El Dorado, Bogotá, Colômbia, dia 28 de janeiro deste ano.

No foco, uma família de brasileiros deportada sumária e ilegalmente no dia anterior pelo serviço de imigração do aeroporto internacional Benito Juarez, na capital do México.

A acusação é de que os vistos deles para entrar no país eram falsos.

No momento das fotos, estavam à espera de encaixe em voo para o Brasil.

Durante as cerca de 12 horas que durou a escala, a família ficou sob vigilância permanente de seguranças colombianos.

É visível o desconforto pelas ”acomodações”.

Ajeitam-se como podem nos “aposentos’’ disponíveis.

Na cadeira dura, Diego de Oliveira Souza (36 anos) recorre à mochila para repousar a cabeça como se ela fosse travesseiro.

A esposa Neuzianne (36), os filhos Valentim (1 ano) e Joaquim (3) e a sogra Neuza (67) usam o chão como cama, a exemplo de milhares de brasileiros forçados a dormir nas ruas de todo o País.

Sentada, Neuzianne amamenta Valentim, enquanto, deitado, Joaquim brinca com o tablet.

Noutro flagrante, dona Neuza cochila junto com Joaquim.

BOGOTÁ, AEROPORTO: CONFINAMENTO, VIGILÂNCIA E HUMILHAÇÃO

Diego e a família ficaram nessas condições no aeroporto de Bogotá até o embarque para o Brasil.

Para piorar, tiveram que ficar restritos à área que se vê nas fotos. Confinamento compulsório, mesmo.

Também não podiam circular sozinhos pelo aeroporto como os demais passageiros.

Para fazer qualquer coisa, eram escoltados por seguranças.

“Até para ir ao banheiro ou à lanchonete!”, diz, indignado, Diego, em entrevista exclusiva ao Viomundo.

“Teve um horário que o meu filho [Joaquim] chorou de fome. Naquele momento não tinha ninguém para ir comigo. Ele ficou chorando por mais meia hora”, lamenta. “Só pude sair para comprar algo para ele comer quando um policial chegou para me acompanhar.”

”Afora tudo isso, a vergonha, o vexame”, revolta-se. ”É muito humilhação andar com seguranças a teu lado, com todo mundo olhando”.

“Mas, ao contrário dos truculentos agentes da imigração mexicana, os seguranças colombianos foram cordiais, não nos trataram mal”, pontua Diego.

BOLSA DO CNPQ E ACEITE DA UNIVERSIDADE MEXICANA

Diego de Oliveira Souza é pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Leciona na graduação e na pós-graduação dos cursos de enfermagem e serviço social.

Saúde do trabalhador é sua área de investigação.

Em 2022, após processo seletivo (edital nº 26/2021), foi contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para pós-doutorado no exterior.

Também não podiam circular sozinhos pelo aeroporto como os demais passageiros.

Para fazer qualquer coisa, eram escoltados por seguranças.

“Até para ir ao banheiro ou à lanchonete!”, diz, indignado, Diego, em entrevista exclusiva ao Viomundo.

“Teve um horário que o meu filho [Joaquim] chorou de fome. Naquele momento não tinha ninguém para ir comigo. Ele ficou chorando por mais meia hora”, lamenta. “Só pude sair para comprar algo para ele comer quando um policial chegou para me acompanhar.”

”Afora tudo isso, a vergonha, o vexame”,  revolta-se. ”É muito humilhação andar com seguranças a teu lado, com todo mundo olhando”.

“Mas, ao contrário dos truculentos agentes da imigração mexicana, os seguranças colombianos foram cordiais, não nos trataram mal”, pontua Diego.

BOLSA DO CNPQ E ACEITE DA UNIVERSIDADE MEXICANA

Diego de Oliveira Souza é pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Leciona na graduação e na pós-graduação dos cursos de enfermagem e serviço social.

Saúde do trabalhador é sua área de investigação.

Em 2022, após processo seletivo (edital nº 26/2021), foi contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para pós-doutorado no exterior.

Seu sonho era fazer parte do pós-doutorado na Universidade Autônoma da Cidade do México (UACM).

O mais difícil conseguiu. Foi aceito na UACM.

Ofício de 21 de outubro de 2022, assinado pela própria reitora, a UAMC autoriza a sua estadia lá.

A mensagem (na íntegra, abaixo) destaca (o negrito é nosso):

As atividades pós-doutorais fazem da parte da pesquisa do projeto Riscos e exigências do/no trabalho em Enfermagem frente à Pandemia de Covid-19 em Alagoas. Esta investigação faz parte do edital do CNPq: Apoio à Investigação Científica, Tecnológica e de Inovação: Bolsas no exterior

O professor Diego é o coordenador da pesquisa citada.

Confirmadas a bolsa do CNPq e a autorização da UAMC, o professor Diego passou a se programar para o pós-doutoramento no México.

A preparação incluiu a família, que o acompanhou. Neuzianne, por exemplo, teve de ajeitar a sua vida profissional.

A previsão era ficar lá cerca de 40 dias.

“Imaginávamos uma grande experiência acadêmica para mim e pessoal/cultural para todos nós; por isso, a família foi junto”, explica.

“A universidade abriu as portas me receber, organizando tudo lá”, relembra. “Estávamos muito entusiasmados”.

De fato, entre as várias atividades previstas, o professor Diego apresentaria a sua pesquisa no Seminário Permanente do Centro de Estudos da Cidade, da UAMC, e daria aulas no curso Metrópoles e saúde (veja abaixo).

Nos dias 6 e 16 de fevereiro, falaria sobre A determinação social no processo saúde-doença.

Teria, portanto, que viajar no final de janeiro, início de fevereiro.

CONSULADO DO MÉXICO NO RIO: ENTREVISTAS E VISTOS APROVADOS

O professor mora em Arapiraca, a segunda maior cidade de Alagoas.

Já as entrevistas para obtenção do visto aconteceram no Consulado do México do Rio de Janeiro.

Foram agendadas para a manhã de 23 de janeiro.

Por precaução, ele, a esposa, os filhos e a sogra (acompanhou-os para ajudar a cuidar da rotina das crianças) viajaram para o Rio na noite de 22 de janeiro.

Abaixo, os horários de cada entrevista.

A do professor foi a primeira, às 10h.

O consulado fica à avenida Atlântica, nº 1.130, 5º andar, Copacabana, edifício ABC.

A família chegou às 9h30.

Mas só poderiam subir às 9h45, informaram-lhes na portaria do prédio.

Voltaram para fila na calçada.

No horário autorizado subiram.

Às 9h54min, Neuzianne pagou as taxas dos vistos.

Valor total: R$ 1.410, como mostra o documento abaixo.

Ou seja, o pagamento das taxas aconteceu antes das entrevistas.

A primeira, como já dissemos, foi a do professor, agendada para as 10h.

Seguiram-se:

Joaquim, 10h30

Dona Neuza, 11h

Neuzianne, 11h30

Valentim, 12h

Com os vistos aprovados, deixaram o consulado por volta de 12h30, 13h.

“Não me lembro com exatidão a hora da saída’’, diz Diego. “Almoçamos ali perto, já eram mais de 13h30.”

SONHO DECOLOU NO GALEÃO, DESABOU NO BENITO JUAREZ

Finalmente, marcada a data da tão sonhada viagem: 27 de janeiro.

A família madrugou no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro.

Às 3h20, check-in. Às 6h20, embarque. Às 7h30, decolagem rumo ao México, com escala em Bogotá.

Bilhetes do voo Brasil-Colômbia-México, realizado em 27 de janeiro

Catorze horas depois chegaram ao tão almejado destino.

A diferença de fuso horário é de 3 horas para menos em relação ao Brasil.

Os relógios da cidade do México marcavam 18h05 (no Brasil, 21h05), quando a família (cansada mas entusiasmada) desembarcou no aeroporto Benito Juarez.

Em minutos, porém, o entusiasmo deu lugar a uma profunda consternação.

Sem maiores explicações, Diego, Neuzianne, Neuza, Joaquim e Valentim foram retidos, presos e sumariamente deportados pela polícia mexicana de imigração,

— Em algum momento cogitou tal pesadelo?

Não, a gente se organizou muito para essa viagem. Fiz tudo com antecedência, planejado, para que nada atrapalhasse. Estranhamente, ao passarmos pela polícia mexicana de imigração, tudo veio abaixo.

— Como foi?

Fui o primeiro a passar pela polícia de imigração. Fui retido. O mesmo aconteceu com a minha família. Acusaram-nos de estar usando visto falso para entrar no México.

Nesse momento, me separaram da minha família. Eles [agentes do serviço de imigração] me levaram para um dormitório, a minha família para outro. Alegaram que precisava ter separação de gênero. Não era verdade. Minha esposa contou que no dormitório que ficou tinha homem também.

Fui revistado, todos os meus pertences retirados, inclusive celular e cadarço do tênis. Fizeram o mesmo com a minha família.

Me jogaram então no dormitório junto com contrabandistas, coiotes tentando passar para os Estados Unidos…

— O que disse aos agentes da imigração?

De pronto, já disse: Sou pesquisador, estou viajando a convite da Universidade Autônoma da Cidade do México e a serviço do governo brasileiro.

Apresentei as cartas-convite oficiais, assinadas pelas autoridades da UACM.

Disse-lhes também que poderia estar havendo algum mal-entendido.

Foram inflexíveis. Nem a idade dos meus filhos, 1 e 3 anos de idade, os sensibilizou.

Não me ouviam nem explicavam o que estava acontecendo.

Fui detido mais ou menos às 18h15, horário do México, e não dormi mais.

A última imagem que a minha esposa teve de mim foi eu sendo cercado por três policiais. Ela tentou ir atrás. Eles a impediram, e, com truculência, ficaram me empurrando.

A partir daí, a gente ficou por quase 10 horas sem se falar, sem saber o que estava acontecendo nem o que iria acontecer.

Eu só pensava nos meus filhos pequenos. Será que tinham comida? Como estava a questão das fraldas? Estavam sendo trocadas?

— Teve direito a fazer uma ligação a algum conhecido?

Não!

— Pediu para ligar para o Consulado do México no Rio de Janeiro ou que as próprias autoridades migratórias fizessem o contato com o consulado aqui?

Pedi, sim. Ignoraram.

— Foi possível contatar a UACM? Afinal, foi a instituição mexicana que o levou para lá!

Também não.

— A polícia mexicana de imigração tratou-o como bandido então?

Pior do que bandido. Porque o bandido ainda tem o direito de fazer uma ligação. Direito que nem eu nem a minha família tivemos.

Nós estávamos ali com os direitos humanos violados, inclusive os meus filhos.

Eles nos ”sequestraram”, nos deixaram encarcerados e incomunicáveis. A gente ficou totalmente desorientado.

Só às 4h da manhã do dia seguinte (horário do México), eu pude reencontrar a minha família.

Aí, já nos levaram direto para o avião, para sermos deportados para o Brasil, fazendo escala em Bogotá.

— Alguma foto do que enfrentaram no aeroporto mexicano?

Não, porque eles nos privaram de tudo, inclusive do celular.

Na hora da deportação, as autoridades mexicanas de imigração arrancaram a página do passaporte do professor Diego que continha o visto do Consulado no Rio de Janeiro. Além disso, obrigaram-no a assinar documentos sem a devida leitura.

Fizeram o mesmo nos passaportes dos pequenos Valentim e Joaquim.

Atente aos rasgos da parte inferior da montagem. Aí, estavam as páginas arrancadas do passaporte de Diego, Joaquim e Valentim, contendo os vistos aprovados pelo Consulado do México no RJ

No passaporte de sua esposa e da sogra, escreveram em letras garrafais: CANCELADO.

DESAMPARADOS POR MAIS DE 33 HORAS!

Da detenção, no México, ao desembarque, no aeroporto do Galeão, transcorreram mais de 33 horas.

É só fazer as contas de todo o sufoco:

Detenção no aeroporto Benito Suarez, no México: quase 10 horas

Trecho México-Bogotá: 4 horas e meia

Escala no aeroporto de Bogotá, que mostramos no início desta reportagem: 12 horas

Trecho Bogotá-Galeão, Rio de Janeiro: ao redor de 6 horas e meia

As autoridades migratórias do México, além de submeter Diego, esposa, sogra e filhos (de 1 e 3 anos) à violência física e psíquica, inviabilizaram qualquer tipo de apoio à família.

Inclusive é um dos pontos da carta pública de professores e pesquisadores da UAMC (na íntegra, aqui) às autoridades migratórias e aos responsáveis pela Política Externa do Governo do México:

“O corpo jurídico de nossa Universidade não pôde intervir por meio de um amparo, visto que recebemos comunicação da situação após as 8h da manhã de 28 de janeiro de 2023. Às 10h da mesma manhã, quando recebemos nova comunicação, o Sr. Diego de Oliveira Souza já havia sido deportado’’.

A carta é dura.

Nela, os professores e pesquisadores manifestam indignação pelos maus-tratos sofridos por Diego e família, violando os seus direitos humanos.

Repudiam o fato de as autoridades migratórias terem ignorado as cartas-convite oficiais apresentadas pelo professor Diego, assinadas inclusive pela reitora da UACM.

Também denunciam o desrespeito ao artigo 78 da Lei de Migração do México, que diz:

No caso de ser determinada a rejeição de uma pessoa estrangeira, a autoridade de imigração entregará uma cópia da resolução a essa pessoa e à empresa que motivou a sua chegada ao território nacional“.

As autoridades policiais, relembramos, obrigaram Diego a assinar documentos sem ler.

“É alarmante que o obrigassem a assinar documentos sem a oportunidade de lê-los e sem responder ou explicar o que estava acontecendo”, condenam os signatários da carta pública.

A UAMC foi a primeira instituição a sair em defesa do professor Diego (na íntegra, aqui).

Além da carta pública, fizeram abaixo-assinado online.

Na sequência, várias instituições brasileiras se manifestaram (leia todas aqui)

CÔNSUL EM BRASÍLIA CONVOCADO A DAR EXPLICAÇÕES

O Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, e a Embaixada do Brasil no México acompanham o caso, disseram-nos em resposta aos questionamentos que fizemos acerca do lamentável caso.

A Embaixada do Brasil revelou ainda que enviou comunicados a órgãos mexicanos, “manifestando indignação”. Também que o cônsul do México em Brasília foi convocado para prestar esclarecimentos.

Abaixo, a íntegra da resposta da Embaixada do Brasil no México ao Viomundo:

CONSULADO NO RIO NÃO RESPONDE PERGUNTAS DO VIOMUNDO

Tentamos de várias formas contatar o Consulado do México no Rio.

Os números disponíveis no próprio site não atendiam.

Deixamos mensagens no Facebook e no Twitter do consulado.

Também mandamos vários e-mails.

Inicialmente, para o endereço eletrônico geral.

Depois, três vezes, direto, para cônsul-geral Hector Humberto Valezzi Zafra.

Nenhum retorno.

Na segunda-feira da semana passada, 6 de março, o consulado, em mensagem ao professor Diego, finalmente reconheceu que o visto dele e de seus familiares eram verdadeiros.

Na prática, a declaração acima responde a primeira pergunta que fiz ao cônsul:

— Estaria o Consulado do México na cidade do Rio de Janeiro fornecendo vistos falsos?

Abaixo, reproduzo as demais não respondidas:

— O que de fato aconteceu? Por que Diego e família foram detidos e deportados?

— O que senhor cônsul tem a dizer a respeito do lamentável episódio?

— Professor Diego e família serão ressarcidos pelas perdas financeiras e emocionais?

Agora, acrescento mais duas:

— Por que o Consulado do México no Rio de Janeiro demorou 36 dias para reconhecer a autenticidade dos vistos, tirados no próprio consulado?

— Quem errou, as autoridades mexicanas de migração ou o consulado no Rio de Janeiro?

“NÃO TRATAM EUROPEU OU ESTADUNIDENSE COMO ME TRATARAM”

— E, agora, professor Diego?

Fico pensando nas pessoas que passam por situação semelhante à nossa e não têm dinheiro para comprar a comida. Sem dinheiro e sem apoio, vão passar fome. Na imprevista escala de 12 horas em Bogotá, se eu não tivesse dinheiro, nós íamos passar fome também.

— E os teus filhos como seguraram essa barra?

Ainda bem que a inocência da infância os protege. Como são bem pequenos, não entendiam o que estava acontecendo, ficaram brincando. No aeroporto de Bogotá, dormindo no chão.

Mas para mim é muito revoltante toda a humilhação vivida, a violação dos meus direitos humanos, da minha liberdade, da minha dignidade.

— Como fica o seu pós-doutorado?

Vou adiar o sonho do pós-doutorado para um outro momento, quando eu estiver recomposto.

— Pretende voltar ao México?

Pelo menos a médio prazo, de maneira alguma. Embora eu tenha feito amigos lá, a UAMC tenha aberto generosamente as portas para mim, a política de imigração do México tem um trato muito questionável com os latinos e eu não pretendo me submeter a isso novamente.

— Como ficam os danos acadêmico, emocional e financeiro?

Os danos são inegáveis. A gente estuda, faz mestrado, doutorado, faz uma carreira como pesquisador, acha que está dando um passo a mais. E, de repente, parece que estão tirando tudo de você.

Mas não retiraram, não. Eu tenho a minha família, tenho os meus amigos, tem o pessoal me apoiando.

Em função do apoio recebido de todos eles, vou seguir em frente.

Estou convencido de que autoridades migratórias do México não tratam europeu ou estadunidense da forma como me trataram, sendo latino.

*Reportagem exclusiva do Viomundo

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Governo quer que plataformas digitais sejam responsabilizadas juridicamente por conteúdos publicados por terceiros

(Reuters) – As empresas donas de plataformas digitais precisam ser responsabilizadas pelo teor dos conteúdos que lhes rendem receitas, como publicidade, disse à Reuters nesta sexta-feira o secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant.

Brant defendeu a medida ao comentar a necessidade de mudanças no artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exime as plataformas de responsabilidade jurídica “por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”, a não ser quando houver uma ordem judicial específica para a remoção do conteúdo.

Para o secretário, o artigo 19 foi feito em um outro contexto e buscava a defesa da liberdade de expressão como “valor primordial” do debate público nas redes. Brant disse considerar “um pouco atípica” a falta de responsabilização das empresas “inclusive em conteúdo que são promovidos, monetizados ou apresentados como publicidade nas plataformas.”

“Deveríamos tratar de forma diferente: se a plataforma faz uma análise de uma publicidade, está ganhando dinheiro com ela, ela ter zero responsabilidade sobre aquele conteúdo é muito ruim”, disse.

O Supremo Tribunal Federal (STF) discute desde 2017 a constitucionalidade do artigo 19, a partir de uma ação apresentada pela Meta, dona do Facebook e do Instagram.

A plataforma questionou sua responsabilidade pela retirada de conteúdos sem decisão judicial após um caso envolvendo um perfil falso no Facebook. O STF marcou uma audiência pública para debater o tema, que está sob relatoria do ministro Dias Toffoli, para o dia 28.

Para Brant, o atual sistema “gera um incentivo para que as plataformas não cuidem do espaço público de debate.”

O secretário afirmou que o papel do governo é “propor mudanças na lei e trazer a avaliação do atual regime”.

“Se isso é uma discussão de constitucionalidade, é o STF que vai dizer”, disse.

ÓRGÃO REGULADOR

Segundo Brant, a prioridade de sua secretaria no momento é “pensar ações para impedir que as redes sejam usadas para difusão e promoção de crimes e conteúdo ilegal”, principalmente depois dos ataques ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro.

O secretário avalia que as plataformas devem ter “responsabilidade não pelo conteúdo individualmente, mas sobre o quanto elas estão sendo diligentes e cuidadosas com o ambiente digital.”

Brant disse que não há decisão sobre a criação de um órgão regulador das plataformas, mas entende que quem tiver a tarefa de fiscalizar a atuação das empresas deve “acompanhar se as plataformas estão cumprindo bem suas obrigações, e não ficar lidando com conteúdos individuais publicados pelos usuários. Isso deve ser função da Justiça.”

Brant também afirmou ser contra “soluções que levem a retirada em massa de conteúdo”.

“É preciso preservar a liberdade de expressão dos usuários, a liberdade do debate político, mas ao mesmo tempo é preciso garantir que não haja a disseminação maciça de conteúdos ilegais. O mundo inteiro busca esse equilíbrio”, disse.

O secretário também disse ser necessário “impedir abusos” na restrição a contas, especialmente de agentes públicos eleitos, como a suspensão por tempo indeterminado, mas que essa proteção não pode ser “uma licença para mentir e difundir conteúdos ilegais.”

“Do ponto de vista da moderação do conteúdo, não deveria haver nenhum tipo de privilégio (aos políticos)”, afirmou.

PL DAS FAKE NEWS É “INSUFICIENTE”

Brant também disse que o governo quer sugerir propostas ao projeto de lei 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, por considerar que o texto atual é “insuficiente” para lidar com o ecossistema digital.

“É preciso entender que o projeto não é sobre enfrentamento à desinformação, é sobre transparência e outros temas de responsabilidade”, afirmou.

Para Brant, o projeto precisa ter “respostas mais consistentes para conteúdos ilegais”. O secretário citou o Ato dos Serviços Digitais, aprovado no ano passado pela União Europeia, ao defender uma avaliação de como o funcionamento das plataformas afeta direitos fundamentais e o sistema eleitoral.

“As propostas que levaremos ao relator são muito inspiradas na legislação europeia e passam por mecanismos de transparência, inclusive sobre sistemas de recomendação e transparência algorítmica. Passa por medidas de mitigação de risco e por auditorias externas”, afirmou.

Ainda segundo Brant, as sugestões do governo devem avançar sobre conteúdos que incitam crimes contra o Estado democrático de direito, terrorismo e racismo. Propostas sobre conteúdos que classificou como “nocivos”, como a desinformação, ainda “requerem soluções mais estruturadas e um debate público mais aprofundado”, defendeu o secretário.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse nesta semana que as propostas do governo ao PL das Fake News seriam apresentadas ao relator do projeto na Câmara dos Deputados, Orlando Silva, até esta quinta-feira.

Brant disse que as sugestões devem ser apresentadas “nas próximas semanas”, e o Ministério da Justiça informou, em nota, que “a reunião não aconteceu e não tem data definida ainda”.

*Com 247

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Racismo religioso cresce no país, prejudica negros, corrói democracia

Agência Senado — É provável que as religiões de matriz africana nunca tenham aparecido tanto na imprensa brasileira quanto nas últimas três semanas. As notícias, porém, foram todas negativas.

Uma adolescente de 14 anos sofreu a humilhação de ser barrada na entrada da escola, em Sobradinho (DF), porque usava um colar ritualístico da umbanda. A modelo Letticia Muniz, por sua vez, foi xingada nas redes sociais e perdeu 5 mil seguidores depois de postar um vídeo do seu batismo na mesma religião.

A mãe de uma criança de um colégio de Salvador escreveu diversos ataques às religiões afro-brasileiras num exemplar do livro infantil Amoras, do rapper Emicida, que passou de mão em mão na sala de aula. Nas páginas que tratam dos orixás, ela acusou o autor de disseminar “blasfêmia” e “ideologia” de “religiões anticristãs”.

Na notícia mais rumorosa de todas, três participantes brancos do programa Big Brother Brasil, da TV Globo, ficaram aterrorizados ao ver o colega negro Fred Nicácio fazendo, antes de dormir e em silêncio, as orações do culto de Ifá. Um deles avisou que abandonaria o reality show caso Nicácio insistisse nas rezas.

Esse quatro exemplos recentes de comportamento atendem pelo mesmo nome: racismo religioso. Trata-se do ataque a pessoas negras pelo simples fato de seguirem a umbanda, o culto de Ifá ou qualquer outra religião afro-brasileira, como o candomblé, o batuque, a encantaria, a jurema, o nagô-vodun, o tambor de Mina, o terecó, o xangô e o xambá.

A violência pode se materializar de maneiras ainda mais explícitas e cruéis. Não são raros os casos de pessoas insultadas e atacadas na rua e terreiros fechados pela hostilidade da vizinhança, expulsos de favelas pelo fuzil dos narcotraficantes ou milicianos e até reduzidos a cinzas por incêndios criminosos.

O racismo religioso continuará protagonizando o noticiário nos próximos dias, já que 21 de março acaba de se transformar, por força de lei (Lei 14.519), no Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A ideia é que a data comemorativa motive a cada ano debates, esclarecimentos e propostas de solução.

Os pesquisadores que se debruçam sobre o racismo religioso explicam que ele é um dos tentáculos do racismo estrutural, a complexa engrenagem política, econômica e social que faz dos negros brasileiros uma minoria em termos de poder, embora sejam a maioria numérica (56% da população nacional).

É por força do racismo estrutural que esse grupo tem a renda mais baixa, ocupa os piores postos de trabalho, assume poucos cargos políticos, é a maior vítima da violência, ocupa grande parte das vagas dos presídios, tem menos escolaridade, mora nos bairros mais precários, morre mais cedo etc.

Mas de que forma chamar alguém pejorativamente de “macumbeiro” ou agir sutil ou explicitamente para que sua religião desapareça ajuda a prender os negros como um todo aos degraus mais baixos da sociedade? Para responder, o babalorixá (pai de santo) Sidnei Barreto Nogueira, doutor em linguística e semiótica e finalista do Prêmio Jabuti com o livro Intolerância Religiosa (Editora Jandaíra), recorre à história do Brasil:

“As origens do racismo estão no período colonial. Para justificar a escravização e a transferência forçada dos africanos para o Brasil, os europeus criaram uma hierarquia no mundo. Tudo que caracterizasse os pretos seria inferior, da cor da pele à organização social, do comportamento à produção cultural. Foi uma forma deliberada de desumanizá-los, coisificá-los. Sendo reles coisas, os pretos puderam ser escravizados à vontade, sem que os brancos carregassem o peso da culpa. Como parte desse processo, também as crenças foram hierarquizadas. A religião dos pretos, assim, não passaria de magia, superstição, idolatria, bruxaria.”

De acordo com Nogueira, o sincretismo religioso típico dos escravizados não foi algo natural. Tratou-se, na realidade, de uma estratégia de sobrevivência cultural. Eles decidiram inserir elementos da crença católica nas religiões africanas de modo a não serem reprimidos e, ao mesmo tempo, manterem algo de suas culturas ancestrais. É por isso que a umbanda e o candomblé, embora tenham inúmeras características africanas, não existem na África.

O babalorixá explica que a Lei Áurea, de 1888, acabou com a separação do Brasil entre senhores e escravizados, mas não foi suficiente para eliminar a hierarquização racial:

“O racismo estrutural se adaptou aos novos tempos. Os pretos continuaram sendo tratados como não humanos e sustentando aquilo que hoje se conhece como “privilégio branco”. Livraram-se dos grilhões, mas não da exploração. É por essa razão que muita gente, deliberada ou inconscientemente, enxerga as religiões de matriz africana como inferiores às religiões hegemônicas. É isso que explica hoje o racismo religioso”.

A historiadora Valquíria Velasco, que nos próximos dias defenderá uma tese doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre o racismo religioso e oferecerá um curso on-line na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) sobre como combatê-lo, explica que a grande acusação que recai sobre as religiões de matriz africana é a de que idolatram o demônio e praticam o mal:

“A demonização dessas religiões é algo que vem desde os tempos da colonização. O estigma colou. Na realidade, não há nada mais manipulador e falso. O demônio é uma figura que não existe nas religiões afro-brasileiras. Da mesma forma que inúmeras outras religiões, incluindo a católica, as umbandas e os candomblés acreditam em Deus, são monoteístas, pregam o amor, defendem valores morais e sociais, contam com orações, cânticos, danças e oferendas e têm sacerdotes que vestem roupas especiais e celebram cultos.”

Há, contudo, uma diferença importante. De acordo com a historiadora, as religiões de matriz africana não se julgam superiores, são tolerantes à diferença, não acusam as demais crenças de serem erradas e não têm o arrebanhamento do maior número possível de novos seguidores como missão.

Em sua dissertação de mestrado, também produzida na UFRJ, Velasco estudou a perseguição religiosa nas primeiras décadas da República brasileira. Ela encontrou em jornais e inquéritos policiais da época inúmeros relatos sobre terreiros que foram fechados e sobre sacerdotes e seguidores que foram mandados para trás das grades.

O Código Penal de 1890 enquadrava quem praticava “o espiritismo, a magia e seus sortilégios” e usava de “talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor”, com pena de multa e até seis meses de prisão. Era o que bastava para transformar pais e mães de santo em bandidos.

“No início do século passado, não era barato tirar fotografia. Mesmo assim, sempre que havia uma batida policial num terreiro, os jornais faziam questão de publicar alguma foto daquelas pessoas com roupas e instrumentos ritualísticos — continua a historiadora. — Tanto o poder público quanto a imprensa ajudaram a reforçar o estigma, que sobreviveu ao tempo. Hoje em dia, quando um negro aparece vestido de branco, ele é imediatamente tachado de “macumbeiro”. Quando é um sujeito de pele clara, é visto como médico.”

Reportagem publicada em 1918 na Gazeta de Notícias noticia batida policial em terreiro no Rio de Janeiro Biblioteca Nacional Digital

Quando se paramentam assim e saem em público, os religiosos costumam sentir uma mistura de orgulho e medo. Em 2015, uma menina de 11 anos foi parar no hospital depois de levar uma pedrada na cabeça quando caminhava na rua, no bairro da Vila da Penha, no Rio de Janeiro. O ataque foi motivado por sua vestimenta: um vestido longo branco, um turbante da mesma cor e fios de contas no pescoço e nos braços. A jovem saía de um terreiro de candomblé. Os agressores, de um culto evangélico. Era domingo. Antes de apedrejá-la, eles levantaram suas bíblias, bradaram “Jesus está voltando” e a chamaram de “diabo”.

Valquíria Velasco discorda de quem tenta justificar o racismo religioso alegando, como atenuante, que os brasileiros têm “medo do desconhecido”. A historiadora compara:

“Quando viajam para o exterior, os brasileiros adoram tirar fotos de mesquitas, sinagogas e templos xintoístas ou budistas. Ficam maravilhados. A verdade é que essas religiões também são desconhecidas da maioria dos brasileiros, mas não provocam medo. Isso significa que no Brasil, quando se trata das religiões de matriz africana, o que de fato desperta aversão e ódio é, sem dúvida, a pele preta dos devotos.”

Ela entende que a perseguição religiosa vem sendo mais discutida nos últimos tempos no Brasil por causa da reação dos movimentos negros ao governo Jair Bolsonaro, que negava a existência de discriminação racial no país, e em razão dos debates internacionais em torno do racismo estrutural levantados pelo assassinato do negro americano George Floyd em 2020. Outro fator importante, segundo a historiadora, foi a adoção da Lei de Cotas (Lei 12.711) em 2012, que levou mais negros às universidades públicas e, por tabela, ampliou os estudos científicos sobre o racismo.

De acordo com o Censo de 2010, apenas 0,3% da população brasileira diz seguir alguma religião de matriz africana. Uma pesquisa mais recente, feita pelo Datafolha em 2020, encontrou um índice maior, ainda assim baixo, de 2%. Nos próximos meses, os resultados do Censo de 2022 serão divulgados com os dados mais atuais.

Para os pesquisadores da questão, não importa o número apresentado pelas pesquisas, ele sempre será inferior à realidade. Justamente por temer o racismo religioso e suas violências, muitos negros adeptos das religiões afro-brasileiras preferem não se identificar como tais. Além disso, outros tantos têm vontade de seguir a crença de seus antepassados, mas decidem não fazê-lo em nome da própria segurança.

Um levantamento realizado pela instituição Ilê Omolu Oxum e pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) com 255 pais e mães de santo em todo o país em 2022 mostrou que 60% dos terreiros sofreram pelo menos um ataque nos dois anos anteriores. Além disso, 80% dos líderes entrevistados relataram que pessoas de suas comunidades já sofreram algum tipo de violência motivada por racismo religioso.

Fred Nicácio, vítima de racismo religioso no programa Big Brother Brasil – Instagram/Fred Nicácio

Em 2015, no Paranoá (DF), o terreiro de candomblé conduzido pela ialorixá (mãe de santo) Mãe Baiana foi devastado por um incêndio criminoso. Ela, que hoje tem 70 anos, lembra que até mesmo os representantes do poder público que deveriam ajudá-la agiram de forma racista na ocasião:

“Quando um dos bombeiros soube que era um terreiro, ele logo anunciou que a causa do fogo foi um curto-circuito. Nem investigação fez. Esse oficial era evangélico. Eu sei disso porque ele citou Jesus várias vezes e conversou comigo mantendo distância. Toda vez que me aproximava, ele dava um passo para trás, como se eu fosse um bicho. Também tive problemas com a polícia. Uma delegacia não quis fazer o boletim de ocorrência alegando que o terreiro não ficava na sua área e me mandou para outra delegacia, que também me dispensou usando o mesmo argumento. Precisei agir com firmeza para enfim ser atendida.”

O terreiro de Mãe Baiana foi reconstruído com dinheiro doado pelos seus 40 filhos de santo e por outros terreiros. Mesmo em situações corriqueiras, o poder público evita o local. Ela conta que os agentes de saúde encarregados de vistoriar os imóveis em busca de focos do mosquito aedes aegypti simplesmente ignoram o terreiro porque imaginam que lá vão “dar de cara com o capeta”.

“Eu sou obrigada a morar no terreiro”, ela continua. “Preciso estar aqui o tempo todo. Sei que, se eu sair e deixá-lo sozinho por dez minutos, o terreiro vai estar apedrejado quando eu voltar. É difícil entender por que há tanta perseguição, já que somos uma religião que só prega o amor e a paz. Se fôssemos uma religião de brancos, tenho certeza que não se incomodariam conosco.”

A antropóloga Ana Paula Miranda, que é professora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e há 15 anos estuda o ataque às religiões de matriz africana, compara o racismo religioso a um iceberg, do qual a pequena ponta que emerge da água e pode ser vista a olho nu é o preconceito religioso e a grande massa que fica submersa e é não pode ser enxergada com facilidade é o racismo.

“No ataque às religiões de matriz africana, mesmo que o agressor não explicite o seu racismo, ele está lá. À primeira vista, a motivação é religiosa, mas o que está por trás é a discriminação racial. Quem pratica o racismo religioso, portanto, de alguma forma age para que o outro não exista. Nas discussões internacionais, entende-se esse tipo de ação como crime de ódio, uma classificação que surgiu motivada pelo Holocausto judaico.”

Atualmente, como parte de suas pesquisas, ela está viajando pelo país para visitar terreiros de dez capitais. Nos arredores de Brasília, o que mais lhe chamou a atenção foi a violência policial em 2021, quando vários terreiros foram revirados e até depredados na caçada do serial killer Lázaro Barbosa. Os policiais suspeitavam que ele praticasse “magia negra” e, por preconceito, associaram-no automaticamente às religiões afro-brasileiras.

Em cima, a ialorixá Mãe Baiana hoje em seu terreiro, no Paranoá (DF); embaixo, ela no mesmo terreiro em 2015, destruído por um incêndio criminoso – Pillar Pedreira/Agência Senado e Valter Campanato/Agência Brasil

Miranda lembra que a expressão que antes se usava era “intolerância religiosa” e que só bem recentemente, em meados da década de 2010, os pesquisadores se deram conta de que “racismo religioso” seria o termo mais apropriado.

“Quando digo que eu “tolero” uma religião, é como se eu agisse com benevolência e permitisse a existência de algo que não deveria ou mereceria existir. E “tolerar”, do ponto de vista político, não implica a garantia de direitos. Ao mesmo tempo, “intolerância religiosa” é um eufemismo para um problema grave, uma forma de suavizar ou até esconder o racismo. A história do Brasil foi construída em cima da negação do racismo, incluindo a mentirosa ideia de que somos uma democracia racial. É por essa razão que por muito tempo não se conseguiu enxergar o racismo religioso com clareza.”

De acordo com a antropóloga da UFF, a expressão “intolerância religiosa” pode ser utilizada para descrever ataques às religiões cristãs, por exemplo, cujos seguidores não se caracterizam por pertencer a nenhum grupo étnico-racial específico.

Ana Paula Miranda acrescenta que a criação de um termo para descrever uma prática que existiu por muito tempo sem nome é importante também para o Estado, que enfim consegue mapear o problema e destinar-lhe políticas públicas específicas. Foi o mesmo raciocínio que levou à adoção de termos como “trabalho análogo à escravidão”, “homofobia” e “feminicídio”.

De acordo com os especialistas, o combate ao racismo religioso precisa ser dividido em três frentes. A primeira frente é a da educação, a partir das escolas. Deve-se ensinar às crianças o respeito às diferenças e também a história da África e a cultura afro-brasileira, de modo que essas religiões sejam conhecidas e desmistificadas. Isso já é obrigatório nos colégios desde 2003 (Lei 10.639).

A segunda frente é a da representatividade. Os cultos de matriz africana precisam aparecer no noticiário, nas novelas e nos filmes com mais frequência e sem carga negativa, da mesma forma que aparecem as missas e as cerimônias católicas de casamento, por exemplo.

A terceira frente é a jurídica. Pela legislação brasileira, o racismo é crime e como tal deve ser sempre tratado. No início deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo e cita especificamente o racismo religioso (Lei 14.532). O criminoso pode ser condenado a cinco anos de prisão.

Tanto a lei que transformou o 21 de março no Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas quanto a que tornou mais dura a repressão ao racismo religioso foram aprovadas pelo Congresso Nacional. No Senado, o relator dos dois projetos de lei foi o senador Paulo Paim (PT-RS), defensor histórico da causa negra.

“Aprovar e reconhecer a importância de leis como essas é uma forma de educar e orientar a nossa sociedade para um convívio ecumênico. É disso que precisamos. Não podemos tolerar mais o terrorismo religioso”, diz o senador.

Senador Paulo Paim (à esq.) em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado em 2015 com representantes de religiões de matriz africana – Geraldo Magela/Agência Senado

Paim aponta como importante na luta antirracista a recente criação do Ministério da Igualdade Racial, encabeçado por Anniele Franco. O novo ministério anunciou que criará na semana que vem, Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas, um grupo de trabalho com representantes do governo, das religiões e de entidades da sociedade civil dedicado exclusivamente a elaborar políticas públicas de combate ao racismo religioso.

Os estudiosos advertem que, quando o racismo religioso é tolerado e prevalece, a democracia se enfraquece e corre o risco de ruir.

“Às vezes me acusam de ser militante com o intuito de proteger a minha própria religião. Isso não é verdade”, diz o babalorixá Sidnei Nogueira. “O que eu defendo é a liberdade de religião que está prevista na Constituição. Os brasileiros precisam poder exercer o direito de ter qualquer crença ou até mesmo crença nenhuma. Não podem deixar de professar uma fé por causa do medo. A religião não deveria ser um marcador de exclusão social.”

“Quando não age contra o racismo religioso, o Estado contribui para que certas religiões sejam perseguidas e outras sejam impostas às pessoas. Há quem justifique isso alegando que a democracia é o regime em que a maioria manda. Isso é uma deturpação. Na realidade, a maioria apenas elege um grupo político, que precisa governar também para a minoria e garantir os seus direitos. Isso, sim, é democracia”, acrescenta a antropóloga Ana Paula Miranda.

“A sociedade que é racista e não abre espaço para a diversidade é necessariamente violenta. Os indivíduos que assistem passivos à perseguição de minorias podem imaginar que aquilo não os afeta. Esse ambiente, no entanto, torna-se propício à perseguição de vários outros grupos no futuro, e inclusive aqueles que se acham blindados podem de uma hora para a hora se tornar o novo alvo. Numa sociedade excludente, todos são potencialmente vulneráveis — conclui a historiadora Valquíria Velasco.

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