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Guerra enfraquece Abbas, e moradores da Cisjordânia já apoiam abertamente Hamas

Violência aumenta no maior território palestino, e muitos veem o confronto como única via contra Israel.

As crianças correm com fuzis de assalto de brinquedo sobre o barro e os pedaços de asfalto em uma rua destruída horas antes por retroescavadeiras israelenses. Escondem-se por trás dos escombros do que até um dia antes era um monumento —também destruído— em homenagem à repórter da rede Al Jazeera Shireen Abu Akleh, morta 2022 pelas forças de Israel neste mesmo campo de refugiados de Jenin, no norte da Cisjordânia, o maior território palestino. Buracos de bala e rastros de sangue ainda estão frescos após a operação da última sexta-feira (27). Dois combatentes do Jihad Islâmico foram mortos aqui quando tentavam impedir a entrada de soldados israelenses, diz a Folha.

Mais cedo, adolescentes armados com fuzis —estes verdadeiros— abriam o cortejo fúnebre que correu o centro da cidade de Jenin e as ruas estreitas do campo de refugiados com os corpos dos dois homens. Os adultos disparavam para o ar rajadas de tiros. As crianças, com suas armas de plástico, os imitavam. Centenas de pessoas os acompanhavam.

Em meio aos tiros, aos cânticos religiosos e ao choro, todos parecem comungar da ideia de que já não há mais espaço para diálogo e negociações com Israel. “[Mahmoud] Abbas [presidente da Autoridade Palestina] é um inútil, passou anos tentando negociar, buscar apoio internacional, e nós estamos morrendo todos os dias, perdendo nossas terras”, diz Abu Ahmad (nome fictício), o pai de um dos meninos com armas de brinquedo.

Desde o ataque da facção terrorista Hamas a Israel —que deixou cerca de 1.400 pessoas mortas e levou a uma violenta resposta de Tel Aviv em Gaza, com mais de 7.400 mortos—, críticas abertas a Abbas têm se espraiado de forma inédita na Cisjordânia. Em Ramallah, centro político e administrativo da Autoridade Palestina, protestos contra Abbas —mas de apoio ao Fatah, partido ao qual ele é ligado— explodiram na semana passada. No início, foram contidos pelas forças de segurança locais. Mas agora ocorrem de forma corriqueira, com bandeiras do Hamas e do Jihad Islâmico tremulando pelas ruas da cidade e enfeitando as cabeças de palestinos que pedem uma atuação mais agressiva contra Israel.

“Nós alertamos a comunidade internacional que, com o aumento da pressão sobre os palestinos, facções armadas a favor de uma relação conflituosa iriam ganhar apoio na Cisjordânia”, diz à Folha o vice- secretário-geral do Fatah, Sabri Saidam. O partido, criado pelo histórico líder palestino Yasser Arafat (1929-2004), é dominante entre uma série de facções políticas que compõem a Organização para a Libertação Palestina e aquele que oficialmente controla a Cisjordânia.

Em 2006, o Fatah perdeu as eleições legislativas para o Hamas, que assumiu o controle da Faixa de Gaza. Os dois grupos são rivais políticos importantes e, até pouco tempo, a atuação do Hamas na Cisjordânia era combatida pelas forças de segurança da Autoridade Palestina.

Saidam diz entender as críticas e as manifestações pró-Hamas cada vez mais explícitas, mas afirma que as turbulências são passageiras. “As emoções estão acirradas, e é óbvio que quem está no governo é mais cobrado, isso é comum. Não estamos preocupados com a popularidade do Hamas ou de nenhum outro grupo, estamos preocupados agora em encontrar uma solução para cessar o conflito.”

Nas ruas da Cisjordânia, no entanto, raras vezes a Autoridade Palestina foi tão questionada publicamente como agora. “Mas isso vai passar, é o calor do momento, os palestinos sabem que a única maneira de encontrarmos a paz é por meio de negociações”, declara Saidam, que afirma ter perdido ao menos 30 integrantes de sua família nos bombardeiros a Gaza.

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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