Ex-prisioneiros pedem urgência na discussão de questões humanitárias por entidades internacionais ao revelarem detenções injustificadas, revistas vexatórias e assassinatos.
Humilhação, espancamentos, tentativas de homicídio, fome, negligência médica e detenções injustificadas: estas são algumas das medidas tomadas pelas autoridades de Israel em suas prisões administrativas, conforme denunciaram nesta segunda-feira (10/03) ex-prisioneiros palestinos recentemente libertados das celas do regime sionista. Os depoimentos foram dados no âmbito de uma coletiva organizada pelo Instituto Palestino para Diplomacia Pública (PIPD, na sigla em inglês).
Shadi Albarghouti, que hoje tem 48 anos, conheceu seu pai dentro de uma prisão israelense aos 27 anos, quando também foi detido, em 2003. Ele foi libertado em 8 de fevereiro, durante a primeira fase do acordo de cessar-fogo e troca de reféns na Faixa de Gaza, que entrou em vigor em 19 de janeiro.
“Meu pai foi detido em 1978. Fui proibido de visitá-lo durante 10 anos. Só conheci ele dentro das prisões israelenses, nunca antes. Ou seja, meu pai conheceu seus filhos, Shadi e Hadi, na prisão. Na hora [que nos vimos], ele não conseguia nos distinguir”, contou, ao defender que a questão humanitária nas celas precisa urgentemente ser discutida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, assim como pela Cruz Vermelha e a mídia.
O palestino também escancarou um crime cometido nas detenções, ao citar o ex-ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, aliado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu ao longo do massacre em Gaza. Segundo ele, existe uma “gangue” que atua juntamente com a polícia, com aval do governo, para assassinar os prisioneiros.
“Depois do 7 de outubro, os israelenses decidiram que podem matar os prisioneiros palestinos direta ou indiretamente. E já houve tentativas de nos matar. […] Não é uma decisão da administração prisional. Há uma gangue que comanda as prisões israelenses. É Ben Gvir [ex-ministro da Segurança Nacional de Israel] e a polícia”, revelou.
Política da humilhação
“Cemitérios dos vivos”, foi como descreveu Diala Ayesh, que foi libertada cinco dias antes da implementação da primeira fase do cessar-fogo em Gaza.
Questionada por Opera Mundi se as detentas sabiam que um acordo de libertação de reféns estava prestes a se concretizar, a ex-prisioneira afirmou apenas ter tido conhecimento sobre o assunto quando deixou a cela, por meio de sua família. “Havia muita conversa a respeito, mas não sabíamos que estava muito perto de acontecer”, disse, o que aponta a falta de fornecimento de informações por parte das autoridades israelenses para com os presos.
Além de denunciar a privação de comida e inacessibilidade a medicamentos, Diala enfatizou a política de “humilhação”. Relatou que os israelenses revistavam as detentas e as obrigavam a ficarem nuas, “não por razões de segurança, mas para assediar, intimidar e insultar.
“Eles estavam se divertindo quando nos forçavam a tirar nossas roupas. Nos insultavam, e insultavam nossas famílias. Essa revista nua é muito sensível para nós, como mulheres árabes palestinas, que estamos comprometidas em nos mantermos vestidas. Eles sabem disso. Me sinto até envergonhada de falar sobre isso”, disse.
Diala também relatou sobre as “provocações emocionais”, nas quais as autoridades israelenses propositalmente falavam com seus familiares para despertar sentimentos nostálgicos das prisioneiras palestinas.
“Batiam à nossa porta, e falavam com seus filhos. Sabiam que somos impedidas de ir até nossos filhos, nossas famílias, nossos entes queridos. Na hora, nem sei se a minha família está viva ou não. Então, quando falavam com seus respectivos filhos ou com suas famílias, nesses momentos eu sentia aquela nostalgia. Isso era mais uma provocação para nós”, contou.
Prisões administrativas
Desde 7 de outubro de 2023 até a atualidade, mais de 62 prisioneiros palestinos foram martirizados, mas suas identidades nunca foram reveladas, de acordo com a Addameer Prisoner Support, uma ONG palestina sediada em Ramallah. Tala Naser, advogada da entidade, relatou que as autoridades israelenses abriram uma investigação em cinco dessas dezenas de casos, e que nas apurações observaram que os corpos apresentavam vestígios de hematomas, fraturas e hemorragia interna, o que prova que as vítimas foram submetidas a espancamentos. Entretanto, até agora, nenhum relatório médico foi emitido.
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Embora as evidências de tortura, “99% das queixas que enviamos foram arquivadas”, disse Naser, acrescentando que “isso significa que a ocupação não tem nenhuma intenção ou vontade de responsabilizar os criminosos pela morte dos prisioneiros”.
A advogada palestina informa a necessidade de rever as medidas tomadas por Israel no período pré-julgamento, uma vez que os prisioneiros são barrados de se encontrar com suas equipes de defesa, portanto, não havendo aconselhamento jurídico àqueles em liberdade condicional.
Ainda segundo Naser, a crítica ao sistema prisional israelense também envolve o funcionamento do próprio tribunal, que viola os princípios de um julgamento justo porque não informa os prisioneiros sobre o suposto motivo de sua detenção.
“Eles são detidos sem saber o motivo de sua detenção. Não tem um julgamento público porque os tribunais israelenses são confidenciais, secretos, e não há supervisão ou monitoramento por lá, e também não há defesa eficiente porque os advogados são impedidos de conhecer os prisioneiros”, contou, enquadrando a situação como um “crime de guerra” conforme prevê o estatuto de Roma.
“Precisamos entender como eles obtiveram a confissão [dos palestinos] à força, como eles [palestinos] foram ao julgamento e quais são as medidas que estamos tomando no pré-julgamento”, pontuou.
Por sua vez, a jornalista palestina Lama Ghosheh, libertada das prisões israelenses, relatou ter notado que a detenção administrativa se tornou mais evidente depois do 7 de outubro de 2023.
“Houve um grande número de pessoas presas apenas por motivos de incitação. Essas foram as mesmas acusações contra os palestinos em Jerusalém e nos territórios de 1948, que tinham como objetivo intimidá-los”, indicou.
Lama relatou ter sido encarcerada nas prisões israelenses de Hasharon e de Damon, e logo transferida para prisão domiciliar. Entretanto, não teve a permissão para se comunicar com outras pessoas, mantendo-se longe da esfera pública. Durante um período de 300 dias, a jornalista foi submetida a trabalho forçado em um assentamento israelense, sem receber nenhum pagamento financeiro e sob “circunstâncias intimidadoras” de monitoramento.
“Quando falamos sobre jornalismo sob o estado de intimidação em curso desde 7 de outubro, ou até mesmo desde 2021, é importante ter conscientização para cobrir tudo o que acontece em Jerusalém e tudo o que acontece nos territórios de 1948. Não ser enganado nem subjugado por essa intimidação, e aumentar a conscientização das pessoas”, concluiu.