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Militares israelenses exigem fim da guerra e expõem crise no governo

Cartas de militares da reserva, ex-chefes do Mossad e do Shin Bet denunciam uso político da guerra e cobram libertação dos reféns

Israel enfrenta um movimento crescente de oposição interna à continuidade da guerra em Gaza. Reservistas e veteranos de elite, incluindo ex-chefes de inteligência e unidades especiais, denunciam o uso político do conflito e exigem uma saída negociada com o Hamas. A reação do governo Netanyahu aprofunda o racha interno e expõe a crise de legitimidade da ofensiva militar.

Uma carta aberta publicada no dia 11 de abril e assinada por 970 reservistas da ativa e veteranos da Força Aérea Israelense teve forte repercussão nacional ao denunciar o prolongamento da guerra como uma decisão guiada por interesses pessoais e não por objetivos de segurança.

“Continuar a guerra não serve a nenhum dos seus objetivos declarados”, afirmaram os signatários na carta. “A santidade da vida é mais sagrada que o deus da vingança”, escreveram.

A iniciativa desencadeou uma mobilização em diversas frentes do aparato militar e de segurança. Cartas semelhantes foram divulgadas por 150 oficiais da Marinha, 1.525 membros do Corpo Blindado, 250 integrantes da unidade de inteligência cibernética 8200, mais de 1.500 veteranos das Forças Especiais e da Infantaria, e cerca de 500 representantes do setor de alta tecnologia israelense, segundo o Vermelho.

Também subscreveram o protesto cerca de 250 veteranos do Mossad, incluindo três ex-diretores, e 100 ex-alunos do Colégio Nacional de Segurança.

Todas as declarações convergem no apelo pelo fim da guerra, pela devolução dos reféns e pela abertura de negociações que coloquem a vida dos civis acima dos cálculos políticos de Netanyahu e da sua coalizão.

Reação do governo: repressão e ataque político

A resposta do governo foi imediata. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu classificou os signatários como um “grupo anarquista, barulhento e desconectado de aposentados” e afirmou que a mobilização é financiada por organizações estrangeiras com o objetivo de derrubar o governo de direita.

O ministro da Defesa, Israel Katz, e o comandante da Força Aérea, Tomer Bar, ordenaram a demissão dos reservistas da ativa que assinaram a carta. Ao menos 25 recuaram e retiraram suas assinaturas após reuniões com o alto comando militar. Segundo os comandantes, as cartas abalam a coesão das unidades e comprometem a eficiência da operação militar.

A repressão não conteve o movimento, no entanto. Cartas de apoio seguiram circulando e ampliando o clamor pelo fim dos combates. O Shin Bet, serviço de segurança interna, divulgou uma nota assinada por centenas de veteranos, com apoio explícito às cartas militares e exigência de uma comissão de inquérito sobre os eventos de 7 de outubro.

“Trazer todos os reféns de volta é um mandamento ético supremo, mesmo ao custo de interromper temporariamente os combates”, afirmaram.

O racha social e político em Israel

A crise de legitimidade também se reflete nas ruas. Manifestações em Tel Aviv e Jerusalém reúnem familiares de reféns, reservistas e militantes pela paz, que exigem um cessar-fogo imediato. As manifestações incorporaram a agenda das cartas: devolução dos reféns, investigação dos erros de 7 de outubro e fim da guerra.

A isenção concedida às comunidades ultraortodoxas — que não cumprem serviço militar — também é alvo de crescente revolta entre soldados da reserva e familiares. As cartas acusam o governo de permitir uma guerra desigual, onde apenas parte da população é chamada a se sacrificar.

Guerra contestada por dentro

A dissidência militar, a pressão da sociedade civil e as divisões dentro dos aparatos de segurança indicam que a guerra em Gaza não tem mais o consenso institucional que sustentou as primeiras fases da ofensiva.

A insistência do governo Netanyahu em manter a linha dura, sem apresentar alternativas realistas para a devolução dos reféns, amplia o isolamento interno e internacional de Israel. A continuidade da guerra, longe de garantir segurança, expõe um país em ruptura com suas próprias forças armadas.

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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