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Ataques dos EUA na Síria e Iraque deixam mortos e feridos: ‘agressão contra a soberania’

Um porta-voz das Forças Armadas Iraquianas classificou os ataques como ‘uma ameaça que arrastará consequências imprevistas’ no Oriente Médio.

Ataques do Exército dos Estados Unidos a postos usados pela Guarda Revolucionária do Irã na Síria e no Iraque, como prometido pelo presidente Joe Biden, deixaram ao menos 16 mortos e 25 feridos, informou neste sábado (03/02) o governo iraquiano.

Os ataques contra 85 alvos duraram 30 minutos e foram utilizadas mais de 125 munições de precisão.

Alguns deles foram executados por bombardeiros B-1B, que partiram da Base Aérea de Dyess, no Texas, na sexta-feira (02/02), em um voo de mais de 6 mil milhas.

Os alvos atingidos incluíram centros de operações de comando e controle, centros de inteligência, foguetes e mísseis, armazéns de armazenamento de veículos ventilados não tripulados e instalações de logística e cadeia de abastecimento de munições usadas por grupos de milícias apoiados pelo Irã.

“A administração dos EUA cometeu uma nova agressão contra a soberania do Iraque, uma vez que as localizações das nossas forças de segurança, nas regiões de Akashat e Al-Qaim, bem como em locais civis vizinhos, foram bombardeadas por vários aviões dos EUA”, disse o governo iraquiano, citado pela ABC News.

“Esta agressão flagrante levou à morte de 16 mártires, incluindo civis, além de 25 feridos. Também causou perdas e danos a edifícios residenciais e propriedades de cidadãos”, acrescentou.

O governo iraquiano também disse que os ataques “colocam a segurança no Iraque e na região no limite” e contradizem diretamente o esforço dos EUA para “estabelecer a estabilidade necessária” na região.

A resposta é a primeira do que se espera ser uma série de ataques em retaliação pela morte de três soldados norte-americanos na semana passada na Jordânia, segundo um oficial de defesa dos EUA.

Biden deu ordem para atacar grupos afiliados e apoiados pelo Irã no Iraque e na Síria, alertando que, “se os Estados Unidos forem atingidos, reagirão”.

“A nossa resposta começou hoje. Os Estados Unidos não procuram conflitos no Oriente Médio ou em qualquer outro lugar do mundo”, afirmou Biden na sua primeira declaração sobre os ataques. A ação militar constitui uma escalada significativa em todo o Oriente Médio.

Ameaça à estabilidade da região

Um porta-voz das Forças Armadas Iraquianas classificou os ataques como “uma ameaça que arrastará o Iraque e a região a consequências imprevistas”. O Ministério das Relações Exteriores do Irã, por sua vez, afirmou que este foi “outro erro estratégico” dos Estados Unidos.

Já o grupo fundamentalista islâmico Hamas acusou o governo norte-americano de ameaçar a “estabilidade da região” e descreveu os ataques como “servindo à agenda expansionista da ocupação [de Israel]”.

Alertando sobre as consequências, o Hamas apelou aos Estados Unidos para “reverem as suas políticas agressivas e respeitarem a soberania dos Estados e os interesses dos povos árabes”.

Os ataques dos EUA, esperados durante dias em resposta ao assassinato de três soldados norte-americanos na Jordânia, continuarão durante dias como parte de uma resposta em larga escala e a vários níveis, revelaram fontes da Casa Branca.

*Opera Mundi

 

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2023: o ano mais sangrento já vivido pelos palestinos da Cisjordânia

Na Cisjordânia, governada pela Autoridade Nacional Palestina, os ataques de colonos e soldados israelenses prosseguem, com o número de crianças mortas duplicando desde 2022.

A segunda Nakba prossegue em ritmo acelerado na Cisjordânia, com níveis de violência sem precedentes perpetrada tanto pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) como pelos colonos israelenses. O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) alertou para o fato de Israel estar impondo um estado de “terror constante” na Cisjordânia em razão da força do Estado israelense e à violência dos colonos.

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) disse que 2023 foi o ano mais mortal para os palestinos na Cisjordânia desde que começou a registrar vítimas em 2005. Cerca de 300 palestinos foram mortos na Cisjordânia entre 7 de outubro e 10 de janeiro. O pior ano da história em termos de mortes de crianças.

O Peace Now, um grupo de defensores israelenses, relatou um “aumento sem precedentes da atividade de colonização na Cisjordânia”, que os colonos realizam geralmente com o apoio das Forças de Defesa de Israel (IDF). Um grande número de assentamentos viola terrenos privados palestinos. Até hoje, foram criados nove novos assentamentos e 18 estradas ilegais foram pavimentadas, além de haver um “novo fenômeno de colonos que fecham as vias de tráfego palestinas contra ordens militares”.

300 ataques de colonos desde 7 de outubro

Desde 7 de outubro, foram registrados mais de 300 ataques de colonos israelenses, nos quais estes “ameaçam palestinos com armas de fogo, vandalizam as suas propriedades, obstruem [o acesso à água potável], arruínam as suas [oliveiras]… roubam os seus pertences”, além de atacá-los fisicamente. A violência dos colonos obrigou mais de 1,2 mil palestinos a abandonar as suas casas.

Embora Israel não tenha aprovado oficialmente estes assentamentos, de acordo com o relatório do ACNUDH divulgado recentemente, os colonos estão expandindo os assentamentos com o apoio político dos principais ministros do governo mais direitista de Israel até hoje. Em 24 de dezembro, o gabinete de Israel aprovou 75 milhões de shekels israelenses (20 milhões de dólares americanos) para fortificar 70 assentamentos na Cisjordânia, apesar de eles serem reconhecidos como ilegais.

Esta medida viola de forma flagrante a Resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU de 2016, que considerou os assentamentos de Israel, já naquela época, como uma “violação flagrante do direito internacional” e exigiu que a expansão fosse interrompida de acordo com as Convenções de Genebra. É evidente que o governo israelense e muitos dos seus cidadãos não se importam nem respeitam quaisquer tratados ou acordos, uma vez que continuam com a limpeza étnica do povo palestino de suas terras.

Drones assassinam jovens

Além disso, as IDF têm realizado constantes incursões, perseguições e ataques a várias cidades, vilas e campos de refugiados da Cisjordânia para atingir preventivamente aquilo que chamam de “células terroristas”. Durante o seu ataque ao campo de refugiados de Balata, as IDF dispararam recentemente diretamente contra ambulâncias, para impedir que chegassem aos civis feridos. No sul da Cisjordânia, as IDF dispararam gás lacrimogêneo contra jovens que resistiam aos ataques ilegais.

As IDF têm como alvo habitual os jovens, e recentemente mataram Yousef Nader Suleiman Idrees, de 16 anos, que estava sentado perto da área onde os confrontos estavam ocorrendo. Os israelenses também realizam ataques com drones contra palestinos inocentes. No dia 7 de janeiro, ataques com drones mataram sete palestinos, quatro deles irmãos, que estavam a caminho do trabalho em Jenin.

Israel também tem como alvo os palestinos nos postos de controle, onde são impostas restrições de movimento sufocantes e discriminatórias. O mesmo se aplica ao direito de culto dos palestinos da Cisjordânia, a quem se nega cada vez mais acesso à mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Oriental, especialmente para as orações de sexta-feira, onde normalmente 50 mil pessoas comparecem. Recentemente, a polícia israelense atacou os fiéis perto de Al-Aqsa com água de esgoto.

IDF / WikiCommons
Ataque das Forças de Defesa de Israel ao acampamento de Jenin, em janeiro de 2023
O número de crianças vitimadas duplicou e 880 pessoas foram presas

Enquanto enfrentam humilhantes derrotas militares e operacionais em Gaza, as Forças de Defesa de Israel conduzem operações contra os mais vulneráveis na Cisjordânia. A UNICEF informa que o número de crianças mortas duplicou desde 2022, com 83 crianças mortas e 576 feridos e detidos. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, afirmou que “as violações documentadas no [relatório do ACNUDH] repetem o padrão e a natureza das violações relatadas no passado no contexto da prolongada ocupação israelense… a intensidade da violência e da repressão é algo que não se via há anos”.

Os terríveis ataques das IDF são complementados pelas suas detenções arbitrárias em massa de palestinos sob acusações forjadas. Muitos são depois detidos em regime de detenção administrativa sem sequer uma acusação. As IDF prendem preventivamente cerca de 60 palestinos por dia, e há atualmente mais de 5.730 detidos. Desde o início de 2024, quase 230 palestinos foram presos na Cisjordânia.

O ACNUDH descreve as detenções: “abusos físicos e psicológicos e humilhações por parte das [IDF], incluindo violência sexual e de gênero contra homens e mulheres”, de modo que o próprio processo de detenção equivale à tortura.

No dia 20 de novembro, as IDF prenderam cerca de 880 crianças palestinas, uma prática brutal tornada possível pela persistente desumanização do povo palestino por parte dos israelenses como “animais”. As condições são tão terríveis que Luay Al-Taweel, de Hebron, recentemente libertado, descreveu a prisão sionista em Negev como uma “cópia exata das prisões de Abu Ghraib e Guantânamo, ambas ‘símbolos notórios’ das violações dos direitos humanos cometidas pelos EUA”.

O povo se defende

Apesar do terror constante e dos ataques devastadores das IDF e dos colonos, os palestinos da Cisjordânia convocaram uma greve geral no começo de janeiro para protestar contra o assassinato do líder do Hamas e das Brigadas Al-Qassam, Saleh Al-Arouri, por parte de Israel. A greve abrangeu empresas, universidades e escritórios públicos e privados, liderada por uma coalizão de facções palestinas. Ismat Shakhshir, membro da Secretaria Geral da União Geral das Mulheres Palestinas, descreveu os assassinatos como “medidas desesperadas” devido à “incapacidade da ocupação de avançar em Gaza”.

Os combatentes da resistência em Nablus, Jenin, Ariha e em outras áreas continuam repelindo a violência israelense, apesar da falta de equipamento militar avançado. O alto oficial político do Hamas, Husam Badran, afirmou que “a resistência em Jenin e em toda a Cisjordânia quebrará a arrogância da ocupação [israelense]”.

Uma agressão israelense-americana

Enquanto as evidência de agressão flagrante e ilegal e as baixas atingem níveis sem precedentes, os EUA continuam dando poder ao governo israelense para levar adiante sua agenda genocida, ao mesmo tempo em que oferecem condenações frouxas para preservarem as aparências. Na ONU, os EUA bloquearam os apelos a um cessar-fogo, mesmo depois de o artigo 99.º da Carta das Nações Unidas, raramente utilizado, ter sido invocado para alertar para uma “catástrofe humana iminente” em Gaza.

Ainda em dezembro, o governo Biden apresentou um projeto de lei sobre segurança nacional, que inclui mais 10,1 bilhões de dólares em ajuda militar incondicional a Israel, e contornou duas vezes o Congresso para enviar imediatamente armas e munições a Israel.

Esta não é apenas uma guerra israelense, é uma guerra israelense-americana. Washington é também um perpetrador de genocídio e totalmente responsável por todos os ferimentos e mortes tornados possíveis pelas armas e pelo apoio político dos EUA.

*SAMEENA RAHMAN/Opera Mundi

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Avião militar com prisioneiros ucranianos foi abatido por míssil dos EUA, diz Putin

Presidente russo admite que Ucrânia pode ter derrubado avião por acidente, mas disse que ‘ainda assim é crime’.

O presidente russo, Vladimir Putin, declarou nesta quarta-feira (31/01) que o avião militar Il-76 que transportava prisioneiros de guerra ucranianos foi abatido por um sistema de mísseis norte-americano Patriot.

“O avião foi abatido – isso já foi estabelecido com certeza – pelo sistema americano Patriot. Uma perícia já estabeleceu isso”, disse ele.

Na semana passada um avião de transporte militar russo Il-76 caiu na região de Belgorod em 24 de janeiro. O Ministério da Defesa russo disse que havia 65 prisioneiros de guerra ucranianos e nove militares russos a bordo. Todos morreram. O Ministério da Defesa russo e o Comitê de Investigação afirmam que o avião foi abatido por dois mísseis antiaéreos vindos do território da região de Kharkov.

A Direção Principal do Ministério da Defesa da Ucrânia confirmou que naquele dia deveria ocorrer uma troca de prisioneiros, mas que teria sido cancelada. Kiev não confirmou nem o ataque com mísseis ao Il-76, nem que houvesse prisioneiros ucranianos a bordo. O presidente ucraniano, Volodmyr Zelensky, disse que a Ucrânia insistiria em uma investigação internacional.

Putin, por sua vez, também afirmou que a Rússia insiste que seja realizada uma investigação internacional, mas, segundo ele, não há voluntários de organizações internacionais.

“Digo oficialmente: pedimos que enviem especialistas internacionais e façam essa análise, avaliem as evidências materiais disponíveis de que o avião foi abatido pelo sistema Patriot”, enfatizou.

Ao mesmo tempo, Putin admitiu que as Forças Armadas Ucranianas poderiam ter abatido o avião por negligência. “As forças armadas ucranianas abateram o nosso avião, que transportava 65 dos seus próprios militares destinados à troca. Vocês perguntam por que eles fizeram isso. Não sei. Não entendo”, disse Putin, durante uma reunião com membros do gabinete.

O presidente russo também acrescentou que mesmo que o avião tenha sido abatido acidentalmente, “ainda é um crime” por conta da negligência.

Rússia e Ucrânia conseguem nova troca de prisioneiros

Após a interrupção das conversações para a troca de prisioneiros de guerra com a queda do avião militar russo Il-76, Moscou e Kiev voltaram a relatar uma grande troca de soldados capturados nesta quarta-feira (31).

Primeiramente, o Ministério da Defesa russo relatou a troca, afirmando 195 militares russos foram devolvidos e, em troca, “exatamente 195 prisioneiros de guerra das Forças Armadas Ucranianas” também foram transferidos neste 31 de janeiro como resultado das negociações.

Posteriormente, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, confirmou a troca, mas citou um número diferente, afirmando que 207 prisioneiros ucranianos foram liberados.

*Opera Mundi

 

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Grupo pede em Israel investigação criminal de software usado pela Abin

Pedido sobre “Abin Paralela” está nas mãos da Procuradoria Geral de Israel.

Um grupo israelense liderado pelo advogado Eitay Mack encaminhou à Procuradoria Geral de Israel um pedido de investigação criminal sobre o uso ilegal do software First Mile no Brasil. O programa – usado para espionar ilegalmente a localização de desafetos e até aliados da família Bolsonaro – foi vendido ao Exército Brasileiro pela empresa israelense Cognyte e está no centro do escândalo de espionagem ilegal dentro da Abin.

No documento protocolado pelo advogado Mack, as operações da Polícia Federal no Brasil são usadas como base na argumentação para que a Cognyte seja investigada em Israel, onde a empresa já tem histórico de escândalos. No ano passado, veio à público que a Cognyte vendeu programas de espionagem ao governo de Myanmar, mesmo depois que Israel baniu esse tipo de negócio com aquele país, que empilha mortos depois que um golpe militar destituiu o governo civil. Foi Eitay Mack o principal denunciante do caso.

Além do advogado, outras 32 pessoas assinam o pedido. entre juristas e acadêmicos, está Avrum Burg, ex-presidente do Parlamento de Israel.

O documento cita as evidências que baseiam o pedido, entre elas a suspeita de que até “30 mil pessoas foram monitoradas sem autorização judicial, entre servidores públicos, jornalistas, juízes, desembargadores do Supremo Tribunal, advogados, políticos, um ex-governador de estado do Partido dos Trabalhadores, de esquerda, e policiais. A vigilância foi feita tanto com o propósito de prejudicar adversários políticos como com o propósito de corrupção e de perturbação de investigações criminais, inclusive em relação à família de Bolsonaro.”

Para justificar o pedido de investigação, o grupo diz que “as informações sobre o paradeiro desses alvos foram armazenadas em datacenters em Israel.”

*Leandro Demori

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Gaza está ‘inabitável’, e ONU não consegue determinar escala exata do ‘desastre’

Morte de observadores internacionais e jornalistas após ataques israelenses dificulta documentação de danos no território palestino, diz diretora de órgão que investiga vítimas de conflitos armados.

Gaza está agora “inabitável”, de acordo com o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas. Desde 7 de outubro, o enclave tem sido alvo de bombardeios incessantes e indiscriminados. Sem acesso, os observadores internacionais ainda estão lutando para determinar a escala exata do desastre.

Em novembro passado, o relator especial da ONU para a moradia, Balakrishnan Rajagopal, estimou que “45% das unidades habitacionais em Gaza haviam sido destruídas ou danificadas pelo ataque israelense”. Em dezembro, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borell, descreveu uma situação “apocalíptica” em Gaza. Segundo ele, o nível de destruição era igual ou até maior do que o da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.

Com o passar dos meses, os bombardeios continuaram do norte ao sul da Faixa de Gaza. No local, há cada vez menos observadores internacionais, o que torna cada vez mais difícil entender a situação. “Muitos jornalistas morreram e outros foram embora. Temos cada vez menos imagens e dados para analisar os tiros e bombardeios”, lamenta Emily Tripp, diretora da Airwars. A ONG investiga vítimas civis de conflitos armados. “Quando você mata as pessoas que documentam e testemunham os danos causados por cada ataque, você também impede a possibilidade de fazer um balanço e identificar os criminosos”, afirma.

A Airwars está acostumada a coletar todas as imagens e informações possíveis para cada incidente que detecta. “Há também muitas organizações parceiras que não conseguem mais se comunicar com suas equipes em campo. Portanto, elas não podem nos ajudar a verificar os fatos e a análise é, portanto, muito complexa”, sublinha Tripp.

Emily Tripp, no entanto, faz uma comparação. “Após a batalha por Raqqa [a principal cidade síria recapturada do grupo Estado Islâmico, em 2017], a ONU declarou que 80% da cidade era inabitável. A campanha aérea liderada pelos Estados Unidos e seus aliados durou seis meses. Já sabemos que as forças israelenses usaram mais munições e com maior frequência e maior grau de imprecisão em três meses em Gaza do que a coalizão internacional usou em seis meses em Raqqa”, comparou.

O Ministério da Saúde do Hamas já contabilizou mais de 26.700 mortos e 65.000 feridos desde o início da operação militar. “Além do impacto humano, estamos testemunhando a destruição de uma sociedade inteira”, diz a especialista. “Escolas, encanamentos de água, mesquitas… tudo foi destruído. Tudo está destruído”, afirmou.

Todos os especialistas chegam à mesma conclusão: em suas carreiras, eles nunca viram uma guerra de tamanha intensidade. “Todas as principais infraestruturas foram afetadas, tornando a vida extremamente difícil, se não impossível, em certas partes de Gaza”, explica Christina Wille, diretora da Insecurity Insight. Essa associação sediada na Suíça analisa o impacto da violência sobre a população civil em termos de segurança alimentar, saúde e educação. “Em algumas áreas, mesmo que você encontre comida, não conseguirá cozinhá-la porque não há água”.

Milhares de feridos, não há mais hospitais

Da mesma forma, a falta de água, combustível, eletricidade e, neste caso, de medicamentos, está afetando o funcionamento dos hospitais. Como você pode operar sem equipamento, sem luz?”, pergunta Wille. Sem eletricidade, também não há incubadora para bebês prematuros. “Se um médico não pode lavar as mãos, há sérios problemas de saúde. Há consequências em cascata”, diz.

Os hospitais também foram afetados pelos bombardeios. Alguns diretamente”, lamenta Christina Wille, “outros indiretamente, por meio de explosões nos arredores”. Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que havia organizado uma missão de alto risco para reabastecer o hospital Al-Shifa, no norte de Gaza. O hospital, que costumava ser o principal hospital da Cidade de Gaza, não tem mais uma maternidade ou serviços pediátricos. O principal gerador de oxigênio do hospital foi destruído.

De acordo com a OMS, apenas sete dos 24 hospitais no norte de Gaza continuam abertos. Eles estão funcionando apenas parcialmente. O mesmo se aplica ao sul de Gaza, onde apenas sete dos 12 hospitais estão parcialmente operacionais, segundo a agência da ONU.

“Com o Hospital Nasser e o Hospital Europeu em Gaza não funcionando mais, praticamente não há mais sistema de saúde em Gaza”, diz Guillemette Thomas, coordenadora médica da ONG Médicos Sem Fronteiras na Palestina.

*Oriane Verdier/Opera Mundi

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Crise humanitária: palestinos em Gaza comem grama e bebem água suja para tentar sobreviver em meio aos ataques de Israel

Toda população do enclave — cerca de 2,2 milhões de pessoas — enfrenta o risco iminente de morrer por desnutrição.

A situação humanitária em Gaza atingiu níveis alarmantes desde a ofensiva de Israel na região, em 7 de outubro de 2023, com 2,2 milhões de palestinos — a totalidade da população do enclave — enfrentando o risco iminente de morrer por desnutrição. A ofensiva foi uma resposta a um ataque coordenado pelo grupo militante Hamas contra o território israelense.

Em dezembro, a ONG Human Rights Watch (HRW) acusou o governo israelense de submeter civis à fome como parte da guerra e relatos indicam que as restrições impostas por Israel ao fornecimento de alimentos, água e combustível para o território agravaram ainda mais a crise.

Segundo o jornal O Globo, palestinos em Gaza relataram recorrer à ingestão de grama e água suja para sobreviver, enquanto crianças choram e imploram por comida nas ruas. Os escassos suprimentos ainda encontrados em Gaza são comercializados por mais que o dobro de seu valor original.

A escassez de alimentos também impacta as gestantes, com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) alertando para o aumento do risco de abortos espontâneos, nascimentos prematuros e crianças nascendo abaixo do peso. A situação é especialmente difícil para as 50 mil mulheres grávidas em Gaza.

Hanadi Gamal Saed el-Jamara, mãe de sete filhos, descreve a agonizante realidade de sua família, onde a fome e a sede se tornaram uma ameaça constante. “Estamos morrendo lentamente”, disse ela à CNN. “Acho que é até melhor morrer pelas bombas, pelo menos assim seremos mártires. Mas agora estamos morrendo de fome e sede”, completou. —

A situação é agravada pelo estado de saúde do marido, que sofre de câncer e diabetes. Toda a família também sofre de diarreia e desnutrição.

Os deslocamentos em massa, a destruição de bairros e a perda de vidas tornaram os últimos 100 dias de guerra especialmente difíceis para os habitantes de Gaza. A suspensão do financiamento à UNRWA (agência de assistência humanitária da ONU) por vários países ocidentais piorou a situação ao privar a população de assistência humanitária.

A Unicef alertou para a vulnerabilidade extrema das crianças em Gaza: todas as 350 mil crianças menores de cinco anos enfrentam risco grave de desnutrição. “A organização já havia denunciado que o enclave passou a ser, após a guerra, o lugar ‘mais perigoso do mundo’ para uma criança”, destaca a reportagem. Condições de vida insalubres, falta de eletricidade e a impossibilidade de refrigerar alimentos perecíveis agravam a crise — que não parece ter data para acabar.

 

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BRICS vai superar G7 na economia global em 2023, diz presidente do principal banco russo

A participação dos países do BRICS no ano passado aumentou de 31% para 35% do produto interno bruto (PIB) mundial, em paridade de poder de compra, superando a participação do G7, conforme afirmou Elvira Nabiullina, presidente do Banco da Rússia, em uma entrevista à Sputnik nesta segunda-feira (29).

“As economias dos países do BRICS estão se desenvolvendo rapidamente. Com a inclusão de novos membros, a participação do BRICS na economia global aumentou de 31% para 35%, considerando os resultados de 2023 em paridade de poder de compra. Esses números são ligeiramente superiores à participação dos países do G7. Portanto, o papel do BRICS no mundo é significativo”, enfatizou.

O BRICS é composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Durante a cúpula de Joanesburgo, em agosto de 2023, foi decidido convidar Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita para a organização. Posteriormente, a Argentina se recusou a participar da união. A adesão plena dos novos países à organização começou em 1º de janeiro de 2024.

Após a adesão de todos os novos membros, o número de Estados-membros do BRICS se expandirá para dez, com uma população de 3,6 bilhões de pessoas, representando quase metade do total global. Esses países respondem por mais de 40% da produção mundial de petróleo e cerca de um quarto das exportações mundiais de bens.

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Palestina: a falsa equivalência entre o colonizado e o colonizador

Concentrar-se na denúncia da violência palestina é o mesmo que pedir a eles que aceitem passivamente o seu destino: morrer em silêncio e não resistir.

“Sob qual padrão de moralidade a violência utilizada por um escravo para romper suas correntes pode ser considerada o mesmo que a violência de um senhor de escravos?” – Walter Rodney

Na sequência dos ataques do Hamas a Israel, ocorridos no dia 7 de outubro, que causaram mais de 1,2 mil mortes, houve uma enxurrada de injunções da mídia ocidental, políticos e especialistas, insistindo para que qualquer pessoa que desejasse expressar uma opinião sobre os acontecimentos e os consequentes crimes de guerra e genocídio israelenses em Gaza, denunciasse primeiro o Hamas antes de expressar qualquer outra opinião. Não fazer isso explicitamente, ou qualquer tentativa de interpretar os eventos em seu contexto histórico ou enfatizar as causas fundamentais do conflito eram interpretadas como condescendência com as ações do Hamas (que o interlocutor era um simpatizante do Hamas) e relacionadas com antissemitismo.

Era como se a história do que chamamos conflito palestino-israelense tivesse começado no dia 7 de outubro e não com a Declaração Balfour de 1917, em que o governo colonial britânico anunciou o seu apoio ao estabelecimento de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina. Esse anúncio culminou naquilo a que os palestinos e os árabes chamam de Nakba (a Catástrofe), em 1948, em simultâneo com a fundação do Estado de Israel por meio da limpeza étnica generalizada, dos massacres e do deslocamento de centenas de milhares de palestinos. Mais guerras se seguiram, mais violência, mais assassinatos e mais ocupação de novos territórios. Isso levou a ainda mais deslocamentos, mais assentamentos ilegais e mais bombardeios, que custaram a vida de centenas de milhares de palestinos e forçaram milhões a viver como refugiados. Não me deterei nesta história, pois inúmeras fontes já o fizeram brilhantemente. Em vez disso, o meu objetivo aqui é estabelecer alguns paralelos com a história da luta anticolonial argelina para mostrar a vacuidade, a miopia e a injustiça de denunciar a violência do oprimido/colonizado e do opressor/colonizador em termos equivalentes. Os dilemas morais, os debates sobre a violência e os desacordos em torno da forma como as pessoas oprimidas ou colonizadas devem resistir, e o que podem ou não fazer, não são novos.

Quando penso na Palestina, não posso deixar de estabelecer paralelos com o caso do meu país, a Argélia, durante a era colonial (1830-1962). Não é por acaso que as classes populares e trabalhadoras argelinas apoiem fortemente a causa palestina, uma vez que ambos os países vivenciaram/vivenciam um colonialismo violento e racista. Para compreender o porquê, vale a pena visitar os escritos e as análises de Frantz Fanon sobre aquilo que chamou de “violência revolucionária” na sua obra-prima Os condenados da Terra, que escreveu com base nas suas experiências na Argélia e na África Ocidental nos anos 1950 e no início dos anos 1960. Os condenados da Terra é um texto canônico sobre a luta anticolonial e serviu como uma espécie de bíblia para as lutas de libertação da Argélia à Guiné-Bissau, África do Sul, Palestina e o movimento de libertação negra nos EUA.

Fanon descreveu minuciosamente os mecanismos de violência postos em prática pelo colonialismo para subjugar os povos oprimidos. “O colonialismo não é uma máquina de pensar, nem um corpo dotado de faculdades de raciocínio. É a violência no seu estado natural e só cederá quando confrontado com uma violência maior”, escreveu. Segundo Fanon, o mundo colonial é um mundo maniqueísta que, no limite, “desumaniza o nativo, ou, para falar claramente, transforma-o em animal”. Para ele, “a libertação nacional, o renascimento nacional, a restituição da nacionalidade ao povo, a comunidade: quaisquer que sejam os títulos utilizados ou as novas fórmulas introduzidas, a descolonização é sempre um fenômeno violento”.

A luta de independência da Argélia contra os colonizadores franceses foi uma das revoluções anti-imperialistas mais inspiradoras do século XX. Parte da onda de descolonização iniciada após a Segunda Guerra Mundial (na Índia, na China, em Cuba, no Vietnã e em muitos países africanos), a Conferência de Bandung declarou que estes movimentos faziam parte do “despertar do Sul” – um Sul que esteve sujeito durante décadas (em alguns casos, mais de um século) à dominação imperialista.

Após a declaração de guerra na Argélia em 1 de novembro de 1954, atrocidades impiedosas foram cometidas por ambos os lados (1,5 milhão de mortes, com milhões de deslocados no lado argelino, e dezenas de milhares de mortos no lado francês). A liderança da Frente de Libertação Nacional (FLN) tinha uma avaliação realista do equilíbrio de poder militar, que pendia fortemente a favor da França, que na época possuía o quarto maior exército do mundo. A estratégia da FLN foi inspirada no ditado do líder nacionalista vietnamita Ho Chi Minh: “Para cada nove de nós mortos, mataremos um; no final, vocês irão embora”. A FLN buscava criar um clima de violência e insegurança que acabaria por se tornar intolerável para os franceses, internacionalizar o conflito e chamar a atenção do mundo para a luta da Argélia.

Seguindo essa lógica, Abane Ramdane e Larbi Ben M’hidi decidiram levar a guerra de guerrilha para as áreas urbanas e lançar a Batalha de Argel em setembro de 1956. Talvez não haja melhor maneira de apreciar esse momento chave e dramático de sacrifício do que através do clássico filme realista de 1966 de Gillo Pontecorvo: “A Batalha de Argel”. No filme, há um momento marcante em que o coronel Mathieu, uma discreta referência ao general Massu na vida real, conduz o líder da FLN capturado, Larbi Ben M’Hidi, a uma coletiva de imprensa na qual um jornalista questiona a moralidade de esconder bombas em cestas de compras de mulheres. “Você não acha um pouco covarde usar cestas e bolsas de mulheres para transportar dispositivos explosivos que matam tantas pessoas?” Pergunta o repórter. Ben M’hidi responde: “E não lhe parece ainda mais covarde lançar bombas napalm em vilarejos indefesos, de modo que há mil vezes mais vítimas inocentes? Dê-nos seus bombardeiros, e você pode ficar com nossas cestas.”

Através de uma cobertura favorável generalizada da revolução argelina na imprensa afro-americana, muitas exibições locais de A Batalha de Argel, assim como os escritos de Fanon, a Argélia passou a ocupar um lugar seminal na iconografia, retórica e ideologia dos principais ramos do movimento afro-americano pelos direitos civis, que passou a ver sua luta associada às lutas das nações africanas por independência.

Depois de visitar a Argélia em 1964 e Casbah, local da Batalha de Argel contra os franceses em 1956-1957, Malcolm X declarou:

“As mesmas condições que prevaleceram na Argélia e forçaram o povo, o nobre povo da Argélia, a recorrer eventualmente a táticas de tipo terrorista que eram necessárias para ‘tirar o peso das costas’; essas mesmas condições prevalecem hoje na América em cada comunidade negra.”

Alguns meses depois, em 1965, ele disse:

“Eu não sou a favor da violência. Se pudermos obter o reconhecimento e o respeito de nosso povo por meios pacíficos, ótimo. Todos gostariam de alcançar seus objetivos pacificamente. Mas eu também sou um realista. As únicas pessoas neste país que são instadas a serem não violentas são as pessoas negras.”

E ao saber do assassinato de Martin Luther King, Jr. em 1968, o líder do Partido dos Panteras Negras, Eldridge Cleaver, proclamou:

“A guerra começou. A fase violenta da luta pela libertação negra está aqui, e se espalhará. A partir desse tiro, a partir desse sangue. A América será pintada de vermelho. Corpos encherão as ruas e as cenas lembrarão os relatos nojentos, aterrorizantes e oníricos vindos da Argélia durante o auge da violência geral pouco antes do colapso final do regime colonial francês.”

Também devemos desafiar a narrativa de culpabilização da vítima que se fixa nos palestinos como vítimas imperfeitas, o que, nas palavras da pesquisadora americano-palestina Noura Erakat, equivale a uma “absolvição e cumplicidade com a dominação colonial de Israel”. Ao destacar a violência palestina, nossa mensagem para eles “não é que eles devem resistir de maneira mais pacífica, mas que não podem resistir à ocupação e agressão israelenses de forma alguma”.

Denunciar e destacar a violência dos oprimidos e colonizados não é apenas imoral, mas racista. Os povos colonizados têm o direito de resistir com quaisquer meios necessários, especialmente quando todas as vias políticas e pacíficas foram bloqueadas ou obstruídas. Nos últimos 75 anos, todas as tentativas palestinas de negociar um acordo de paz foram rejeitadas e minadas. Todo meio não violento foi bloqueado, incluindo a “Marcha do Retorno” promovida pelo Hamas em 2018 (brutalmente reprimida, com mais de 200 mortos e dezenas de milhares feridos e mutilados), assim como a campanha internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que foi tornada ilegal em vários países ocidentais sob a pressão do lobby sionista.

Em meio a uma ocupação colonial bárbara e condições de apartheid, seria apropriado que qualquer discussão sobre justiça e a responsabilidade pela violência contra civis começasse pelo opressor. Como a racionalidade de revolta e rebelião de Fanon coloca, os oprimidos se revoltam simplesmente porque não conseguem respirar.

Optar por focar na denúncia da violência palestina é semelhante a pedir a eles que aceitem passivamente seu destino – morrer em silêncio e não resistir. Em vez disso, vamos nos concentrar em um cessar-fogo imediato, interromper o desenrolar da segunda Nakba e encerrar o cerco e a ocupação, mostrando nossa solidariedade aos palestinos em sua luta por liberdade, justiça e autodeterminação.

As vidas palestinas importam!

(*) Hamza Hamouchene é um pesquisador e ativista argelino que vive em Londres. Atualmente, é coordenador do programa do Norte da África no Transnational Institute (TNI).

*Opera Mundi

 

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África do Sul celebra decisão da CIJ contra Israel: ‘seguiremos defendendo os palestinos’

Corte Internacional de Justiça acatou denúncia sul-africana e ordenou que Tel Aviv ‘previna um genocídio’ em Gaza; para os denunciantes, aceite é ‘vitória decisiva’.

O governo da África do Sul, responsável por apresentar uma denúncia contra Israel por genocídio contra os palestinos em Gaza na Corte Internacional de Justiça (CIJ), celebrou nesta sexta-feira (26/01) a decisão do tribunal em aceitar a petição.

Segundo a gestão de Cyrill Ramaphosa, o determinação da CIJ aceitando dar prosseguimento ao processo é uma “vitória decisiva” ao Estado de direito internacional, apontando que a decisão de pedir que Israel “previna um genocídio” é um “marco significativo” na “busca por justiça” para os palestinos.

“Em uma decisão histórica, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou que as ações de Israel em Gaza são plausivelmente genocidas e indicou medidas provisórias com base nisso. Para a implementação do Estado de direito internacional, a decisão é importante. A África do Sul agradece ao Tribunal pela sua decisão rápida”, disse o governo em um comunicado.

Mais cedo, a Corte decidiu que há elementos suficientes para se julgar o Estado de Israel por possível crime de genocídio contra os palestinos residentes na Faixa de Gaza.

Através da leitura de um documento por parte da presidente do tribunal, a magistrada norte-americana Joan Donoghue, a CIJ definiu que “alguns atos parecem se enquadrar na convenção sobre genocídio”, o que justifica o prosseguimento do caso. Porém, não há prazo para uma decisão sobre o mérito da denúncia.

Por outro lado, a Corte acatou uma parte das exigências apresentadas pela África do Sul, deixando de lado um cessar-fogo imediato. A guerra de Israel na Faixa de Gaza já vitimou mais de 25 mil palestinos.

Nesse sentido, a África do sul disse que o país seguirá agindo para “proteger os direitos dos palestinos em Gaza”, que “continuam a permanecer em risco urgente, incluindo ataques militares israelenses, fome e doenças”.

“A África do Sul continuará a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para preservar a existência do povo palestino, para pôr fim a todos os atos de apartheid e genocídio e a caminhar no sentido da realização do seu direito coletivo à autossuficiência. A determinação como Nelson Mandela declarou momentaneamente é “a nossa liberdade é incompleta sem a liberdade dos palestinianos”, afirmou a nota.

O governo declarou também que o Conselho de Segurança da ONU será notificado sobre a decisão da CIJ, declarando que não se pode permitir que o “poder de veto exercido por Estados individuais frustre a justiça internacional”.

Nesse sentido, o país africano espera que Estados, agora “conscientes da existência de um sério risco de genocídio” contra os palestinos, devem agir de forma independente e imediata para que Israel dê fim aos ataques: “isto impõe necessariamente a todos os Estados a obrigação de cessarem o financiamento e a facilitação das ações militares de Israel, que são plausivelmente genocidas”.

“A África do Sul espera sinceramente que Israel não aja para frustrar a aplicação desta ordem, como ameaçou publicamente fazer, mas que, em vez disso, aja para cumpri-la integralmente, como é obrigado a fazer”, conclui o comunicado.

Decisão da CIJ

A decisão da Corte Internacional de Justiça faz recomendações que Israel deve cumprir, mas não colocou sanções contra o país de Benjamin Netanyahu.

Algumas das medidas envolvem Israel ter que “prevenir um genocídio” em Gaza e permitir a entrada de ajuda humanitária. Porém, a Corte não detalhou que ações específicas devem ser tomadas nesse sentido.

Tel Aviv terá um mês para apresentar um informe sobre as ações que já foram tomadas, como forma de contestar a acusação da África do Sul sobre um possível genocídio contra o povo palestino durante a atual ofensiva militar em Gaza.

*Opera Mundi

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A batalha das pessoas trans contra falácias da ultradireita

Comunidade trans na Alemanha enfrenta cada vez mais desinformação promovida pela ultradireita, que usa o tema para alimentar divisões; Bola da vez é um projeto de lei que facilitaria a mudança legal de gênero.

O projeto da Lei de Autodeterminação de Gênero foi inicialmente anunciado como uma peça importante da legislação progressista da coalizão do governo federal alemão, formada por sociais-democratas, verdes e liberais. “Queremos somente facilitar um pouco a vida de um pequeno grupo para o qual isso tem grande importância”, disse o ministro da Justiça alemão, Marco Buschmann, à emissora pública alemã ZDF.

Mas o texto, que tornaria mais fácil para pessoas transgênero, intersexuais e não binárias mudarem legalmente de gênero, provocou debates acalorados na Alemanha, alimentados por discursos de ódio e desinformação de radicais de direita e de grupos conservadores que buscam aproveitar a questão para promover suas próprias agendas.

“Não há dinheiro para aposentados, escolas e linhas de trem sob a coalizão governamental, mas o governo agora quer introduzir centros de aconselhamento sobre identidade de gênero em todo o país para todos aqueles que não sabem se são homens ou mulheres”, disse a vice-líder do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), Beatrix von Storch, no Parlamento alemão em novembro passado.

Esses ataques são uma “decisão estratégica consciente” da ultradireita, diz Sascha Krahnke (nome fictício), especialista em transfobia e extrema direita da Fundação Amadeu Antonio em Berlim, que faz campanhas contra a ultradireita, racismo e antissemitismo.

Krahnke diz que os atores da ultradireita na Alemanha estão olhando para o exterior, especialmente para as guerras culturais dos EUA, em busca de novas narrativas de desinformação para usar contra as pessoas trans, como parte de uma estratégia mais ampla para mobilizar os eleitores em apoio à sua agenda autoritária e nacionalista. “Não é nada novo. Já tivemos isso em resposta ao movimento pelos direitos dos homossexuais”, disse Krahnke à DW.

“Todos esses são mecanismos que sempre funcionaram em grupos e comunidades específicos, e você pode ver que eles são fundamentais para mobilizar as pessoas, criar medo e politizar questões sem que elas realmente digam respeito a esses grupos.”

Desinformação para criar divisão

O Southern Poverty Law Center, um grupo de defesa jurídica sem fins lucrativos dos EUA, relatou que os palestrantes de uma cúpula organizada pelo lobby evangélico de direita Family Research Council em 2017 falaram abertamente sobre sua estratégia para enfraquecer os grupos que lutam pelos direitos dos transgêneros, separando-os de aliados tradicionais como, por exemplo, feministas, usando uma “retórica progressista” na qual os direitos dos transgêneros eram descritos como “antifeministas, hostis às minorias e até mesmo desrespeitosos com os indivíduos LGB”.

Krahnke diz que isso também está acontecendo na Alemanha. “Alcançamos um certo nível de emancipação com o casamento para todos e a vida de gays e lésbicas em geral, essas questões não radicalizam mais, então agora [a ultradireita] tem que atacar uma comunidade ainda menor, onde a solidariedade pode ser quebrada mais facilmente”, disse Krahnke.

“Em última análise, a ideia é: ‘se você lhes der mais direitos, será às custas daqueles que já lutaram por seus direitos, por exemplo, mulheres e pessoas sujeitas ao racismo’.”

Uma análise realizada pelo Observatório Europeu de Mídia Digital (Edmo) em 2023 constatou que a desinformação direcionada à comunidade LGBTQ+ é uma das “mais presentes e consistentes na União Europeia”.

Um briefing recente para o Parlamento Europeu também alertou que as pessoas LGBTQ+ na UE estavam sendo escolhidas como alvos de desinformação por agentes estrangeiros – principalmente o governo russo – como um meio de semear atrito e desunião entre os países-membros da UE. O problema está piorando, de acordo com Krahnke, à medida que o discurso de ódio e as narrativas de desinformação nas mídias sociais chegam à imprensa convencional.

Narrativas antitrans na ideologia da ultradireita

Uma pesquisa do Else Frenkel Brunswik Institute (EFBI), que monitora atitudes antidemocráticas, e da Fundação Amadeu Antonio analisou canais e grupos de Telegram de ultradireita no estado da Saxônia, no leste da Alemanha. Descobriu-se que os debates sobre a Lei de Autodeterminação de Gênero “caracterizados pela hostilidade queer e trans” ganharam impulso nos grupos e canais do Telegram depois que os planos para o projeto de lei foram anunciados em junho de 2022.

As pessoas trans eram descritas em grupos de bate-papo como “seres híbridos”, “doentes”, “degenerados”, revelando, segundo os autores do estudo, “anseios neonazistas e racistas por um corpo humano puro, (sexualmente) sem ambiguidade e saudável”. A ideia de “seres híbridos” também é uma expressão da propaganda antissemita.

A AfD na Saxônia tem mais de 30% das intenções de voto e é considerada um dos diretórios estaduais mais radicais do partido, e vem sendo monitorada desde 2021 pelo Departamento de Proteção da Constituição (BfV), o serviço de inteligência interna alemão, por suspeita de ser uma ameaça extremista ao Estado democrático de direito.

O BfV afirma que a misantropia LGBTQ+ é um componente fundamental da ideologia e agitação da ultradireita, com sua rejeição de entendimentos modernos de modelos de gênero e família em favor de uma visão de mundo “caracterizada por racismo e nacionalismo”.

“Afirma-se que as pessoas trans são uma ameaça não só para mulheres e crianças, mas também para a sociedade como um todo. Grupos radicais de direita podem agir como protetores nesse contexto”, disse à DW Gabriel Nox Koenig, porta-voz da Federação Trans* na Alemanha (Bundesverband Trans*).

As questões de gênero são repetidamente abordadas por grupos de extrema direita porque repercutem no centro político, diz Koenig. “Isso influencia os termos do debate: atualmente estamos discutindo se as pessoas trans têm direitos humanos, e não como esses direitos podem ser implementados”, disse Koenig.

Temores de reversão no progresso contra discriminação

Os debates sobre a Lei de Autodeterminação de Gênero continuam a se arrastar na Alemanha, onde grupos de direitos trans expressaram preocupação de que a lei possa fornecer a base para a exclusão legal de pessoas trans de várias partes da vida pública.

O ministro alemão da Justiça, Marco Buschmann, disse ao jornal Die Zeit no início do ano passado que a votação da lei havia sido adiada devido a preocupações com as consequências legais da mudança de gênero, citando o exemplo de como visitantes de uma sauna feminina poderiam se sentir incomodadas com a presença de uma mulher trans.

O número de crimes antiqueer e antitrans relatados na área de “identidade de gênero/sexual” aumentou de 340 em 2021 para 417 (classificados sob a recém-introduzida rubrica “diversidade de gênero”) em 2022, de acordo com dados do Ministério do Interior alemão. Como muitas pessoas trans e não binárias não relatam esses incidentes às autoridades estaduais por medo de discriminação, a Federação Trans* na Alemanha estima que os números reais sejam muito maiores.

Num momento em que a AfD é o segundo partido mais popular no país, Gabriel Nox Koenig é claro sobre as implicações não apenas para pessoas trans e não binárias, mas também para outros grupos marginalizados. “Todo o progresso que foi duramente conquistado contra formas de discriminação como sexismo, homofobia, transfobia ou racismo nas últimas décadas seria revertido pela AfD. A situação de todos os grupos que são discriminados se deterioraria significativamente”, disse Koenig.

*Opera Mundi