O comandante do Exército, general Edson Pujol, omitiu pelo menos 13 vezes, somente neste ano, de sua agenda pública de compromissos os nomes de juízes, parlamentares, empresários, diplomatas e outros agentes públicos que recebeu em audiência em seu gabinete. Também não divulgou os assuntos tratados nas reuniões.
As autoridades sempre foram citadas genericamente e sem nome. Em 10 de junho passado, por exemplo, o comandante recebeu um “integrante do Poder Judiciário”. No dia 29 de setembro, manteve “audiência com membro do Poder Judiciário”. Em 20 de maio, houve uma “audiência com parlamentar”. Em 4 de junho, Pujol participou de uma videoconferência com um “representante diplomático”.
A prática está em desacordo com a resolução nº 11, de 11 de dezembro de 2017, da CEP (Comissão de Ética Pública) da Presidência da República, que regula e orienta a divulgação da agenda de compromissos dos agentes públicos abrangidos pelo órgão, segundo dois ex-presidentes da CEP nos governos Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018) consultados pelo UOL.
No seu artigo 4º, a resolução é explícita: “Para cada compromisso divulgado na agenda, deverão ser informados o nome do solicitante da audiência ou reunião governamental e o órgão ou entidade que representa, a descrição dos assuntos tratados, o local, a data, o horário e a lista de participantes, com exceção deste último requisito no caso dos eventos públicos”.
O parágrafo primeiro da resolução estabelece ainda que a divulgação da agenda deve ser diária, outro ponto que não é seguido pelo Comando do Exército, que prefere divulgar os compromissos vindouros em blocos semanais. Quando o UOL foi olhar essas agendas, três blocos, que correspondiam a três semanas, estavam fora do ar.
Procurado, o Comando do Exército respondeu nesta terça-feira (13): “Todos os dados estão disponíveis em conformidade com o arcabouço jurídico vigente, observados os princípios da transparência, da oportunidade e da segurança”. Não houve comentário direto sobre a resolução nº 11 nem detalhamento sobre o que seria o arcabouço jurídico mencionado na resposta.
“Isso é uma brincadeira?”, reage ex-chefe do CEP
O advogado Mauro de Azevedo Menezes, que ocupou a presidência da CEP de 2014 (governo Dilma Rousseff) a 2018 (governo Michel Temer), ficou surpreso com a prática adotada pelo Comando do Exército.
Isso é uma brincadeira? Como assim? Não pode ser. A autoridade deve declinar quem é o membro do Judiciário, do Legislativo, do Executivo, o empresário que recebeu e dizer qual é o assunto. E a resolução é clara, ‘descrição dos assuntos tratados’. O órgão não é a casa da pessoa. Como dizia o [ex-ministro do STF] Ayres Britto, ‘no Brasil as autoridades não tomam posse no cargo, tomam posse do cargo’. As pessoas se sentem ofendidas: ‘Como assim vou dizer o assunto que tratei?’ Ora, não é você, é o cargo. Ali você não está como pessoa física.
Menezes, mestre em direito público pela Universidade Federal de Pernambuco e ex-membro do Conselho de Transparência da Controladoria-Geral da União, é o autor da resolução nº 11, que foi aprovada pela CEP e está em vigor. O regulamento abrange os comandantes militares porque eles ocupam cargos de natureza especial.
“Esse exemplo de agenda que você traz mostra uma opacidade na forma de registro dos compromissos públicos que não é compatível com o princípio da publicidade. É de se esperar que a autoridade zele pela divulgação plena do conteúdo dos compromissos, dos participantes, para que haja a devida prestação de contas. A agenda é o mínimo que se possa esperar de transparência, inclusive para checagem a posteriori”.
Menezes chamou a atenção para o considera o risco de “um efeito demonstrativo”. “Hoje temos uma grande quantidade de militares nos órgãos públicos em Brasília. A tendência é haver uma irradiação do exemplo. ‘Por que eu tenho que divulgar?’ Se nem o comandante divulga… Começa a se deteriorar uma prática administrativa que é essencial na República.”
O advogado mencionou que audiências que possam tratar de assuntos sigilosos podem ter detalhes omitidos na agenda, mas a autoridade deve grafar no documento que esse foi o motivo da omissão. O assunto também é tratado na mesma resolução 11. O Comando do Exército não usou esse argumento e as agendas não trazem qualquer observação sobre sigilo.
*Com informações do Uol
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