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Brasil fechou central que distribuía vacinas e privatizou serviço em 2018

Funcionários relatam que logística piorou desde que governo Temer fez a mudança.

A complexa tarefa de distribuir vacinas para um país grande e diverso como o Brasil, que hoje é vista como peça fundamental no combate ao coronavírus, passou por uma turbulência silenciosa três anos atrás.

Era 2018 quando Ricardo Barros, ministro da Saúde do governo de Michel Temer (MDB), decidiu fechar a central nacional responsável por essa logística há mais de duas décadas no Rio de Janeiro e contratar uma empresa privada em São Paulo para tomar conta do serviço.

Até hoje é essa companhia, a VTCLog, do grupo Voetur, que recebe, armazena e controla a distribuição de todas as vacinas, soros, medicamentos, praguicidas, kits para diagnóstico laboratorial e outros insumos do Ministério da Saúde, incluindo os da Covid-19.

Ela ocupou em 2019 o lugar da Cenadi (Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos), que era diretamente subordinada ao governo. Além de controlar o estoque, o órgão também monitorava a entrada de imunobiológicos adquiridos pelo país no exterior.

Desde então, alguns funcionários encarregados de receber as remessas nos estados reclamam de problemas na logística, como itens errados, atrasos nas entregas e desorganização na comunicação. A Folha procurou a empresa para comentar as críticas, mas não obteve resposta.

Na semana passada, 19 dos 27 estados receberam os primeiros lotes da Coronavac com sucessivas alterações dos horários dos voos após o atual ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, adiantar às pressas o cronograma da vacinação. Até agora não ficou claro o que causou a confusão.

“Depois que trocou, o que sentimos na ponta é que eles são novos e inexperientes, como se estivessem perdidos. E não é uma coisa pontual daqui, é todo mundo reclamando”, diz a servidora Carla —seu nome foi trocado e o local não foi revelado para evitar retaliações, já que as equipes são pequenas.

Ela relata que as críticas ao serviço são constantes em um grupo de Whatsapp que reúne representantes dos estados e do PNI (Programa Nacional de Imunizações), e que a terceirizada tem feito visitas desde o fim de 2020 para ouvir as queixas. “Em abril vai juntar as campanhas de influenza e Covid, com certeza vai dar problema”, afirma.

Carla cita como exemplo casos em que a empresa sinaliza que a remessa será entregue de avião, mas chega de caminhão, ou em que dois caminhões são enviados em horários diferentes (o que atrapalha na checagem). Outras vezes, a quantidade de itens vem errada, e o “checklist” não vem ou não coincide com o que está dentro das caixas.

Um dos estados consultados, a Bahia disse por meio de sua assessoria de imprensa que as críticas de técnicos ocorreram pontualmente no momento da transição, quando se chegou a receber lotes sem o gelox necessário para o resfriamento dos imunobiológicos.

A explicação do ministério para a privatização na época foi de modernizar a infraestrutura, melhorar a eficiência do trabalho e racionalizar os custos. “A substituição mostrou-se o caminho mais eficiente para gerir os insumos que abastecem a rede pública de saúde, o que significa mais qualidade e mais vacinas”, diz hoje a pasta.

Se naquele momento a decisão não fez barulho aqui fora, porém, fez lá dentro. A licitação pegou de surpresa os então técnicos da Cenadi, que alegavam ter toda a estrutura e o “know how” de como fazer o serviço há anos. Foram cerca de 200 colaboradores terceirizados demitidos no total.

“Para nós foi um balde de gelo seco. Tínhamos a estratégia toda pronta, tecnologia de ponta e criamos um transporte com perda de vacinas quase zero. Botaram para fora técnicos altamente qualificados, todos com o curso de especialização em rede de frios que criamos com a Fiocruz”, afirma João Leonel Estery, coordenador da central de 1996 a 2016.

Outros ex-funcionários da Cenadi e do ministério também dizem que não viam motivo para a transferência. “Fomos totalmente contra a decisão. Acredito que a logística de imunobiológicos teve uma perda substancial, a estrutura da Cenadi funcionava muito bem”, declara Ricardo Gadelha, que foi gerente da gestão de insumos do PNI até 2018.

Entre os argumentos, os técnicos citam que a central já tinha dependências próprias sem custo, dentro do departamento de suprimento do Exército, na zona norte do Rio, e que o lugar ficava próximo à Fiocruz, uma das maiores fornecedoras de insumos do país.

Também era perto do INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde), por onde as vacinas costumam passar antes da distribuição, e tinha fácil acesso ao Instituto Vital Brazil, Fundação Ataulpho de Paiva e Instituto Biologia do Exército, que ficam no RJ.

No fim de 2018 alguns funcionários chegaram a protestar em frente ao condomínio do presidente eleito Jair Bolsonaro, pedindo que ele impedisse a mudança da sede para o aeroporto de Guarulhos. A Assembleia Legislativa do Rio também fez uma moção de repúdio à ação do governo.

“Quando eles estavam fazendo a licitação mandamos carta para o ministro, para o presidente Temer, para os 40 e poucos parlamentares do RJ. Mas o interesse era muito grande, não conseguimos barrar”, diz o ex-deputado estadual Milton Rangel (DEM).

Segundo ele, “o processo foi todo esquisito”. “Foi feito com interferência direta dos interessados, eles ajudaram na elaboração dos editais. Foi uma das coisas que apontamos ao TCU [Tribunal de Contas da União]”. A licitação foi adiada pelo órgão para que se esclarecesse dúvidas sobre os custos, mas depois seguiu normalmente.

O valor do contrato com a VTCLog é de R$ 97 milhões anuais e vai de 2019 até 2023. O Ministério da Saúde não respondeu quanto era gasto com a Cenadi mas, segundo a antiga direção da central, os custos anuais do recebimento, armazenagem, distribuição e transporte somavam cerca de R$ 120 milhões em 2018, portanto seriam superiores.

Questionada sobre as críticas, a pasta afirmou que a substituição ocorreu “seguindo os princípios que norteiam a administração pública no processo de readequação da logística” e que a VTCLog/Voetur é uma operadora “com mais de dez anos de atuação no Ministério da Saúde, no que tange ao transporte de fármacos”.

“A pasta busca uma gestão integrada dos processos de logística que compõem toda a cadeia de abastecimento que envolve estrutura, malha aérea, transporte terrestre, aéreo e fluvial, impostos e armazenamento”, disse em nota.

*Com informações da Folha

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