Recontratação de nove bolsonaristas para cargos estratégicos do Ministério das Comunicações é mais um escândalo envolvendo o ministro indicado pelo União Brasil.
Segundo o Estadão, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (MA), indicado para o cargo pelo União Brasil, descumpriu uma determinação do Palácio do Planalto e reconduziu nove servidores que haviam sido demitidos pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O episódio se junta a outros problemas protagonizados por ele, como o uso de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e o pagamento de diárias e hospedagem com recursos públicos, para participar de um leilão de cavalos de raça. Ele também omitiu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022 pelo menos R$ 2,2 milhões em cavalos de raça.
Juscelino também empregou no ministério a irmã do sócio do haras de sua família, onde cria cavalos de raça. Tatiana Marques Gaspar da Silva foi contratada como assessora especial do ministro com salário de R$ 13,6 mil. O ministro foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou.
Num discurso em Santo Amaro, na Bahia, no último dia 14, Lula reforçou que precisava “retirar” os bolsonaristas “infiltrados” nos cargos-chave. Como mostrou o Estadão, o governo petista barrou nomeações como a de uma médica referência em vacinação que iria para o Ministério da Saúde por essa razão.
No dia 1º de janeiro, a Casa Civil, sob o comando de Rui Costa, fez uma exoneração em massa nas Comunicações atendendo a ordem do presidente. Mas, semanas depois, numa operação de Juscelino Filho, nove funcionários que comandaram secretarias e departamentos no governo Bolsonaro foram recontratados por ele em cargos diferentes.
A estrutura do Ministério das Comunicações é composta por três secretarias abaixo de Juscelino Filho. Todas são comandadas por comissionados exonerados pelo governo Lula por terem ocupado cargos de confiança na gestão Bolsonaro. O ministro chamou para ser seu braço direito uma influente comissionada do Ministério do Desenvolvimento Regional, pasta que operou bilhões do orçamento secreto. Sônia Faustino Mendes substituiu Juscelino na chefia da pasta, em fevereiro, durante viagem dele a Portugal.
No governo anterior, Mendes era chefe do Departamento de Estruturação Regional e Urbana do MDR. A então diretora era responsável por analisar projetos, supervisionar obras e gestão de transferências de recursos e estabelecer critérios para priorização de investimentos. Agora é secretária-executiva do Ministério das Comunicações, a número 2 do ministro.
Juscelino Filho foi um dos políticos que mais manejaram recursos do orçamento secreto – esquema de compra de apoio político no Congresso criado durante o governo Bolsonaro. Como deputado do União Brasil, ele direcionou R$ 5 milhões do mecanismo para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA). A propriedade também abriga uma pista de pouso para seu avião particular e um heliponto.
A pasta de Juscelino tem ainda outras duas secretarias: a de Comunicação Social Eletrônica – antiga Radiodifusão – e a de Telecomunicações. Em ambas, Juscelino promoveu uma dança de cadeiras que, na prática, preservou ex-integrantes do governo Bolsonaro do comando da pasta.
Um dos demitidos no primeiro dia do governo do PT, Maximiliano Martinhão era secretário de Radiodifusão na gestão anterior e voltou à pasta como secretário de Telecomunicações. Ele chegou a participar de motociata em apoio a Bolsonaro e registrar em suas redes sociais. O posto era ocupado no governo passado por Nathalia Lobo, que virou agora diretora do Departamento de Política Setorial. Já William Zambelli e Otávio Caixeta eram diretores subordinados de Martinhão. Ambos voltaram à pasta, acompanhando o ex-chefe na mudança para a Secretaria de Telecomunicações, e se tornaram assessores dele.
Por sua vez, Wilson Wellisch passou do comando do Departamento de Política Setorial para o comando da Secretaria de Comunicação Social Eletrônica, um posto ainda mais alto. Outro demitido, Pedro Lucas Araújo voltou ao mesmo cargo de chefe do Departamento de Investimento e Inovação.
O ministro também tem abrigado no ministério indicações do seu grupo político. Como revelou o Estadão, o diretor de radiodifusão não tem experiência na área, mas é sócio do advogado e empresário Willer Tomaz, que tem quatro rádios e uma TV no Maranhão, reduto eleitoral do ministro. Tomaz é amigo e parceiro dos senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Weverton Rocha (PDT-MA). Esse último compadre do ministro e fiador de sua indicação como ministro de Lula.
Na CPI da Covid, Flávio saiu em defesa de Tomaz ao afirmar que ele é “pessoa de sua relação” quando o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, tentou investigar o empresário como forma de provocar o filho de Bolsonaro.
Haras
Além de recontratar ocupantes de cargos de confiança no governo Bolsonaro, o ministro também levou para o ministério a irmã do sócio do haras onde guarda seus cavalos de raça. Conforme revelou o Estadão, o ministro escondeu da Justiça Eleitoral ter 12 cavalos no valor de R$ 2 milhões.
Os animais estão na cidade de Vitorino Freire (MA), no Parque&Haras Luanna. No papel, o haras pertence à irmã do ministro, a prefeita Luanna Rezende, e a Gustavo Marques Gaspar, ex-assessor dele na Câmara. O terreno onde está localizado o empreendimento é do próprio Juscelino, comprado por ele em 1999 por R$ 1 mil da própria Prefeitura da cidade, comandada na época pelo seu pai. A irmã de Gustavo, Tatiana Marques Gaspar da Silva, foi contratada como assessora especial do ministro.
Como mostrou o Estadão, Juscelino Filho usou avião da FAB e recebeu R$ 3 mil de diárias do governo para uma agenda majoritariamente privada em São Paulo dedicada aos seus cavalos. O valor foi depositado porque o ministro informou ao governo que passaria quatro dias no Estado e que era uma viagem “urgente”. Do período, três dias foram dedicados aos equinos. Ontem, após a reportagem, Juscelino admitiu que só tinha agenda em dois dias e devolveu o dinheiro.
Os feitos do ministro
Numa série de reportagens, o Estadão revelou que o ministro destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda e à sua pista de pouso privada, em Vitorino Freire (MA). A obra é feita por uma empresa investigada pela Polícia Federal por supostamente pagar propina a servidores federais para obter obras no Maranhão. O servidor da Codevasf que autorizou a obra e é indicado do grupo do ministro está afastado por receber propina da empresa. Ele está proibido de entrar na sede da companhia.
A cidade comandada pela irmã do ministro tem mais de R$ 36 milhões em contratos com pelo menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro das Comunicações. Todas as firmas intensificaram os negócios a partir de 2015, quando Juscelino assumiu pela primeira vez uma cadeira de deputado. Na segunda semana como ministro, Juscelino recebeu empresário beneficiados com verbas direcionadas por ele no ministério.
O Estadão também mostrou que, ao prestar contas da campanha à reeleição de deputado, Juscelino Filho apresentou dados falsos ao TSE. Para justificar o uso de verba pública com voos de helicóptero, ele incluiu como passageiros de 23 voos “três cabos eleitorais”. O Estadão identificou, porém, que os nomes apresentados por ele são de um casal e de uma filha de dez anos. A família é de São Paulo e afirma não conhecer o político.
Explicações
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira, 2, que, se Juscelino Filho não conseguir comprovar sua inocência, não poderá continuar no governo. Em entrevista à BandNewsFM, o petista disse que convocou Juscelino para uma reunião na segunda-feira, 6, assim que o ministro chegar do exterior, para que possa definir o futuro de seu subordinado.
“Eu tentei essa semana conversar com o Juscelino, o ministro Juscelino está viajando, está no exterior a serviço do ministério, discutindo num encontro de telecomunicações. Eu já pedi para o [ministro da Casa Civil] Rui Costa para convocar ele para segunda-feira para a gente ter uma conversa porque ele tem direito de provar sua inocência. Mas se ele não conseguir provar sua inocência, ele não pode ficar no governo. Eu garanto a todo mundo a presunção de inocência”, afirmou Lula.
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