“Relação da Lava Jato com a Transparência Internacional, que previa administrar bilhões de reais, deve ser passada a limpo”, escreve Aquiles Lins.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou investigar se a ONG Transparência Internacional recebeu e administrou dinheiro de multas pagas em acordos firmados pela operação Lava Jato. Na decisão, o ministro do STF Dias Toffoli entendeu ser “duvidosa” a criação e fundação de uma entidade cuja finalidade era gerir recursos de pagamento de multa a autoridades brasileiras, especialmente as da operação chefiada por Deltan Dallagnol. Segundo Toffoli, a colaboração da ONG na Lava Jato não passou pelo Poder Judiciário e Tribunal de Contas da União (TCU). “Segundo apontam as cláusulas do acordo, ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional, ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais alienígena e com sede em Berlim”, afirmou o ministro.
Foi o suficiente para veículos da mídia corporativa brasileira, que apoiaram integral e acriticamente todas as ilegalidades da Lava Jato, saírem em defesa da ONG. Colunistas do Globo, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo foram para cima do ministro do STF. Eliane Cantanhêde, Vera Magalhães, Carlos Andreazza, Joel Pinheiro da Fonseca e outros, todos com histórico de apoio ao lavajatismo, redigiram colunas ou posts nas redes sociais enquadrando Toffoli como vilão contra uma ONG, cujo crime foi tão somente ajudar Deltan Dallagnol, Januário Paludo, Carlos Fernando Lima e companhia da “força-tarefa” numa batalha épica contra a corrupção. Além dos advogados na mídia, a própria TI se manifestou em nota, negando ter cometido qualquer irregularidade.
Noves fora a suspeição de veículos e jornalistas que estiveram ao lado da Java Jato em defendê-la, a decisão de Dias Toffoli não veio do nada. Os críticos do ministro fazem cara de paisagem sobre as ligações nada translúcidas entre a ONG e a força-tarefa, reveladas pelas mensagens da operação Spoofing. A extensa troca de mensagens entre Deltan Dallagnol e o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, mostram que o procurador recorria ao diretor da TI quando a imagem da operação estava em perigo ou quando queria promovê-la.
No dia 8 de junho de 2017, Brandão fez a seguinte sugestão para Dallagnol: “Deltan, talvez uma boa ideia seria vcs criarem uma espécie de fundo para distribuir mini-grants para iniciativas de controle social e de prevenção da corrupção. A TI pode ajudar a operacionalizar isto. Seria uma mensagem muito positiva da FT-LJ também…” No ano seguinte, em 2018, a ONG assinou um memorando com o Ministério Público Federal e com a própria J&F para ajudar na gestão e na execução de nada menos do que R$ 2,3 bilhões em multas, determinados pelo Lava Jato-TI para investimentos em projetos sociais. Além disso, a ONG teve acesso e sugeriu alterações na minuta que criaria uma fundação para a administração dos recursos recuperados pela operação provenientes de multas impostas à Petrobras. Em setembro de 2018, a Petrobrás firmou acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para indenizar investidores supostamente lesados com os desvios apurados na Lava-Jato. Esse acordo previa que 20% da multa paga pela Petrobrás ficaria nos Estados Unidos e os outros 80% ficariam no Brasil, o que corresponde a R$ 2,5 bilhões. Em 2019, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a farra bilionária.
Há vários outros diálogos entre Dallagnol e Brandão, convenientemente não lembrados pelos veículos da mídia corporativa. Até a própria operação Spoofing, que revelou ao mundo o conluio que se deu contra o devido processo legal, a perseguição deliberada contra os governos do PT e seus principais líderes, é mencionada ‘en passant’ pelos portais. O fato imperativo pelo qual a decisão do ministro Toffoli deve ser aplaudida é que a Lava Jato precisa ser passada a limpo. É um gesto mínimo que o Judiciário deve ao país, depois de tanta perseguição, destruição política e econômica que foram provocadas ao arrepio da lei por esta sanha de ‘combate à corrupção’. O Brasil perdeu R$ 172,2 bilhões em investimentos entre 2014 e 2017, 4,4 milhões de empregos, deixou de arrecadar R$ 50 bilhões em impostos e expressivas cadeias que movimentavam a economia, como construção civil, engenharia, petróleo e gás e naval foram seriamente desestruturadas com a Lava Jato, segundo estudo do Dieese. Sem a correta investigação das ilegalidades, responsabilização de seus agentes e uma reformulação legal na atuação do Ministério Público, outras Lava Jatos já podem estar em gestação. Pelo menos no que depender da mídia corporativa.
*Aquiles Lins/247