Administrado por aliado do ministro da Casa Civil, FNDE destina 75% de leva recente de repasses a cidades geridas por sigla do Centrão.
No dia 23 de novembro, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, abriu as portas de seu gabinete no 4º andar do Palácio do Planalto para receber um grupo de prefeitos. Entre eles estava Fabio Macedo (PP), de Betânia, no Piauí, seu reduto eleitoral. Oito dias depois, em 1º de dezembro, o município recebeu R$ 245 mil do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para comprar um caminhão frigorífico, utilizado para transportar merenda escolar. Dinâmica semelhante ocorreu com Corinto Matos (PP), de Marcolândia. Ele foi a Brasília para se encontrar com Nogueira no dia 14 de dezembro e, uma semana depois, foi contemplado pelo FNDE.
Sob o comando de um afilhado político de Nogueira, o FNDE destinou R$ 4,1 milhões à aquisição de caminhões para 17 municípios. Desse montante, R$ 3,1 milhões (75%) beneficiaram 14 cidades comandadas por prefeitos do PP, o mesmo partido de Nogueira, sendo que nove delas ficam no Piauí.
O FNDE está nas mãos de apadrinhados do Centrão. O órgão tem na presidência Marcelo Ponte, que foi chefe de gabinete de Ciro Nogueira. Além disso, parte dos prefeitos agraciados se reuniu com o chefe da Casa Civil pouco tempo antes de suas cidades receberem os veículos. A distribuição de caminhões frigoríficos é garantida pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Eles são utilizados para transportar os alimentos até as escolas, que muitas vezes ficam distantes do local em que gêneros perecíveis são produzidos.
Grande parte das aquisições no FNDE ocorre por meio de atas de registro de preço, instrumento pelo qual a cidade se mostra interessada num equipamento com preço e fornecedor já preestabelecidos pelo Fundo e o adquire com recursos próprios, ou seja, do erário municipal. No caso das cidades governadas por aliados de Nogueira, o FNDE executou a compra dos caminhões e os repassou. Esse dinheiro foi destinado pelas chamadas emendas de relator, do orçamento secreto. Trata-se de um mecanismo em que o parlamentar pode destinar verbas da União para a localidade que desejar sem ser identificado. Cabe ao FNDE escolher, a seu critério, a demanda de quais congressistas vai atender.
Segundo dados de sistemas do próprio órgão e do Portal da Transparência do governo federal, todas as liberações para essas cidades aconteceram nos últimos seis meses, entre outubro de 2021 e março deste ano. O GLOBO cruzou os dados das datas da liberação dos valores com a agenda de Ciro Nogueira. Chefes dos Executivos municipais beneficiados foram recebidos pelo ministro no Palácio do Planalto. Corinto Matos, de Marcolândia, comemorou:
— Chegou em dezembro do ano passado o caminhão. É essencial para condicionar a merenda, as verduras.
O ministro também costuma se reunir com prefeitos em seu estado; parte deles foi agraciada com caminhões. Em 4 de dezembro, por exemplo, Nogueira esteve em Tanque e Oeiras, no Piauí. Em menos de 15 dias, as duas cidades receberam o repasse do FNDE. Em 8 de novembro, esteve em Corrente, cuja ordem de pagamento foi registrada no dia 26 do mesmo mês.
Políticos que ficaram fora da lista de escolhidos pelo FNDE se queixam da falta de atenção do governo federal. É o caso de José Ribeiro da Cruz Junior (PSD), prefeito de Água Branca, em Alagoas, que aguarda um caminhão frigorífico como os que foram distribuídos à fartura no Piauí.
— Nosso cadastro foi feito lá atrás, em 2019, para ter acesso a esse caminhão. Nosso município é um polo de estudantes de outros 30 municípios. Esse caminhão seria fundamental para atender às escolas. É lamentável que o governo esteja liberando esses veículos apenas para prefeitos de alguns partidos, ignorando aqueles que lutam por esse equipamento há anos — afirma.
Desde que assumiu o ministério, em agosto do ano passado, Nogueira demonstra uma relação próxima com o FNDE. Um mês depois de chegar ao governo, ele organizou no Piauí uma reunião de prefeitos locais com técnicos do Fundo, que recebiam demandas de cada um deles. O ato contou com a presença do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, que deixou o posto envolto em suspeitas de irregularidades na pasta, e de Marcelo Ponte. Nogueira fez questão de discursar na ocasião.
— (Os prefeitos do Piauí) Não vão de forma nenhuma, por conta dessa minha ausência (no estado), sentir esse efeito. Vão sentir muito mais minha presença, do meu trabalho, das minhas ações, como sempre receberam — disse o ministro.
Procurados pela reportagem, tanto o FNDE quanto o ministro da Casa Civil não responderam aos questionamentos.
*Com O Globo
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