Enxergar antes, seja por meio de instrumentos objetivos de aferição, seja pela intuição — que, nas boas cabeças, decorre sempre de uma soma-síntese de saberes, não da intervenção divina —, tem lá os seus contratempos. Aconteceu com o Datafolha. Quando, em 12 de maio, o instituto afirmou que Luiz Inácio Lula da Silva marcava 41% na simulação de primeiro turno, e Jair Bolsonaro, 23%, houve arrastar de correntes e ranger de dentes. Estava, vamos dizer assim, um pouco fora da curva. No dia 25 de junho, o Ipec, comandando pela competente Márcia Cavallari, apontou 49% para o petista, o que lhe permitiria vencer no primeiro turno, e 23% para o atual presidente. Aí o mundo desabou.
No mais recente Datafolha, com dados colhidos nos dias 7 e 8 de julho, o ex-presidente aparece com 46%, e o atual, com 25%. Agora, são poucas as pesquisas que divergem desse patamar. E todas também convergem ao apontar a franca deterioração da avaliação do governo Bolsonaro e da percepção que têm as pessoas de suas qualidades pessoais e políticas para liderar o país.
Hoje, é visível, o governo derrete. E, como se nota, o chefe não se esforça para mudar de rumo. Ao contrário: passou a ameaçar o país com um golpe do Estado, escudando-se num ministro da Defesa que tem a ousadia de tornar pública uma nota golpista, assinada também pelos três comandantes militares. É pouco provável que isso contribua para mudar a percepção que a maioria dos brasileiros tem do governo.
CORRUPÇÃO E LUGAR DOS MILITARES
Nada menos de 70% dos brasileiros acreditam que há corrupção no país, e 63% a veem particularmente na Saúde. Estão convencidos de que Bolsonaro sabia de tudo 64%. São dados da mais recente pesquisa Datafolha. Há um outro dado relevante: os brasileiros começam a se dar conta, porque assim são os fatos, da atuação dos militares no desgoverno em curso. São 58% os que que dizem que eles não deveriam participar da administração. Para 62%, não podem participar de atos políticos — a exemplo da manifestação golpista a que o estupefaciente Eduardo Pazuello compareceu no dia 23 de maio de 2021.
A pesquisa aponta ainda que a maioria dos brasileiros considera o presidente desonesto, falso, autoritário, incompetente, despreparado, pouco inteligente e indeciso. Já escrevi a respeito do assunto hoje, mas não resisto: é esse o candidato a liderar um autogolpe, com o suposto apoio das Forças Armadas no Brasil? Ora…
INCAPACIDADE
Em abril de 2020, apontava o Datafolha, já era maior o número dos que achavam que Bolsonaro não tinha capacidade de liderar o Brasil: 49% a 45%. Em março deste ano, o juízo negativo teve um salto: 56%, caindo para 42% os que o viam como capaz. Em maio, o placar contra ele era 58% a 38%. Neste mês, devastadores 63% a 34%. E confesso que tenho certa curiosidade sobre os critérios que norteiam esses 34%… Não deixa de ser um número surpreendente, não é mesmo? Capaz em quê?
A eleição ainda está longe, é verdade. Será que isso pode mudar? Inexiste bola de cristal. Conta a favor do governo a volta do crescimento — que, por óbvio, está menos ligada a ações oficiais do que à dinâmica da própria economia. Mas, como aqui já se disse, até que melhorias cheguem efetivamente aos mais pobres, vai demorar. A inflação de alimentos, esta sim, vem atormentando os lares. E o governo não tem resposta para isso no curto prazo.
A campanha eleitoral pode mudar essa percepção? Bem, dependesse de Bolsonaro, nem campanha haveria porque, como se constata, ele defende abertamente um golpe. Mas não creio que vá ser bem-sucedido.
Há uma questão a considerar, não é? Bolsonaro vive em permanente estado de campanha. A novidade, quando chegar a hora pra valer, será o discurso eleitoral de seus adversários. O presidente já é a estrela principal de uma formidável máquina de “fake news” que nunca deixou de atuar. É uma cornucópia de ofensas a adversários de sempre e da hora, alheio a quaisquer fundamentos institucionais. Mesmo sendo ele, resta pouco espaço para ofensas novas. Ele foi se revelando e se desnudando nestes pouco mais de dois anos e meio de poder.
TODO CUIDADO AINDA SERÁ POUCO
Como sabem, não tenho receio de golpe. Ou melhor: tenho, claro!, como toda pessoa sensata que assiste à desordem na lama da insensatez. Na hipótese remota de que houvesse, não se sustentaria. Temos de ficar atentos, isto sim, a eventos artificiais que a maquinaria do capeta pode intentar para desviar a eleição do seu curso. Não faltam loucos à solta, como resta evidente.
O cenário pode mudar? Haverá só uma alternativa da chamada “terceira via”? Mais de uma? Com qual discurso? Existe migração possível do eleitorado de Lula para ela? E da base de Bolsonaro para esse nome ou nomes? Bolsonaro vai tentar recuperar os mesmos fantasmas de 2018? Saberemos a seu tem.
Uma coisa está clara desde já: Bolsonaro enxerga na desordem o único caminho que, na sua cabeça, pode tornar o seu nome viável. Ocorre que a desordem que ele prega e a herança maldita de seu governo, da qual não conseguirá se livrar com facilidade, contribuem para a sua derrocada.
*Reinaldo Azevedo/Uol
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