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E o guerreiro Mujica se despede

O ex-presidente José “Pepe” Mujica, de 89 anos, revelou que o câncer de esôfago que enfrenta desde 2024, se espalhou por todo o seu corpo. Em entrevista ao site uruguaio Búsqueda, Mujica relatou que sofre de um tumor no fígado.

“O câncer no esôfago está se espalhando em meu fígado. Não consigo impedir isso com nada. Por quê? Porque sou uma pessoa idosa e tenho duas doenças crônicas. Não posso passar por tratamento bioquímico ou cirurgia porque meu corpo não aguenta”, disse.

Na entrevista, Mujica também afirmou: “O que eu peço é que me deixem em paz. Não me peçam mais entrevistas nem nada.”

“Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo.E o guerreiro tem direito ao seu descanso”, disse Mujica.

Mujica anunciou câncer em abril de 2024
O ex-presidente divulgou o primeiro diagnóstico de câncer durante uma coletiva de imprensa em abril de 2024. Mujica foi diagnosticado ao fazer um check-up. Quando anunciou o diagnóstico de câncer, Pepe Mujica avisou que o tratamento seria ainda mais complicado por uma doença imunológica que enfrenta há mais de 20 anos.

Após passar por 32 sessões de radioterapia, Mujica disse que não faria nenhum outro tratamento e revelou que pediu aos médicos que não o fizessem “sofrer às custas da família”. Desde o diagnóstico em abril o ex-presidente passou por internações e por uma cirurgia no esôfago no final de dezembro.

Ele tem vivido recluso em seu sítio, em Rincón del Cerro, zona rural de Montevidéu, capital do Uruguai. No local tem recebidos veículo de impressa e aliados políticos.

Pepe Mujica, um herói latino-americano
José Alberto “Pepe” Mujica Cordano nasceu em Montevidéu, 20 de maio de 1935. Agricultor, Mujica é casado desde os anos 70 com a também ex-militante tupamaro Lucía Topolansky. Cultiva flores e hortaliças em sua chácara em Rincón Del Cerro, na zona rural de Montevidéu.

Aos 21 anos, começou a militar no Partido Nacional, onde chegou a ser secretário-geral da Juventude. Em 1962, foi um dos fundadores da frente Unión Popular, com o Partido Socialista uruguaio e outros agrupamentos de esquerda.

Ainda na década de 1960, integrou-se ao Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros e entrou para a luta armada. Participou de operações de guerrilha, nas quais chegou a ser ferido por tiros das forças repressivas. Preso por quatro vezes, conseguiu fugir duas vezes da prisão.

Sua última prisão, em 1972, durou até a redemocratização uruguaia em 1985. A ditadura militar uruguaia manteve Mujica, entre outros dirigentes dos Tupamaros, por 11 anos como reféns, caso a organização retomasse o enfrentamento pelas armas. Foi liberto pela Lei de Anistia de 1985.

Retomou as atividades políticas como um dos fundadores do Movimiento de Participación Popular (MPP), agrupamento que pertence à Frente Ampla e reúne partidos e movimentos de esquerda. Em 1994, foi eleito deputado por Montevidéu e, em 1999, senador. Em 2005, tornou-se ministro da Agricultura de Tabaré Vazques.

Em 25 de novembro de 2009, Mujica venceu as eleições para a Presidência do Uruguai, com uma plataforma declaradamente socialista. Na Presidência, definiu como prioridade a erradicação da miséria e a redução da pobreza em 50%.

Seu mandato se caracterizou por leis progressistas, como a da descriminalização do aborto, as leis relativas aos direitos LGBT (casamento, adoção e ingresso nas Forças Armadas) e da legalização da maconha.

Outra característica de seu mandato foi o despojamento pessoal: Mujica doava 70% de seu salário como presidente para a Frente Ampla, e também a um fundo para construção de moradias. Um dos símbolos de seu estilo de vida é seu Fusca Azul, de 1987, no qual já deu carona para seu amigo pessoal, o também presidente Lula.

Foi presidente do Mercosul 2013. Juntamente com outros líderes de esquerda da América Latina, foi um dos fundadores do Grupo de Puebla, criada no México em 12 de julho de 2019.

Recebeu um doutorado honoris causa pela Universidade Federal de Pelotas em 2024 e Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Foi tema do documentário “El Pepe, Uma Vida Suprema”, do cineasta Emir Kusturica, que ganhou prêmio no Festival de Veneza de 2018.

*ICL

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Economia

Bresser, a luta incessante do guerreiro

Luis Nassif*

Luiz Carlos Bresser Pereira está com 89 anos, e com a mesma vontade adolescente de mudar o país. No almoço que tivemos, ousei mais uma vez tentar levantar parte de sua história. Em vão. Seu único tema é o futuro, a esperança persistente em um país que não se realizou. Recusa-se terminantemente a aceitar o fracasso de sua geração e de todas as gerações posteriores. O Brasil ainda há de dar certo.

Recentemente, foi convidado por uma editora inglesa para publicar mais um livro sobre um tema que o assombra há décadas: a semiestagnação brasileira.

Situa o fenômeno em dois momentos históricos.

Queda da poupança pública, que acontece desde os anos 80. Na época, com o país quebrado pela alta do petróleo e dos juros, o então Ministro da Fazenda Delfim Neto utilizou as estatais para fechar as contas externas. Resultou em um enorme endividamento que inviabilizou parte relevante delas.
A partir dos anos 90, a liberalização comercial e financeira, que colocou o pais na armadilha da chamada doença holandesa, quando um pais exporta tanta commodities que o câmbio se aprecia matando a competitividade dos produtos manufaturados.
Recorda-se de um livro de 1977 que já alertava para a armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado.

Aliás, é incompreensível que parte do economistas desenvolvimentistas passaram a minimizar a influência do câmbio na economia. Câmbio é preço na veia; e preço é a variável essencial para garantir a sobrevivência de indústrias em economias periféricas.

Até 1980, o Brasil utilizava tarifas de importação elevadas, de 45% na média. Em 1967 Delfim encontrou uma gambiarra para estimular as exportações: a criação do crédito-prêmio, com um subsídio implícito de 45%. Foi o que permitiu que os manufaturados brasileiros saíssem mundo a fora, conquistando mercados.

Quando veio a abertura econômica, nos anos 90, a tarifa média de importações caiu de 45% para 12%, os subsídios zeraram e a indústria deixou de competir internacionalmente.

O país entrou em uma armadilha complexa, com a estratégia de contemporizar com o mercado, embora a correlação de forças políticas talvez não permitisse ousadias.

Com o arcabouço fiscal, matou-se a possibilidade de trazer o investimento público para o nível de 5% do PIB; com o câmbio apreciado, o investimento privado também não vem.

E faz uma relaçào interessante com as oportunidades abertas pelas crises econômicas. Em 2002, com a crise cambial – fruto dos erros de Armínio Fraga à frente do Banco Central – houve enorme desvalorização cambial, que poderia ter sido aproveitada por Lula para o grande salto de industrialização. Mas, assumindo, o governo passou a apostar em um câmbio progressivamente apreciado, para obter frutos políticos do lado do controle da inflação.

Em 2008, o grande salto brasileiro foi devido à crise internacional, que promoveu uma maxidesvalorização do real. Não fosse a crise, provavelmente o país teria quebrado antes do final do ano, devido aos efeitos da apreciação do real sobre as contas externas.

De 2014 para cá o país entrou em uma crise continuada, da qual só está saindo agora, coma arrumação realizada por Haddad. Só que, com economia arrumada, aumenta a confiança do investidor financeiro, os dólares voltam a entrar e o câmbio se aprecia novamente.

Bresser tem uma explicação para o apoio dos economistas de mercado ao câmbio apreciado. Seu referencial de remuneração é o dólar. Quando o câmbio se aprecia, aumenta sua remuneração – quando convertida em dólares -, e vice-versa. E o câmbio apreciado depende de taxas de juros reais elevadas. Assim, o modelo permite ganhos nas duas pontas: na remuneração do seu capital, em reais; e na conversão deles, em dólares.

A proposta de Bresser é de uma reforma tarifária com duas tarifas. Uma normal e uma tarifa especial única para produtos produtivamente sofisticados.

A tarifa normal seria a Tarifa de Neutralização da Doença Holandesa.Haveria um acompanhamento dos preços internacionais de commodities exportadas pelo país. Quando as cotações estão baixas, seria tarifa zero. Com alta das commodities, subiria até certo ponto.

E, aí, Bresser repetiria a lição de Franco Montoro: se tiver uma proposta simples, mas com resultados, repita, repita, até que entre na mentalidade econômica nacional, seguidora de fórmulas sofisticadas ilógicas,

*GGN

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