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O que as procuradoras Janice Ascari e Livia Tinoco, da Lava Jato, falaram da ministra Carmen Lúcia

Mulheres com projeção na política nacional eram alvo frequente de comentários machistas nos grupos de procuradores.

Ainda que Gilmar Mendes fosse o ministro do Supremo Tribunal Federal mais criticado nos grupos, Cármen Lúcia, então presidente do STF, recebeu os comentários mais ultrajantes. Em uma conversa, especulam sobre sua vida pessoal e o fato de não pintar o cabelo.

Livia Tinoco: Cármen Lúcia é franciscana. Mulher simples. De muita renúncia. Não tem filho para sustentar.

Janice Ascari: Nem gasta com cabeleireiro.

Lívia Tinoco: Nem com dentista. Tem uns dentes horríveis, Amarelos e tortos. Mereciam uma lente pra ajudar um pouco o sorriso. […] Já passou da hora de fazer um preenchimento e um botox

Janice Ascari: hahahahahahaha

Wellington Saraiva: Alguém sabe se é casada, já casou, teve união com qualquer nível de estabilidade e se tem filhos? Não que isso tenha relevância profissional, mas tem…

Lívia Tinoco: Eu gosto tanto da Cármen Lúcia. Acho ótima magistrada. Mas em matéria de cuidados corporais ela é péssima. Parece até ser anti-higiênica.

Janice Ascari: Galega, pegou pesado hahaha

Luiz Lessa: A quantidade de publicações indica que ela não teve tempo para romance.

No dia 24 de junho de 2015, o assunto era o famoso discurso em que Dilma saudou a mandioca (como item essencial da alimentação em território do povo brasileiro). A frase virou piada e deu munição a toda sorte de ironia. Ailton Benedito de Souza cravou: “Deve estar sempre sonhando acordada com a mandioca.”

Preconceitos de origem também surgiram depois da reeleição de Dilma Rousseff, puxada especialmente por votos da região Nordeste. Em julho de 2015, Benedito de Souza, mesmo em meio a colegas de todas as regiões do país no grupo, escreveu: “Por isso que não tenho pena dos nordestinos […] Quando os vejo sofrer pelas suas desgraças, considero-as merecidas.” Vladimir Aras, nascido em Salvador e integrante do Ministério Público Federal em Brasília, rebateu: “Menos, Ailton, menos.” Souza arrematou: “Apenas consequências das próprias escolhas, que somos todos livres para fazer.”

Em abril de 2016, o assunto foi o discurso de Janaína Paschoal na USP. Peterson de Paula Pereira disse: “Constrangedor… Caso de internação. Tivesse ali pulava em cima e chamava ambulância.” Helio Telho, fazendo joça, exclamou: “Pet, confesse. Você está querendo se perder com a Janaina!” Em seguida, Vladimir Aras elocubrou: “Imagina o marido dessa mulher como sofre.” Janice sugeriu: “Ela podia se candidatar a deputada. Ganhava fácil e as sessões iam ser bem divertidas. Podiam até criar a Bolsa Rivotril.”

Alvos da Lava Jato eram tema de piada. A procuradora Laura Tessler, de Curitiba, escreveu: “Diz que o sítio é mesmo do Lula. A primeira foto mostra uma 51!!!” Depois da prisão coercitiva de Lula, Luiz Lessa repetiu uma das troças que circulavam na internet: “Finalmente as piadas falando que o Lula é analfabeto vão acabar. Hoje Lula entrou na Federal!!” O próprio Lessa, no dia seguinte, chamou a falecida esposa de Lula, Marisa Letícia, “de tribufu do inferno stalinista”.

A piauí pediu entrevista a todos os procuradores citados, diretamente ou por meio da assessoria de imprensa do Ministério Público Federal, mas apenas Telho, Saraiva e Robalinho falaram com a reportagem.

As conversas relatadas acima estão entre as mensagens que integram o acervo da Operação Spoofing, deflagrada pela Polícia Federal em julho de 2019. O objetivo dessa operação foi investigar o vazamento de contas de Telegram mantidas por participantes da Lava Jato, um escândalo que ficou conhecido como Vaza Jato. Divulgados em primeira mão pelo site Intercept Brasil, os lotes de mensagens vazadas por um hacker mostraram que os procuradores da Lava Jato – com Deltan Dallagnol à frente – faziam combinações com o então juiz Sergio Moro. Eles trocavam informações e acertavam planos de ação.

No final do ano passado, a reportagem da piauí teve acesso ao conteúdo integral das mais de 952 mil mensagens enviadas e recebidas pelo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, entre maio de 2014 e abril de 2019. Com base nelas, foi publicada uma reportagem na edição de março da revista, que pode ser lida aqui, sobre as táticas e motivações de Dallagnol na operação.

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*Revista Piauí