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Desumano: Bolsonaro corta medicamentos para tuberculose e tratamento de crianças é reduzido em São Paulo

Emails internos da Secretaria Municipal da Saúde revelam redução de até 60% no fornecimento de remédios para tuberculose pelo Ministério da Saúde.

O tratamento de pessoas com tuberculose está em risco na capital paulista. Emails internos da Secretaria Municipal da Saúde da gestão Bruno Covas (PSDB), obtidos pela RBA, revelam que o governo Bolsonaro reduziu o repasse de medicamentos para combate da infecção em quase 60%. Em consequência, a prefeitura de São Paulo orientou a rede de saúde a não iniciar nenhum novo tratamento de tuberculose latente em crianças. “A prioridade serão as crianças em tratamento de tuberculose ativa. Como medida imediata estão suspensos todos os novos tratamento de ILTB com esquema de Rifampicina em crianças”, informou Mariangela Medina Brito, da equipe técnica do Programa Municipal de Controle de Tuberculose.

A Rifampicina suspensão é o medicamento mais eficiente no tratamento da infecção latente de tuberculose (ILTB) em crianças menores de 10 anos e idosos. Uma tabela constante das mensagens revela que foram entregues apenas 2.500 frascos dos 4 mil necessários para atendimento às crianças com tuberculose latente na capital paulista. Além disso, os quatro medicamentos que compõem o tratamento inicial da tuberculose – feito nos primeiros dois meses – também foram entregues em quantidades abaixo das necessidades. Dos 600 mil comprimidos programados para entrega pelo Ministério da Saúde, a prefeitura recebeu 377.910 – déficit de 222.090 comprimidos.

Os documentos indicam que não há prazo para regularização dos estoques pelo Ministério da Saúde. “O CVE PECT (Coordenador de Vigilância Epidemiológica) está sinalizando que teremos solução de continuidade no abastecimento de Rifampicina suspensão. A informação foi confirmada por telefone por técnico do MS (Ministério da Saúde). A grade de entrega para a proxima programação já foi liberada com corte de mais 60% do que haviamos programado com a assistencia farmacêutica”, escreveu Mariangela.

A entrega de medicamentos é relativa aos meses de setembro, outubro e novembro desse ano. As mensagens foram encaminhadas pela equipe da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), que coordena o programa de tuberculose, entre a sexta-feira (13) e a segunda-feira (16). Poucos dias depois do Ministério da Saúde comemorar nas redes sociais que o “Brasil vai liderar a estratégia de luta mundial contra a tuberculose”. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vai assumir a presidência do programa StopTB, parceria da ONU para eliminação da tuberculose, em dezembro desse ano.

As orientações do Programa Municipal de Controle da Tuberculose foram encaminhadas para todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Atenção Psicosocial (Caps) da cidade. No entanto, a Covisa deixou claro que ainda não há plano de atendimento emergencial caso a situação se agrave. “Aguardamos orientações do Programa Nacional a respeito de como iremos proceder com os casos já com tratamento iniciado caso o desabastecimento se mantiver”, escreveu Mariangela.

O ex-ministro da Saúde Artur Chioro avalia a situação como extramente grave. “É um verdadeiro desastre, uma irresponsabilidade, deixar faltar ou diminuir a previsão de medicamentos para o tratamento da tuberculose. A redução da oferta do medicamento que tem as quatro substâncias para o tratamento inicial da tuberculose, por si só é um desastre, porque ela pode resultar na interrupção do tratamento. Mas pior ainda é esse corte na oferta da Rifampicina suspensão, que é utilizada na infecção latente por tuberculose. Combater a infecção latente, mesmo que a pessoa não apresente sintomas, é uma forma eficaz de interrupção da cadeia de transmissão”, explicou.

Roberta Sales, doutora em Pneumologia pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Ambulatório de Pneumologia do Hospital das Clínicas, explicou que a Rifampicina é o melhor medicamento para tratamento da tuberculose em recém-nascidos, crianças, idosos e grupos de risco. E é o que garante um tratamento de seis meses. Para ela, a situação relatada nos e-mails revela um quadro bastante preocupante.

Reprodução/RBA

Organização Mundial da Saúde tem meta de erradicar a tuberculose. E a maneira mais eficaz de fazer isso é identificar as infecções latentes e tratá-las. Se for algo pontual, não é tão assustador. O mais importante seria saber quanto tempo isso vai durar e o que vai ser feito”, disse a especialista. Mas, até o momento, essa informação não existe. A Secretaria Municipal da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O Brasil registra cerca de 70 mil novos casos de tuberculose a cada ano, que resultam em aproximadamente 4.500 mortes. Em setembro de 2018, o Ministério da Saúde publicou novo protocolo de combate à doença, que define o uso prioritário da Rifampicina como medicamento no tratamento de recém nascidos e de crianças que convivem com casos confirmados da doença. Além de pessoas com HIV, insuficiência renal crônica, câncer e pré-transplante de órgãos. A OMS estima que 25% da população mundial está infectada com o bacilo da tuberculose.

A infecção por tuberculose pode ter dois desenvolvimentos. Se o organismo da pessoa estiver fragilizado, tende-se a desenvolver a forma aguda da doença, que, se não tratada, pode levar a morte. Mas se o organismo está saudável, o bacilo é neutralizado e se aloja em algum ponto do organismo, esperando um momento de fragilidade para atacar – chamada de infecção latente. Nesta forma, a doença pode ficar adormecida por muitos anos. Crianças, idosos, pessoas com imunodeficiências, transplantadas e em tratamento de câncer são as mais sensíveis à doença.

O tratamento da doença é feito por, pelo menos, seis meses. Nos primeiros dois meses, os pacientes recebem quatro medicamentos. Nos outros quatro meses, recebem dois medicamentos. Como o tratamento não pode ser interrompido, sob risco de agravamento do quadro, os casos são monitorados diariamente pelas Unidades Básicas de Saúde, que entregam o medicamento diretamente ao paciente.

Em nota, o Ministério da Saúde negou a falta de medicamentos para o tratamento da tuberculose no país, e informou que o repasse para as prefeituras é feito pelos governos estaduais, e não diretamente pelo ministério. “Dos 20 medicamentos atualmente fornecidos para o tratamento da Tuberculose, apenas uma apresentação (Pirazinamida 30mg/ml, suspensão oral) encontra-se desabastecida. Esse medicamento, usado na pediatria, tem um único produtor no Brasil, o Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM) que, no final de 2018, suspendeu a produção por problemas identificados no controle de qualidade.”

 

*Com informações da Rede Brasil Atual

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Vídeo: Gatilho para o suicídio; quando a polícia adoece

Epidemia dentro de quartéis e delegacias, as doenças mentais são gatilho para suicídio de responsáveis pela segurança pública.

Uma bala alojada na medula tirou não apenas o movimento das pernas mas também a vontade de viver do soldado reformado da Polícia Militar de São Paulo (PMSP) Júlio César da Silva. Há 15 anos, ao tentar evitar um assalto, ele entrou em confronto com bandidos. Foi baleado em sua última missão oficial como agente da lei, pois o dano irreversível na coluna o deixou dependente de cadeira de rodas para sempre.

O diagnóstico de paraplegia veio acompanhado de uma depressão profunda. Trancado em um quarto escuro, sem se alimentar adequadamente e dormindo somente à base de fortes remédios, ele tomou a decisão radical de se matar. Com a arma em punho apontada para a têmpora, cão acionado e dedo no gatilho, Júlio César desistiu ao lembrar da filha, à época com 1 ano e 8 meses.

“Não gosto de recordar dessa passagem da minha vida. Mas estou aqui para provar que é possível superar esse sofrimento terrível”, declara o praça. Ele, além de reformado na PM paulista, dá expediente no almoxarifado de uma empresa de transporte.

Ao mergulhar em um estado de prostração que quase o levou ao autoflagelo, Júlio César ingressou nos quadros de uma tropa formada por milhares de policiais país afora que adoece silenciosamente. Tabu nas forças de segurança, a depressão nos quartéis e nas delegacias é mais associada à fragilidade do que tratada como doença.

Com vergonha de pedir ajuda, muitos agentes, praças, oficiais e inspetores das mais diversas instituições ligadas ao braço armado do Estado não conseguem vencer o mal sozinhos e acabam se matando.

 

Entre 1999 e 2018, cometeram suicídio 47 agentes e delegados da Polícia Federal. Se fosse um país, a instituição estaria nas primeiras posições do ranking de suicídios, considerando a quantidade de óbitos dessa natureza proporcionalmente comparada ao efetivo, de acordo com o estudo O Trabalho e a Saúde dos Policiais Federais: Análise Clínica do Prazer e do Sofrimento, encomendado pelo Sindicato dos Policiais Federais no DF (Sindpol/DF) a duas psicólogas da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, são 5,8 suicídios a cada grupo de 100 mil habitantes. Somente na PF, a média sobe para 36,7. No mundo, 14 pessoas se matam a cada 100 mil, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Estresse, desestímulo, jornada excessiva de trabalho e perseguição eram queixas presentes nos discursos de agentes e delegados da corporação que decidiram colocar um ponto-final à própria existência. O agente Eduardo Santana Moreira se encaixa nessa estatística. Em 2015, aos 55 anos, ele vestiu uma camiseta com os dizeres “SOS Policial” e atirou na própria cabeça, dentro da unidade da PF onde estava lotado, em um shopping de Belo Horizonte (MG).

Embora o disparo tenha destruído o palato, os dentes, a língua e a mandíbula, Eduardo milagrosamente permaneceu vivo, em estado vegetativo, até ter o óbito declarado em 19 de setembro de 2016. Para a família, faltou sensibilidade da corporação.

“A PF só entrou em contato comigo na semana do ocorrido porque queriam entender os motivos que o levaram a fazer aquilo. Ele falava muito da falta de acompanhamento psicológico aos servidores, chegou a ter o uso da arma suspenso, mas devolveram”, conta a viúva, Kátia Aparecida Moreira, 52. A filha de Eduardo, Camila Menezes Moreira, 24, tatuou o nome do pai no braço. Ao olhar a assinatura eternizada na pele, ela lembra da última mensagem recebida por ele e não consegue segurar as lágrimas: “Ele me pediu desculpas e disse que me amava”. Deixar recados de despedida é uma atitude relativamente comum entre suicidas.

O comportamento de Eduardo Santana Moreira seguiu o script da maioria das pessoas que se mata, mas raramente é percebido por quem não trabalha na área da psicologia.

“Segundo estudos, quanto mais adversidades no ambiente de trabalho, maior é a incidência de doença mental e, consequentemente, a predisposição para o suicídio. No ambiente policial, mesmo treinados, agentes e militares são submetidos a situações que os levam ao estresse pós-traumático. Associado a outros fatores, isso pode evoluir para a vontade de querer se matar”, destaca a presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Carmita Abdo.

“O problema se torna maior porque as pessoas em volta do paciente têm dificuldade de entender a dimensão da doença”, complementa a docente.

Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) publicada em outubro de 2016, intitulada Expectativa de Vida do Policial Rodoviário Federal, do Policial Federal e do Policial Civil do Distrito Federal, traz dados alarmantes sobre o estado mental dos homens e das mulheres responsáveis por zelar pela integridade dos cidadãos brasileiros.

Quase 95% dos entrevistados disseram ter estresse ocupacional, sendo 39% em grau elevado. Nas três forças mencionadas, 36% alegaram sofrer de algum tipo de doença mental. Ao considerar apenas o recorte da Polícia Civil do DF, esse índice sobe para 42%.

 

*Matéria completa no Metrópoles