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Julgamento de bilionário que contratou Moro abre janela inédita para a pilhagem da África no século 21

Tribunal de Genebra condenou nesta sexta, 22, Benjamin Steinmetz, acusado de subornar mulher de ditador para explorar mina de ferro na República da Guiné depois negociada com a brasileira Vale.

Uma montanha de minérios, o ditador doente da República da Guiné e suas quatro esposas, supostas propinas, contas secretas na Suíça, um bilionário do ramo de diamantes, a gigante brasileira Vale, o ex-juiz e ex-ministro de Jair Bolsonaro Sergio Moro e uma pobreza profunda. Numa sala do Tribunal de Genebra, situado no coração do bairro medieval da cidade suíça, todos esses elementos se cruzaram no julgamento do magnata Benjamin Steinmetz, que se revelou um mergulho na dimensão da pilhagem das riquezas naturais do continente mais pobre do mundo. O caso foi julgado nesta sexta, 22 e o bilionário israelense, de 64 anos, repleto de controvérsias e herdeiro de uma família de negociadores de diamantes, foi condenado por “corrupção de funcionários públicos estrangeiros”, num dos raros julgamentos de um cidadão de fora da Suíça, tido como o caso mais emblemático do setor de mineração em décadas. O esquema teria organizado a transferência de pelo menos 8,5 milhões de dólares de 2006 a 2012 para garantir o direito de explorar a mina de ferro Simandou, na República da Guiné.

Oficialmente, Steinmetz, conhecido com Beny, pagou 165 milhões de dólares ao Governo local pela concessão do que seria uma espécie de “Carajás Africana”. Mas, 18 meses depois, sua empresa causou indignação de membros do Governo do país africano ao fechar um acordo privado de parceria com a brasileira Vale, no valor de 2,5 bilhões de dólares, para explorar exatamente a mesma área.

Com o negócio, era como se tivesse ganhado na loteria. Quase sozinho. De acordo com a promotoria pública de Genebra, o executivo se envolveu em um “pacto de corrupção” com o ex-presidente da Guiné, Lansana Conté, que esteve no poder de 1984 a 2008, e sua quarta esposa, Mamadie Touré, em parte através de contas bancárias suíças e empresas de fachada.

Nesta sexta, a Justiça suíça condenou Beny a cinco anos de prisão e determinou uma multa de 50 milhões de francos suíços, o equivalente a 308 milhões de reais, por corrupção dos servidores públicos e também por falsificação de documentos. O bilionário avisou que vai recorrer da sentença. Mas sua história rocambolesca mostrou um bastidor do mundo da mineração pouco conhecido pelos reles mortais.

A meta do suborno praticado por Beny era a de retirar a mina das mãos do conglomerado anglo-australiano Rio Tinto, uma concorrente mundial da Vale, e garantir que a Beny Steinmetz Group Resources (BSGR) ficasse com uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo. A acusação aponta que, em 2008, a BSGR se aproveitou das últimas horas de vida do ditador Conté para obter a concessão dos blocos 1 e 2 da jazida de minério de ferro. No julgamento iniciado no começo deste mês, enquanto pela janela da sala do tribunal via-se a neve cair, a declaração de Steinmetz e o próprio julgamento ofereciam frestas a um mundo subterrâneo pouco acessível. No fundo, uma visão de uma tragédia geológica e sociológica.

Simandou possui mais de 2 bilhões de toneladas de minério de ferro de alto grau. Para especialistas, a descoberta teria a possibilidade de mudar o destino de uma nação. De fato, a pequena Guiné já era o local da maior reserva provada de bauxita, além de minas de ouro, diamante e urânio, sem contar o petróleo em suas costas. Ainda assim, a Guiné continua sendo um dos países mais pobres do mundo: 70% de sua população vive em favelas, apenas uma minoria da população tem acesso aos serviços de saneamento e metade sequer tem água potável.

A história revelada na corte mostra que a montanha de ferro está permeada por uma sucessão de acusações e pagamentos suspeitos, golpes e traições. E que, enquanto enriqueceu alguns, deixou milhões na miséria absoluta.
Traições, Moro e disputa com a Vale

Com perfil de Indiana Jones de terno, grisalho, olhos azuis profundos, um certo bronzeado, apesar do frio de oito graus negativos, Benjamin Steinmetz era apresentado por seus advogados como uma espécie de salvador da África. Ele admitiu que o ganho para sua empresa foi grande com o acordo com a Vale pela mina de Simandou. “Mas o maior ganho é para o país, pois existem impostos, royalties. Muda tudo”, disse. “Era um sonho para a Guiné”, disse.

Não à toa a Vale, que agora trava guerra judicial com o bilionário, foi outro nome que ecoou nas audiências em Genebra. Diante das revelações de corrupção nos últimos anos contra Beny, a gigante brasileira entrou com um processo no Tribunal de Arbitragem Internacional, em Londres, contra seu ex-parceiro israelense. A mineradora venceu o processo em 2019 e Steinmetz foi obrigado a pagar 2,2 bilhões de dólares em indenização. O tribunal londrino apontou que o empresário omitiu informações da Vale ao ingressar na sociedade, entre elas o pagamento de propinas na Guiné.

No início da semana, ao ser questionado pela promotoria de Genebra em plena audiência sobre sua derrota diante do caso apresentado pela Vale, Steinmetz fez questão de dizer que sua batalha não havia terminado contra os brasileiros. “Existem novas coisas que vão sair e mostrar que a Vale mentiu durante o processo [em Londres]”, disse. Ele avisou que vai recorrer da sentença desta sexta.

De fato, Beny não desistiu da batalha. Ele contratou, no ano passado, os serviços do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro para ter mais munição contra a gigante brasileira. Em um parecer, Moro argumentou que a Vale não teria o direito de receber o dinheiro solicitado pelo tribunal londrino. Segundo o ex-juiz, se confirmada a apuração, “os executivos da Vale S/A teriam, em tese, prestado afirmações falsas e ocultado fraudulentamente do mercado e de seus acionistas as reais condições do negócio celebrado com a BSGR acerca dos direitos de exploração sobre Simandou e sobre os motivos da rescisão posterior”. Procurada, a empresa brasileira repetiu: “A Vale reitera que recebeu das cortes arbitral e judicial em Londres e nos Estados Unidos a permissão para prosseguir com a execução da sentença arbitral de 2 bilhões de dólares contra a BSGR”, declarou.

*Jamil Chade/El País

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