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Política

Rol de crimes de Bolsonaro no caso das joias árabes humilha o País. Parece ficção; é realidade

*Luis Costa Pinto

É muito difícil ser roteirista de ficção política no Brasil, atividade à qual tento me dedicar em tempo integral há uns quatro anos e não consigo. Nossa vida real é insuperável ante quase tudo o que uma mente criativa pode conceber. O episódio de um presidente, Jair Bolsonaro, e uma primeira-dama, Michelle, aceitando propina em joias e ouro de um déspota tirânico árabe é apenas a mais recente confirmação das durezas e vicissitudes do dia a dia de quem pretende ganhar a vida honestamente usando a ficção para especular sobre o que poderia ser a realidade. Aos fatos reais:

1. O Governo brasileiro, sob Bolsonaro, aceita negociar uma refinaria de petróleo com o fundo de investimentos controlado pela família real da Arábia Saudita dias antes de Bolsonaro ir a Riad visitar o déspota.

2. Na visita, o escroque repugnante que ocupava o cargo de presidente da República brasileira recebe de presente uma caneta de ouro, um relógio com caixa em ouro e mostrador em diamante, uma masbaha (espécie de rosário árabe) em ouro e brilhantes, um par de abotoaduras em ouro e diamantes e um anel igualmente cravejado de brilhantes. Para sua consorte, Michelle, é dado um outro conjunto composto por um colar com mais de uma centena de diamantes, brincos de brilhante e cinco anéis. Tudo da marca francesa Chopard, uma grife de joias que tem loja na sofisticadíssima Place Vendôme em Paris. Estimados em quase R$ 30 milhões de reais, os dois conjuntos arregalaram os olhos do ignóbil e vil casal presidencial brasileiro.

3. Dois funcionários subalternos que acompanhavam a comitiva do então presidente Jair Bolsonaro na Arábia Saudita são destacados para mocozarem* (*entocarem, esconderem) o carregamento ilegal de joias em suas bagagens na volta ao Brasil. Por quê? Porque, irregularmente, ferindo a Lei que os mandava declarar os “presentes” do tirano árabe como patrimônio do Estado brasileiro, eles tinham a intenção de transformar as joias em patrimônio pessoal.

4. No desembarque no Brasil, o funcionário estatal que adentrou aqui, de volta, com o carregamento Chopard dado a Jair Bolsonaro não foi flagrado pelos funcionários da Receita Federal na alfândega do aeroporto internacional de São Paulo. Agora, procura-se essa caixa de ouro e joias que o ex-presidente escondeu em algum lugar.

5. O assessor do ministro Bento Albuquerque, um almirante da Marinha brasileira que ocupou o ministério das Minas e Energia sob a gestão de Bolsonaro, tocou o botão da alfândega no regresso e deu luz vermelha. Ou seja, baculejo geral nele. Foi aí que os fiscais da Receita acharam as joias da “madame” Michelle mocozadas numa mochila de mão do cúmplice de Bento Albuquerque. Profissionais de carreira, os fiscais da Receita em Guarulhos não se intimidaram com os cargos e as carteiradas do ministro Bento Albuquerque – que, além de tudo, é almirante da Marinha, não se releve tão fato que dá ares de bizarrice ainda maior ao que já era grotesco). Instruído por alguém do Palácio do Planalto, para quem telefonou a fim e contar da apreensão das joias que eles tinham certeza ser de Michelle, Bento Albuquerque se recusou a declarar a carga ilegal de propina árabe um “presente dado ao Estado brasileiro”. Caso topasse isso, as jóias seriam liberadas, mas, não iriam para os cofres que a família Bolsonaro mantém em suas casas para guardar o produto bruto de rachadinhas e quetais (como joias ilegais!). Uma vez declarado “presentes de Estado”, o conjunto destinado a Michelle teria de ser tombado pelo acervo palaciano. Àquela altura, o taifeiro antirrepublicano que entrou com o carregamento ilegal que Bolsonaro cria ser dele já estava a léguas de Guarulhos, de onde se evadiu tão logo percebeu que não teria de abortar a missão acanalhada que recebeu.

6. Por três meses, até três dias antes de Jair Bolsonaro fugir do País, ele mesmo, para não entregar a faixa presidencial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 30 de outubro de 2022, o coronel do Exército Mauro Cid, chefe da ajudância de ordens do Palácio do Planalto (e já naquele momento nomeado comandante de um Batalhão de Operações Espaciais do Exército em Goiás), tentou enganar a Receita Federal e sequestrar as joias que permaneciam sob a guarda dos auditores profissionais do Fisco em São Paulo. Até mesmo o secretário nacional da Receita foi envolvido por Jair Bolsonaro na admoestação ilegal contra os funcionários do Estado brasileiro que impediram a pilhagem presidencial.

7. O enredo rocambolesco, desqualificante para o Brasil, incrivelmente real, explodiu na noite da última sexta-feira por meio de uma reportagem de O Estado de S.Paulo. Há áudios do almirante Bento Albuquerque confirmando a história. O sindicato de auditores fiscais da Receita também a confirmou em nota oficial, exaltando a postura dos bons profissionais de Estado que resistiram à calhordice ladravaz do ex-presidente e de seus militares corrompidos. O ex-presidente, numa manifestação de bandido que fala por meio de textos escritos por advogado, disse que “não pediu” nada. O peculato – crime de funcionário público que se beneficia de algo material ou imaterial em razão do posto que ocupa – é ato comissivo (pedir ou receber) ou comissivo (ficar calado quando vê o malfeito executado ou em execução). Michelle deu uma declaração dúbia, não disse saber ou desconhecer os fatos, revelando-se cinicamente “surpresa” pela existência das joias.

O caso das joias ainda não fechou. Contudo, rende ou não rende um roteiro espetacular só com fatos, só com verdades, só com ações e omissões extraídas do que de fato ocorreu, sem precisar da ajuda de roteiristas ficcionais?

É dura a vida, camaradas… exceto para o clã Bolsonaro, que segue livre, leve, solto, lépido e faceiro sem que a cana que lhes é devida chegue logo.

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