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Israel sofre derrota e Hamas se fortalece como interlocutor geopolítico

O acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado pelos governos do Catar, do Egito e dos Estados Unidos, não apenas interrompe temporariamente as hostilidades, mas também marca um momento de profundo impacto geopolítico e humanitário no Oriente Médio. Diversas análises apontam que o conflito expõe fragilidades de Israel, fortalece a resistência palestina e sublinha a necessidade de soluções duradouras. As avaliações convergem em torno do reconhecimento da importância do acordo e da urgência de avanços concretos para uma paz sustentável na região.

O Portal Vermelho consultou analistas do assunto que foram unânimes em apontar uma profunda derrota moral e estratégica para Israel. José Reinaldo Carvalho, presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (Coplac), e Amyra El Khalili,a economista socioambiental e editora do Movimento Mulheres pela P@Z!, apontaram seus argumentos para esta conclusão. O governo brasileiro, por meio de Lula e de sua diplomacia, também se manifestou celebrando o acordo (confira ao final).

Objetivos não cumpridos

José Reinaldo Carvalho, Cebrapaz

José Reinaldo Carvalho, que também é membro da Comissão Política do PCdoB, afirmou que o desfecho do conflito representa uma derrota para Israel e um avanço significativo para a resistência palestina. Segundo Carvalho, a ofensiva israelense tinha como objetivo a aniquilação do Hamas, mas terminou com Israel desmoralizado e forçado a negociar diretamente com o movimento.

“Israel sai desmoralizado e isolado no mundo. Internamente, o regime israelense está em crise, enquanto o Hamas demonstrou maturidade política e capacidade de articulação”, declarou Carvalho. Ele também ressaltou que o Hamas emerge como um interlocutor geopolítico incontornável, tendo governos como os do Catar e do Egito em diálogo direto com sua liderança.

Para Carvalho, o cessar-fogo simboliza não apenas uma pausa na violência, mas também uma “derrota significativa” para os agressores. Ele destacou ainda que a resistência palestina deve agora concentrar-se em aliviar a crise humanitária em Gaza, garantir o cumprimento do acordo e fortalecer sua luta histórica por independência.

Acordo e papel do Hamas no cenário internacional

O presidente do Cebrapaz ressaltou que o acordo de cessar-fogo evidencia a influência do Hamas no cenário geopolítico, tornando-se um interlocutor incontornável. “Governos árabes, como os do Egito e Catar, foram negociadores e fiadores do acordo, dialogando intensamente com a direção do Hamas. Já o imperialismo estadunidense e os genocidas israelenses, que tinham como propósito aniquilar o movimento, foram obrigados a reconhecer sua autoridade”, avaliou.

O Hamas, por sua vez, celebrou a trégua como uma vitória da “lendária firmeza do povo palestino”. Carvalho destacou que essa resistência não é apenas retórica, mas uma demonstração de abnegação e persistência diante de adversidades extremas. “A trégua simboliza uma derrota significativa para os agressores, que se viram obrigados a reconhecer a força da resistência e a sentar-se à mesa de negociação”, afirmou.

Prioridades para a resistência palestina

Segundo Carvalho, o próximo passo da resistência é enfrentar a crise humanitária em Gaza, lutar por um cessar-fogo abrangente e permanente e reacumular forças para liderar a luta histórica pela libertação total e independência da Palestina. “O acordo é imperioso e indispensável. Ele representa uma pausa necessária nas agressões contra a população de Gaza, alivia a crise humanitária e abre caminho para soluções mais duradouras”, explicou.

Carvalho também enfatizou a importância de garantir o cumprimento do acordo, exercendo pressão internacional contra possíveis violações. “Os mediadores prometeram emitir uma resolução no Conselho de Segurança da ONU para apoiar o cessar-fogo, mas os inimigos figadais da paz e da libertação continuam vociferando ameaças de novas agressões”, alertou.

Concluindo, José Reinaldo Carvalho destacou que o cessar-fogo é apenas o início de um longo caminho rumo à paz duradoura e à justiça para o povo palestino. “A vitória da resistência é também a derrota dos agressores. Este acordo é um marco histórico e prova que, mesmo diante das adversidades mais extremas, é possível obter conquistas concretas. A luta pela liberdade da Palestina segue mais legítima e urgente do que nunca.”

Apenas uma batalha

Emir Mouad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (Coplac)

Emir Mourad apresentou uma visão mais cautelosa. Para Mourad, o cessar-fogo é um passo necessário, mas insuficiente para mudar a dinâmica de opressão contra os palestinos. O histórico do conflito e a continuidade de práticas como a limpeza étnica contra os palestinos lançam dúvidas sobre a efetividade e a durabilidade do acordo.

“O cessar-fogo momentâneo pode servir para a troca de reféns, mas a limpeza étnica segue em curso. Desde 1948, essa política vem sendo construída e nada nos garante que haverá mudanças significativas no médio e longo prazo”, afirmou Mourad. Ele também destacou as pressões internacionais sobre Israel, especialmente dos Estados Unidos, como fatores determinantes para o acordo.

Mourad alertou sobre as violações ao cessar-fogo e a escalada de tensões em regiões como o Líbano, apontando que os impactos militares e políticos do conflito ainda estão em curso. Ele também observou que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu enfrenta pressões internas significativas, refletindo a instabilidade política em Israel.

O secretário-geral da Coplac enfatizou que o acordo, além de permitir aliviar a crise humanitária, revelam fracassos de Netanyahu. “Israel não alcançou seus objetivos políticos, como a expulsão dos palestinos do norte de Gaza e a destruição completa da resistência. Esses fracassos são evidentes quando analisamos os resultados concretos”, avaliou.

O impacto humanitário e as limitações do acordo

Apesar das limitações, Mourad reconheceu que o cessar-fogo trouxe um “respiro” para a população palestina. “Esse momento é importante para reconstruir a infraestrutura de saúde e oferecer um alívio mínimo ao povo de Gaza. Mas devemos lembrar que o acordo é dividido em três fases, e apenas a primeira foi formalizada até agora, com monitoramento permanente ao longo de 42 dias. O que ocorrerá depois disso é incerto”, pontuou.

A escalada de tensões no Líbano e as violações ao cessar-fogo na região são outros pontos de preocupação. Mourad lembrou que a resistência libanesa também sofreu ataques, mas que Israel não conseguiu alcançar seus objetivos militares no país. “A derrubada da Síria e as ações no Líbano mostram como o redesenho do Oriente Médio segue em curso, com impactos militares e políticos profundos”, analisou.

Contexto político em Israel e nos EUA

Mourad destacou que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enfrenta pressões internas significativas, inclusive risco de colapso do governo. “Netanyahu teve que costurar alianças políticas para garantir a aprovação do acordo. Há descontentamento entre setores da extrema direita israelense que abominam qualquer concessão à resistência palestina”, explicou.

Nos Estados Unidos, tanto o presidente Joe Biden quanto Donald Trump, que reassume a presidência em breve, têm interesses estratégicos na região. Segundo Mourad, Biden tenta deixar um “legado positivo” ao mediar o cessar-fogo, enquanto Trump busca consolidar alianças no Oriente Médio e retomar os Acordos de Abraão.

Mourad concluiu com uma análise realista sobre os próximos passos: “Este é apenas um pequeno passo em uma batalha que está longe de terminar. A resistência palestina precisará se adaptar às novas realidades e continuar lutando por seus direitos. A comunidade internacional, por sua vez, deve se manter vigilante para garantir que acordos como este não sejam usados como pretextos para perpetuar a opressão.”

Derrota da “vitrine de extermínio”

Amyra El Khalili, rede Movimento Mulheres pela P@Z!

Amyra El Khalili, compartilhou uma análise contundente sobre a situação, voltando anos antes para demonstrar a dimensão dos interesses em jogo e das perdas e ganhos. A análise parte de um contexto em que Israel, segundo El Khalili, enfrenta derrotas significativas em diversos campos, da opinião pública internacional à economia interna, enquanto a resistência palestina conquista avanços simbólicos e políticos.

Para Amyra, o contexto atual é marcado por um misto de emoções: “Os palestinos estão emocionados. Eu falo com jornalistas, com as mulheres palestinas, as mães dos militantes e dos prisioneiros. Todos compartilham uma dor coletiva e uma resistência que transcende as fronteiras de Gaza”.

Ela explica que a presença de policiais nas ruas de Gaza após o cessar-fogo não é apenas uma questão organizacional, mas também uma mensagem estratégica: “Esses homens são policiais do governo de Gaza, que é liderado pelo Hamas, um partido eleito. Essa mobilização é uma reafirmação de que o governo ainda está operante, contrariando a narrativa israelense de colapso”.

A história do conflito: genocídio e resistência

Amyra destaca que os objetivos israelenses estão enraizados em um plano de longa data: o “Plano de Decisão”, anunciado em 2017 pelo ministro Bezalel Smotrich. Segundo ela, o plano oferecia três opções à população palestina: viver como cidadãos de segunda classe, emigrar ou enfrentar a morte. “Os palestinos de Gaza decidiram que, se é para morrer, será lutando. A operação ‘Tempestade de Al Aqsa’, desencadeada em 7 de outubro de 2023, foi um contra-ataque preventivo ao genocídio planejado para novembro”, defende ela.

Ela aponta que a resistência conseguiu desarmar sistemas de segurança israelenses, invadir territórios ocupados e levar reféns para negociar a liberdade de prisioneiros palestinos. “Esses prisioneiros são uma questão sensível para o povo palestino, pois quase todos têm algum parente ou conhecido que sofreu tortura ou morreu nas prisões israelenses”.

Amyra acredita que os objetivos da resistência foram alcançados até certo ponto: “A Palestina voltou à agenda mundial. Gaza era bombardeada semanalmente sem receber atenção da imprensa. Agora, o mundo está discutindo o genocídio e os crimes de guerra contra os palestinos”. Ela também ressalta que o objetivo de trocar prisioneiros está em curso, apesar dos desafios impostos por Israel.

Segundo Amyra, Gaza foi transformada em um campo de concentração e uma vitrine para o mercado armamentista israelense. “Israel bombardeava Gaza e exibia vídeos para vender suas tecnologias de extermínio ao mundo”, denuncia.

O acordo mediado: uma vitória estratégica

Amyra enfatiza que o reconhecimento de um Estado palestino sempre encontrou barreiras no Knesset, o parlamento israelense, que rejeita a solução de dois estados. “A resistência palestina continua a lutar não apenas pela sobrevivência, mas pela dignidade e pela liberdade de seu povo”.

De acordo com El Khalili, o recente acordo mediado é uma reedição do que fora proposto anteriormente pelo Qatar, mas rejeitado pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em dezembro do ano passado. Essa rejeição inicial submeteu reféns israelenses a meses de cativeiro em Gaza, com consequências graves, incluindo a morte de alguns durante ataques dos próprios israelenses.

“Não interessa ao Hamas matar reféns. Devolver essas pessoas sãs e salvas é uma das maiores estratégias geopolíticas que eles podem empregar”, argumenta a professora. Para ela, o ato de liberar reféns em boas condições é uma demonstração política e moral que reforça a imagem do Hamas perante a opinião pública global e, especialmente, entre os israelenses. Ela também sublinha o impacto da propaganda sionista, que, segundo ela, intoxica muitos israelenses ao perpetuar a ideia de que os palestinos são terroristas.

El Khalili destaca como Israel tem sofrido derrotas em várias frentes. No âmbito interno, muitos israelenses, especialmente aqueles com dupla cidadania, estão deixando o país devido à insegurança crescente. “Israel perde na economia, na comunicação e na segurança de sua própria população”, afirma.

O martírio e a luta pela liberdade

Para os palestinos, a resistência é uma questão de sobrevivência e dignidade. Amyra ressalta que a ideia de martírio é frequentemente mal interpretada no Ocidente: “Dizer que os islâmicos gostam de morrer ou cultuam o martírio é uma visão distorcida. Para eles, trata-se de lutar com orgulho contra a humilhação e a opressão”.

Ela lembra que Gaza tem sido palco de massacres recorrentes desde que foi isolada por muros. Apesar disso, o povo palestino segue resistindo, preferindo enfrentar a violência a aceitar a subjugação.

Amyra também aborda os interesses geopolíticos que alimentam o conflito. Segundo ela, Israel busca controlar recursos energéticos estratégicos, como petróleo e gás, e usar Gaza como uma rota para exportação desses recursos. “O objetivo é claro: atacar o Irã e consolidar o domínio sobre as riquezas naturais da região”, afirma.

A professora também destaca o papel do Irã como um agente diplomático cauteloso. Apesar de apoiar a resistência, o país evita confrontos diretos devido à presença de armas nucleares em Israel. Essa diplomacia cuidadosa reflete a complexidade do cenário e a importância de evitar uma escalada que poderia ter conseqüências devastadoras.

Para ela, o acordo recente representa uma vitória simbólica e estratégica para a resistência palestina. “É uma demonstração de que a resistência não se intimida diante do poderio militar israelense e de que a luta por liberdade é inegociável”, conclui. A troca de reféns e a resposta popular palestina mostram que, mesmo diante de desafios extremos, a resistência permanece viva e resiliente.

Posição do governo brasileiro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) também se posicionaram sobre o cessar-fogo, reforçando o compromisso do Brasil com soluções pacíficas no Oriente Médio. Lula celebrou a trégua como um sinal de esperança, destacando a necessidade de construção de uma solução duradoura para o conflito.

“Que a interrupção dos conflitos e a libertação dos reféns ajudem a construir uma solução duradoura que traga paz e estabilidade a todo Oriente Médio”, escreveu o presidente em suas redes sociais.

O Itamaraty, em nota oficial, saudou o cessar-fogo e sublinhou a importância de respeitar os termos do acordo, garantindo ajuda humanitária e a reconstrução da infraestrutura de Gaza. O comunicado reiterou o compromisso brasileiro com a solução de dois Estados, com um Estado palestino independente e viável, convivendo em paz com Israel.

Embora o cessar-fogo seja amplamente saudado, ele é visto apenas como um passo inicial em um longo caminho. A resistência palestina precisará lidar com as adversidades humanitárias e manter sua luta por direitos, enquanto a comunidade internacional deve garantir que o acordo não seja usado como pretexto para perpetuar a opressão. Como enfatizou o Itamaraty, o compromisso com o diálogo e a solução de dois Estados permanece essencial para uma paz duradoura. Com Vermelho.