Papai Noel para os bancos

Paulo Guedes bem que tentou passar a medida sem muito barulho nem holofotes. Afinal, às vésperas do Natal ele acertou com Bolsonaro o envio de uma verdadeira bomba de impopularidade para ser apreciada e votada pelo Congresso Nacional. Tanto que o sistema eletrônico aponta o protocolo da matéria na Câmara dos Deputados como sendo às 17:10 do dia 23 de dezembro de 2019. Seria cômico que se não fosse trágico.

Como sempre foi de seu estilo de tecnocrata a serviço do financismo, o aprendiz de neoliberalismo preferiu esconder o assunto do projeto e o texto da matéria. É sabido que muita luz e muito oxigênio acabam atrapalhando a aprovação de medidas escandalosamente tendenciosas. Mas não teve jeito. Tanto que o pacote já tem endereço, etiqueta e carimbo. Trata-se de um projeto de lei complementar – o PLP 281/2019, que ainda aguarda despacho de tramitação da parte do Presidente Rodrigo Maia.

Pois é, alguém acabou divulgando a tramoia e parte da imprensa foi obrigada a divulgar as tentativas de proporcionar aos bancos e demais instituições do sistema financeiro mais esse verdadeiro e escandaloso presente de Natal. A depender das intenções do superministro da economia, o velhinho simpático de barbas brancas estaria recriando um novo e generoso PROER a ser graciosamente oferecido aos tão necessitados membros de nossas finanças. Coitadinhos dos banqueiros!

Esses bancos, pobres bancos.

O original do “Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional” (PROER) havia sido lançado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso ainda em 1995. Na verdade, o programa era um generoso mecanismo de apoio aos bancos privados, que não estavam mais conseguindo conviver com a estabilização monetária proporcionada pelo sucesso do Plano Real do ano anterior. Pobres bancos!

O artifício de encher os cofres da banca com recursos do Tesouro Nacional e do Banco Central de forma tão explícita vigorou até 2000, quando a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal acabou com a mamata. Apesar das inúmeras denúncias apontadas no Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito criada à época para apurar as operações de salvamento dos bancos, nunca houve qualquer incriminação do Programa, nem de seus operadores dentro do governo nem dos beneficiários na ponta do sistema.

Algumas estimativas apontam para somas superiores a R$ 80 bilhões (a preços de 2019) como sendo o prejuízo que a população teve de arcar por meio de tais ajudas de recursos públicos direcionados aos bancos. Afinal, essa parece ter siso a prioridade dos governos ao longo das décadas. Favorecer sempre o centro do financismo com todas as benesses possíveis. Caso houvesse alguma sobra, aí sim poder-se-ia pensar em proporcionar migalhas para os setores mais necessitados da nossa sociedade.

A nova versão do PROER do Guedes é mais elaborada. A sofisticação da malandragem começa com a sua ementa: “Dispõe sobre os regimes de resolução das instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, pela Superintendência de Seguros Privados e pela Comissão de Valores Mobiliários.” Aqui está o pulo do gato. A do novo modelo proposto, os regimes de resolução podem ser de 2 tipos: i) o tradicional e conhecido regime de liquidação compulsória; e, ii) a inovação do regime de estabilização.

PROER renovado e mais generoso.

Assim, antes de partir para a liquidação pura e simples do banco ou da instituição financeira em situação pré falimentar, o projeto cria um estágio preliminar. E para esse novo tipo de situação, estão previstos vários mecanismos de ajuda pública. São assegurados fundos públicos garantidores de crédito, condições excepcionais para cumprimento de suas obrigações e outros itens para evitar a contaminação da crise para outros agentes econômicos. N entanto, o mais escandaloso aparece no art. 45 do PLP:

(…) “Art. 45. Em situações em que a inviabilidade das pessoas jurídicas de que trata o caput do art. 1º configure risco de crise sistêmica ou de ameaça à solidez, à estabilidade ou ao funcionamento regular do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro ou do Sistema Nacional de Seguros, Capitalização, Resseguros e Previdência Complementar Aberta, o Conselho Monetário Nacional poderá, por meio de proposta da autoridade de resolução, aprovar a realização de empréstimos da União ao fundo de resolução do qual a pessoa jurídica participe.” (…)

O texto do projeto é longo, exaustivo e detalhado, contando com 155 artigos espalhados por 10 capítulos. Esperemos que as forças democráticas e progressistas não deixem que a tramitação ocorra sem debate ou audiências públicas a esse respeito. No entanto, é interessante observar que a Exposição de Motivos (EM) elaborada por Paulo Guedes em seu encaminhamento ao Presidente da República data de 22 de outubro. Ou seja, foram necessários 2 meses de discussão e olhar atento no interior do Palácio do Planalto para finalmente liberar o documento oficialmente em nome do governo.

A EM evoca as diretrizes das autoridades fiscais e monetárias dos Estados Unidos e da União Europeia para justificar a necessidade de o Brasil se adaptar às mesmas. E o texto assinado por Guedes não se envergonha de apontar para sua origem:

(…) “ Após a deflagração da crise, o Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board, ou FSB, na sigla em inglês), órgão criado para coordenar em nível internacional o trabalho de autoridades nacionais responsáveis pela estabilidade financeira, recebeu do G-20 a missão de propor medidas para reduzir o risco sistêmico associado às instituições financeiras consideradas “grandes demais para quebrar” (Too Big to Fail, TBTF, na sigla em inglês). “ (…)

Desde 2015 que os sucessivos governos não se cansam de evocar a urgência da crise fiscal para justificar suas recorrentes medidas de penalização dos trabalhadores, dos aposentados e dos servidores públicos. Com a lengalenga mentirosa do “não temos recursos” retiram ainda mais dos mais pobres para continuar beneficiando os setores do topo de nossa pirâmide da desigualdade. Assim foi com a Emenda Constitucional 95 (PEC do Fim do Mundo), com a Reforma Trabalhista, com a Reforma da Previdência e com as ameaças atuais da Reforma Tributária e das PECs da Emergência Fiscal.

Priorizar o emprego e o desenvolvimento.

Todos sempre denunciamos e sabemos que esse discurso demagógico não passa de mero instrumento de retórica. Isso porque, na verdade, a máquina do Estado continua sendo muito funcional aos interesses do financismo, sempre usando recursos públicos para favorecer os grandes conglomerados e as elites de forma geral. Se houvesse mesmo interesse de aproximar e modernizar nosso sistema de política econômico daquele praticado nos países desenvolvidos, o dever de casa de nossas elites deveria começar por itens mais básicos e emergenciais. Por exemplo, em rever essa insitência burra e cega com a estratégia do austericídio.

Ocorre que, em alguns momentos, os caras por aqui passam mesmo dos limites do aceitável e escancaram seus desejos de forma ardorosa. Esse foi, por exemplo, a tentativa de Paulo Guedes de substituir o regime de previdência social pela capitalização privada no início do ano. Até setores do próprio governo perceberam o exagero da dose e forçaram o banqueiro a recuar.

Frente a um discurso de que precisamos promover uma “economia” de RS 1 trilhão para recompor as finanças públicas, vai ser muito difícil para a equipe de Guedes & Bolsonaro convencer a sociedade e os parlamentares de que os bancos tupiniquins precisam de uma ajuda da União para recomporem sua fragilizada situação econômico-financeira. Ao apresentar esse PLP 281/19 o governo escancara sua prioridade. Ao invés de usar recursos públicos para gerar emprego e promover o desenvolvimento para todos, Bolsonaro faz mais do mesmo. Todo apoio à turma da finança.

Mas não nos esqueçamos de que haverá eleições em todo o país no mês de outubro do ano que vem!

 

*Paulo Kliass – Carta Maior