A grande discussão é analisar o conjunto de políticas públicas e seu impacto sobre o cidadão e deixar o opinionismo de lado.
Em princípio, há dois públicos distintos no país. Um deles, o público supostamente bem-informado, consumidor da primeira divisão da mídia – jornais, rádio, TV e sites. O outro, o público terraplanista, usuário de WhatsApp e redes sociais.
Há uma diferença fundamental de tratamento entre ambos, para que o primeiro grupo não mergulhe na rede de desinformação do segundo: o tratamento jornalístico mais aprofundado. Mas o que se vê, na maioria dos casos, é o grande veículo emulando todos os truques caça-likes do segundo.
As diversas análises sobre os 100 dias do governo Lula demonstram uma superficialidade exasperante.
Uma das críticas está no fato de Lula frequentemente referir-se ao período Bolsonaro. Um comentarista da Globonews definiu como “olhar para trás” e “fomentar a polarização”.
Na Folha, um editorial diz que Bolsonaro, se contivesse seus arroubos, seria um bom contraponto ao Lulismo. Ele, o homem responsável por centenas de milhares de mortes, pelo desmonte do Estado brasileiro, pelo estímulo à criminalidade.
Ora, o maior trunfo de Lula é, justamente, o contraponto ao bolsonarismo. Seu maior feito foi ter livrado o país de um segundo governo Bolsonaro, que seria fatal para a democracia brasileira. Qualquer político minimamente esperto trataria de utilizar esse argumento em todas as oportunidades. É o que poderá segurar as manobras golpistas que inevitavelmente ressurgirão, caso Lula resolva avançar em reformas que atinjam os bilionários.
A segunda crítica imbecilizada é a de que, com apenas 100 dias de gestão, o governo Lula só tenha apresentado projetos, e não obras feitas. É inacreditável a falta de percepção sobre os tempos de maturação de projetos.
A terceira crítica, é que Lula não apresentou nenhuma cara nova, limitando-se a retomar ideias antigas, como o Bolsa Família. É uma visão de marketing cretina. É o mesmo que afirmar que a Globo está no passado, porque utiliza o mesmo nome desde os anos 30. Retomar o Bolsa Família em 100 dias é um feito. O BF é reconhecido, internacionalmente, como um dos programas sociais mais bem sucedidos. Mas esse pessoal, que confunde programas de governo, construção de Estado, com campanha publicitária, que exige uma “marca” de governo, trata a política com a mesma superficialidade de um publicitário de campanha eleitoral.
É evidente que o governo tem cara. Todas as manifestações, até agora, foram no sentido de colocar novamente o cidadão comum nas políticas públicas. A grande discussão é analisar cada uma das políticas, para saber se cumprem com as promessas de campanha.
Por exemplo, ontem falou-se em modificar as vinculações orçamentárias para Educação e Saúde, uma das maiores conquistas da Constituinte. Dias atrás, o Secretário de Tesouro afirmou taxativamente que haveria uma desvinculação, para se enquadrar nas regras do arcabouço fiscal.
As vinculações foram essenciais para impedir o desmonte das políticas sociais essenciais. As declarações do Secretário do Tesouro me levaram de volta ao pós-Constituinte, quando economistas como Antônio Delfim Netto e outros, diziam que o país não caberia na nova Constituição. Ou seja, tentando enquadrar uma Constituinte eleita na política econômica, e não providenciando uma política econômica à altura dos desafios da Constituinte.
Ainda há muitas dúvidas se e como Lula irá cumprir com suas promessas de campanha. Mas a grande discussão é analisar o conjunto de políticas públicas e seu impacto sobre o cidadão. E deixar de lado esse opinionismo típico de quem não tem o que opinar.
*GGN
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