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Cotidiano

Telefonema acorda e salva família de temporal em Bertioga

Moradores desalojados na Baixada Santista contam o drama para fugir da enxurrada que tomou as casas.

A dona de casa Thais Mariane de Carvalho, 31, acordou assustada com a ligação da mãe, Maria Rosa de Carvalho, 58, na madrugada do último domingo (19).

“Ela disse ‘Thais, acorda todo mundo pelo amor de Deus, que a água subiu'”, conta a dona de casa. Maria Rosa tinha medo que a filha estivesse já sem vida devido às fortes chuvas que afetaram severamente Bertioga, na Baixada Santista, nos últimos dias.

Ela mora com mais outras 12 pessoas –sendo diversas delas crianças– em um pequeno barraco de madeira localizado em uma comunidade no bairro Chácaras.

No município, o índice pluviométrico chegou a 695 mm, segundo a última atualização do governo do estado, o maior registrado em toda a história da cidade.

“Uma hora depois, a água já tinha subido mais de um metro. Ficamos em pânico. Ligamos para os bombeiros, mas não sabiam nem como chegar para nos ajudar”, conta Thais.

A rua onde moram nem sequer tem nome. Os imóveis são considerados de ocupação irregular pela prefeitura e, para a chegada do resgate, moradores precisaram dar referências próximas. Até botes foram utilizados pelos bombeiros.

“Primeiro tiramos as crianças. Eles [bombeiros] as colocavam nas costas porque até os adultos tinham medo de afundar e não voltar. Ninguém sabe nadar”, disse Thais à Folha.

Enquanto a água subia dentro da própria casa, a família ainda lembrou que os vizinhos, um casal de idosos, poderiam estar com dificuldades mais severas. Um deles sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) recentemente, e teve a locomoção limitada.

Recorreram, então, a outro vizinho com quem possuem relação próxima, Moacir de Jesus dos Santos, 39.

“Nós somos como uma família, então nos ajudamos mesmo. Coloquei ele pendurado em mim, nos meus ombros, e passamos pela água até a casa de um dos parentes”, disse Santos.

O lar de Thais Mariane de Carvalho ficou completamente inundado. Ela conta ter perdido fogão, máquina de lavar, geladeira e precisou com toda a família ser alojada temporariamente na quadra da escola municipal José de Oliveira, no bairro Jardim Rio Praia.

Eles têm no local a companhia de outros integrantes da própria comunidade. Segundo a prefeitura, o número de desalojados subiu nesta segunda-feira (20) de 13 para 21.

Ivanilde Alves, 46, e Beatriz Ariane Ferreira, 22, também estão no alojamento provisório.

Beatriz Ariane Ferreira, 22, e sua mãe, Ivanilde Alves, 46, em abrigo após comunidade no bairro Chácaras ter sido afetada pelas fortes chuvas

Mãe e filha chegaram há menos de dois meses ao município, vindas de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, para tentar recomeçar após o divórcio de Ivanilde.

“Viemos aqui só com a roupa do corpo, uma mochila e a coragem. Moramos de favor na casa de um conhecido um mês e conseguimos um barraco para ficar”, disse Ivanilde.

Beatriz está grávida de sete meses e segurava no colo um cachorro de pouco mais de 20 dias de vida, sentada sobre um colchão que receberam de doação. Ela ainda tem uma filha de quatro anos.

“Parecia o Titanic. Não sabíamos se saíamos da casa, ou se ficávamos dentro. E o pior: teremos que voltar para lá”, afirmou.

Parecia o Titanic. Não sabíamos se saíamos da casa, ou se ficávamos dentro. E o pior: teremos que voltar para lá.

Diferentemente de alguns que já tentam retornar para os seus lares, mesmo com previsão de novas chuvas na região, elas ainda precisarão aguardar pelo fato de a casa ainda estar cheia de água.

Também alojado, o morador Antonio José Felix do Nascimento, 46, avisou a assistência social que junto com a esposa, Carina Ribeiro da Luz, deixaria o abrigo para tentar voltar ao lar e não perder o trabalho como pedreiro em uma marina.

“Morávamos de aluguel e compramos essa casa há quatro anos. Salvamos tudo o que podíamos”, contou Carina.

Eles disseram que pagavam mensalmente R$ 800 na antiga moradia, mais gastos com água e luz por volta de R$ 200. “Tínhamos o lar e faltava o que comer. Então, agora, não é uma opção sair. Vamos para o menos pior”, disse.

Para não perder o carro, o casal estacionou o veículo em frente a uma adega de um conhecido, que fica em um ponto mais alto da região e não costuma sofrer com alagamentos. O vizinho deles ficou com o carro completamente submerso.

A Prefeitura de Bertioga decretou estado de emergência e cancelou toda a programação de Carnaval. Além do Chácaras, o Morada da Praia, Boraceia e a Riviera de São Lourenço são outros pontos afetados.

Segundo o DER (Departamento de Estradas de Rodagem), a rodovia Mogi-Bertioga, um dos principais acessos à cidade, ainda precisou ser interditada e segue sem previsão de liberação.

BAIXADA

Além de Bertioga, a mais afetada das nove cidades que compõem o litoral sul, Santos, São Vicente, Praia Grande, Guarujá, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe e Cubatão também registram diversas ruas alagadas, quedas de árvores, falta de energia e interrupção da travessia de balsas, além de veículos submersos.

Em Guarujá, foram 395 mm de chuvas, superior à média estimada para todo o mês de fevereiro, que era de 234 mm.

Consideradas as últimas 72 horas, o volume é de 405 mm, superando até mesmo a registrada em 3 março de 2020, que culminou com deslizamentos de terra que vitimaram 45 pessoas no litoral –23 delas na Barreira do João Guarda, comunidade local. Na tragédia, foram 282 mm em 24 horas.

Além de Bertioga, com 683 mm, as chuvas passaram de 600 mm em apenas 24 horas em São Sebastião (627 mm), mas foram muito intensas também em outras cidades como Ilhabela (337 mm), Ubatuba (335 mm), Santos (232 mm) e Praia Grande (209 mm).

*Com Folha

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Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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