Miriam Leitão: O jeito certo de agir e o que é inaceitável

Autoridades dos três níveis federativos trabalham juntas na tragédia em São Paulo. Já na Terra Yanomami, um apoio inaceitável.

O presidente Lula e o governador Tarcísio não tiveram carnaval. Muita gente nas administrações do país e do estado suspendeu as festas e se concentrou na tragédia que abalou o litoral norte de São Paulo. Sentados na mesma mesa, representantes dos três níveis federativos tinham a demonstrar a forma correta de agir diante de um evento que tira vidas, desabriga, desampara e choca. Governos governam. Isso é natural, mas não era frequente em tempos recentes. O ex-presidente Bolsonaro não se abalou de cima do seu jet ski quando a chuva desabou sobre a Bahia há pouco mais de ano, no Réveillon de 2022. “Espero não ter que retornar antes”, disse ele na ocasião.

Lula não se perguntou isso. Junto com o governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o prefeito tucano de São Sebastião, Felipe Augusto, afirmou que o governo federal vai ajudar na recuperação da Rio-Santos e na construção de moradias em lugares adequados. O governador disse que a presença de Lula dava “amparo e conforto”. Todo mundo se comportou da forma correta. Gestores públicos passam por cima de divergências políticas para atuar de maneira colaborativa quando acontece uma tragédia e pessoas públicas vão ao local dos eventos dramáticos porque é assim que se informam melhor, e demonstram solidariedade. Era tão difícil explicar o óbvio ao antigo governante do Brasil.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estava no Acre para visitar a última irmã viva de seu pai. Pegou um voo às pressas e foi para São Paulo, onde chegou no meio da tarde. No caminho foi marcando uma reunião com o Cemaden, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Uma das propostas que a ministra quer colocar em pé, com a ajuda do Cemaden, foi elaborada durante a transição. A ideia é fazer um levantamento de todas as áreas sensíveis aos eventos extremos. Seria decretado então um estado de emergência climática. As áreas teriam uma linha de crédito especial para ações estruturantes de adaptação. Atualmente, o país cumpre o orçamento feito pelo governo Bolsonaro, com o acréscimo dos recursos da emenda da transição. A proposta é já preparar as áreas que terão essa linha orçamentária de adaptação no ano que vem, recursos que seriam mobilizados mais rapidamente para ações preventivas.

Os especialistas em mudança climática ensinam que é preciso seguir duas palavras: “mitigação e adaptação”. O combate às emissões dos gases de efeito estufa – no qual se inclui a eliminação do desmatamento ilegal – é para mitigar a mudança climática já contratada e que se reflete na nossa vida através dos eventos extremos. Eles têm, conforme os alertas dos cientistas, se tornado mais frequentes e mais extremos. Ao mesmo tempo, é preciso se adaptar ao que inevitavelmente acontecerá.

O Cemaden, a propósito, foi criado a partir de uma ideia do climatologista Carlos Nobre, no Ministério da Ciência e Tecnologia, quando Aloizio Mercadante era ministro, exatamente para alertar sobre os riscos de eventos extremos. E será braço fundamental para qualquer ação preventiva.

Se, por um lado, a união dos governantes do país, do estado de São Paulo e da cidade de São Sebastião era boa de se ver e restabelecia o princípio federativo da cooperação, o que aconteceu ontem na Terra Yanomami mostra que há situações e apoios inaceitáveis. O senador Chico Rodrigues, defensor da liberação do garimpo em terras indígenas, como propunha Bolsonaro, desembarcou ontem na TI Yanomami, segundo informação do jornalista Rubens Valente. Famoso por portar dinheiro em partes inapropriadas do corpo, em escândalo que pertence ao governo Bolsonaro, o senador bandeou-se para o PSB e, portanto, é parte da coalizão do governo Lula.

Ao desembarcar na Terra Indígena, sem autorização das organizações Yanomami, e depois de ter sido advertido pelos senadores Eliziane Gama e Humberto Costa de que não deveria fazê-lo, o senador prova mais uma vez que é o pior presidente que se poderia imaginar para a Comissão Temporária sobre a Situação Yanomami.

Existe a boa cooperação política, a que se viu ontem em São Paulo diante da tragédia do litoral norte, e existe a adesão que contamina o projeto. Foi o que aconteceu nessa visita invasiva do senador Chico Rodrigues à Terra Yanomami. Que essa seja a prova definitiva de que ele não deve estar na comissão.

*O Globo

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Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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