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O que a sociedade não sabe sobre Campos Neto, presidente do Banco Central

No cargo de presidente do BC, Campos Neto também tem acesso a dados estratégicos, como câmbio e taxas de juros, capazes de afetar seus investimentos lá fora. Em julho do ano passado, por exemplo, ele assinou uma portaria mudando as regras para a declaração de ativos no exterior. Até então, todo brasileiro que tivesse mais de 100 mil dólares lá fora tinha que informar o BC todos os anos. Com a portaria, esse valor subiu para 1 milhão de dólares – uma mudança que, dizem os especialistas, reduziu a transparência dos investimentos de brasileiros no exterior. Não se sabe o volume de recursos que Campos Neto mantinha em sua offshore quando a fechou. Nos Pandora Papers, não aparece essa informação. Consultado pela piauí, ele não quis informar o valor.

O presidente do BC criou sua offshore quando trabalhava no banco Santander e, para tanto, usou os serviços do escritório Mossack Fonseca, o pivô do escândalo mundial dos Panama Papers. Em sua composição original, a Cor Assets tinha dois diretores (Campos Neto e sua mulher, a advogada Adriana Buccolo de Oliveira), um capital subscrito de 10 mil dólares e uma conta corrente no banco Safra em Luxemburgo, um paraíso fiscal na Europa. Num documento do Mossack Fonseca, o casal explicou que o objetivo da Cor Assets era receber “investimentos em ativos financeiros do Santander private bank”. Assim que o escritório no Panamá enviou a Luxemburgo os documentos para abrir a conta no Safra, o funcionário luxemburguês Jost Dex informou a um colega de trabalho: “Nós destruiremos os documentos e você pode encerrar esse caso.” O sigilo sobre os negócios de seus clientes era a regra número um do Mossack Fonseca e, mesmo assim, tornou-se o epicentro do megavazamento de dados em 2016.

Em julho de 2004, dois meses depois de fundar a Cor Assets, Campos Neto transferiu mais 1,08 milhão de dólares para a conta estrangeira e aumentou significativamente o capital da empresa. Ele disse ao Mossack Fonseca que havia declarado o dinheiro transferido à Receita brasileira. Paralelamente, entre janeiro de 2007 e novembro de 2016, o executivo manteve outra offshore, a ROCN Limited, agora nas Ilhas Virgens Britânicas. A empresa foi criada pelo escritório Trident Trust, o mesmo responsável por abrir a firma de Paulo Guedes.

A piauí procurou o ministro Paulo Guedes duas vezes para pedir esclarecimentos sobre a Dreadnoughts International. Em dezoito perguntas, a reportagem inquiriu, entre outros pontos, se o ministro declarou a offshore em seu imposto de renda, se poderia comprovar essa informação documentalmente, qual a origem do capital aportado as Ilhas Virgens Britânicas, se a offshore possui bens no Brasil, qual o capital atual da empresa e, por fim, se Guedes é a favor da taxação do capital mantido por brasileiros no exterior.

A assessoria do ministro ignorou as perguntas e se manifestou de modo genérico, por meio de uma nota: “Toda a atuação privada do ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no [atual] cargo, foi devidamente declarada à Receita Federal e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade. Desde que assumiu o cargo de ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão. Cumpre destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já atestou a idoneidade e a capacidade de Paulo Guedes, no julgamento de ação proposta pelo PDT contra o ministro da Economia.” A reportagem insistiu para que o ministro respondesse as perguntas específicas, mas Guedes preferiu não dar mais detalhes. A reportagem queria esclarecer, em especial, a passagem da nota em que Guedes diz ter se desvinculado “de toda sua atuação no mercado privado” – o que não aconteceu em relação à offshore, de acordo com os documentos do Pandora Papers.

A revista mandou as mesmas perguntas para o presidente do Banco Central. Em nota, Campos Neto respondeu o seguinte: “As empresas estão declaradas à Receita Federal e foram constituídas há mais de 14 anos com rendimentos obtidos ao longo de 22 anos de trabalho no mercado financeiro, decorrentes, inclusive, de atuação em funções executivas no exterior. Não houve nenhuma remessa de recursos às empresas após minha nomeação para função pública. Desde então, por questões de compliance, não faço investimentos com recursos das empresas. Questões tributárias não são atribuição da minha função pública.”

A reportagem também perguntou a Campos Neto se ele havia informado a Comissão de Ética Pública sobre a existência de sua offshore no Panamá. A resposta foi a seguinte: “A integralidade desse patrimônio, no país e no exterior, está declarada à CEP, à Receita Federal e ao Banco Central, com recolhimento de toda a tributação devida e observância de todas as regras legais e comandos éticos aplicáveis aos agentes públicos.” Nas atas de reuniões da Comissão de Ética Pública, no entanto, não consta nenhum julgamento de processo do presidente do BC. Assim como no caso de Guedes, a comissão recusou-se a dar informações sobre o caso.

Embora ter uma offshore devidamente declarada à Receita não seja ilegal, criá-la nem sempre atende a propósitos republicanos, sobretudo quando a empresa se localiza em paraísos fiscais, onde a tributação é baixa ou até mesmo nula. Além do mais, esses paraísos raramente participam de tratados internacionais e são usados para viabilizar a lavagem de dinheiro oriundo de organizações criminosas e corrupção.

Guedes e Campos Neto não informaram as razões que motivaram seus investimentos. Mas, segundo especialistas consultados pela piauí, quem se utiliza legalmente de offshores em paraísos fiscais costuma ter dois objetivos: blindar seu patrimônio de instabilidades políticas e econômicas e escapar de tributações mais elevadas em seu país de origem, manobra conhecida como elisão fiscal. Tudo é feito sob o máximo sigilo. Primeiro, cria-se a empresa atrelada a uma conta no exterior, normalmente aberta em bancos de países com economia sólida, como a Suíça e os Estados Unidos. A partir dessa conta, investe-se em companhias e fundos estrangeiros de maneira direta, sem que os rendimentos sobre o capital investido sejam tributados imediatamente no Brasil.Em termos práticos, um investidor que aporta 1 milhão de reais num fundo de ações no Brasil e obtém ganhos de 100 mil reais ao longo de um ano deve declarar para o Fisco não apenas o seu patrimônio como a sua rentabilidade e ser tributado por isso anualmente. Já um investidor que possui uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas pode fazer o mesmo investimento em fundos de ações no exterior e não pagar nenhum imposto por lá, uma vez que a maioria dos paraísos fiscais não tributa o capital na fonte. A mordida do Leão ocorrerá, portanto, somente quando – e se – o dinheiro chegar ao país onde o dono reside. A remessa legal de dinheiro para o exterior sofre tributação mínima. Paga-se 0,38% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) mais a tarifa bancária, que pode ser nula, dependendo do cliente.

O fosso entre o dinheiro declarado dos brasileiros no exterior e aquele que realmente é remetido para fora pode ser constatado em números divulgados pela Receita e pelo Banco Central. O BC deve ser informado sobre todo estoque financeiro mantido por brasileiros no exterior, embora não esteja autorizado a compartilhar essas informações com o Fisco – se o fizesse, estaria analisando dados, incumbência que não é sua. No ano passado, nas contas do BC, os brasileiros mantinham no exterior um total de 204,2 bilhões de dólares, o equivalente a 1,12 trilhão de reais. Nas Ilhas Virgens Britânicas estavam 14,7% do capital brasileiro. O local se consolidou como o terceiro principal destino do dinheiro tirado do Brasil, atrás dos Países Baixos e das Ilhas Cayman. Já a Receita Federal, que cobra tributos sobre o patrimônio, estima que os brasileiros tenham apenas 50,4 bilhões de reais  no exterior. Como não dispõe de informações constantes sobre a quantia que circula nessas contas estrangeiras, a Receita considera apenas o saldo declarado na data de entrega do Imposto de Renda.

A diferença brutal entre os números – 1 trilhão de reais para o BC, 50 bilhões para a Receita – é, por si só, uma expressão cabal da falta de transparência nessas operações no exterior. É uma das razões pelas quais a Tax Justice, uma ONG que trabalha em defesa da justiça tributária, prega o fim dos benefícios oferecidos nos paraísos fiscais. Fala-se em justiça porque os detentores de offshores– como Guedes e Campos Neto – têm um privilégio tributário ao qual a imensa maioria dos cidadãos de seus países não têm acesso, o que lhes confere vantagens desiguais. Em um ranking das nações que mais colaboram para o que a Tax Justice chama de “exploração tributária”, estão justamente as Ilhas Virgens Britânicas.

*Agência  Pública

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