“O cultivo da memória renova a fé na luta contra a imposição do suplício e revaloriza quem travou – sob sangue – uma cruzada pela vida”, diz Tiago Barbosa.
Abusaram da truculência, do silenciamento e da intolerância porque a profecia de um mundo mais justo, abençoado e misericordioso colidia com o poder.
Com o domínio exercido pela força de um corpo armado onipresente e intimidador, avesso às boas novas de um horizonte de esperança e partilha.
A palavra virou inimiga para cercear o semeio de um convívio fraterno em uma comunidade já testemunha de atos milagrosos da coragem.
Cada reunião, amparo, pregação tomava vulto de insurgência contra a ordem instituída e ensejava reações violentas habituais das opressões.
Vigiaram. Prenderam. Bateram. Torturaram física e mentalmente para violar o corpo, a alma, a convicção, o espírito do tempo.
No calvário histórico, houve quedas. Várias. Mas a garra a cada levantada rachou com luz as trevas de um regime feito para controlar, calar e matar.
E mataram, sim.
Não sem antes humilhar, expor e tripudiar da carne, das ideias, da verdade crucificada como símbolo de perigo, heresia, desobediência.
Mas a palavra teimou em ressuscitar pela tenacidade de quem repelia com ódio e nojo o autoritarismo disfarçado de ordem e progresso.
A liberdade raiou. A redenção reluziu.
E não dá para esquecer, apagar, menosprezar a lembrança sob risco de reincidências tirânicas e outros mitos reativarem a dor e a violação de cada um, do próximo, de todos.
O cultivo da memória renova a fé na luta contra a imposição do suplício e revaloriza quem travou – sob sangue e destemor – uma cruzada pela vida.
Calhou ser na Páscoa – tempo de reflexão pelo destino de Cristo, torturado e morto por agir e pensar diferente – a passagem dos 60 anos do golpe militar no Brasil.
Recordar para nunca repetir é ato de respeito à dignidade humana – tributo justo e necessário a quem jamais se calou para nos dar voz e vida.
Sem silêncio. Sem medo. Sem anistia.
*Tiago Barbosa/247