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Brasil deve dar resposta enérgica ao bilionário do “vamos dar golpe em quem quisermos”

“O Brasil deve aproveitar ataque de Musk à democracia para banir sua plataforma de apoio à extrema direita e estimular rede social brasileira”, diz Aquiles Lins.

Em 24 de julho de 2020, o bilionário Elon Musk, dono da Tesla e da rede social X (antigo Twitter) mostrou os dentes contra a democracia de países latinoamericanos. Ao responder a uma provocação sobre interesse em derrubar o então presidente da Bolívia Evo Morales para ter acesso ao lítio boliviano, que abasteceria os carros da Tesla, Musk escreveu em sua conta no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”.

Quase quatro anos depois, o bilionário agora se volta contra o Brasil, com ataques diretos ao Poder Judiciário, especialmente contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No domingo (7), Elon Musk pediu no X a renúncia ou impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O bilionário afirmou que em breve o X iria divulgar como as exigências do ministro violam a legislação brasileira, acusando-o de trair a Constituição e o povo brasileiro. Desde sábado (6), Elon Musk tem criticado publicamente Alexandre de Moraes acusando-o de praticar censura nas redes sociais.

Em resposta, o ministro Alexandre de Moraes incluiu Elon Musk no inquérito sobre as milícias digitais antidemocráticas. Em sua determinação, Moraes enfatizou que as redes sociais não estão isentas da lei, ressaltando a importância de cumprir as determinações judiciais. Moraes ordenou uma investigação sobre a conduta de Musk por obstrução à justiça e incitação ao crime, e estabeleceu multas para a X caso perfis sejam reativados irregularmente. Além disso, o ministro do STF estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil para cada perfil da rede social que venha a ser desbloqueado, em descumprimento da decisão judicial. E frisou a possível punição aos responsáveis legais pela empresa no Brasil caso isso ocorra.

Apesar da decisão do ministro Alexandre de Moraes, Musk removeu restrições de perfis de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro bloqueados pelo STF. Após a decisão, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos fez uma transmissão ao vivo para quase 10 mil usuários do X entre 22h e 23h deste domingo. O extremista é foragido da Justiça brasileira desde outubro de 2021 e hoje vive nos EUA.

Com seu histórico de apoio à extrema-direita e sob a puída e falsa veste da liberdade de expressão, Elon Musk agride a soberania brasileira e deve ter uma resposta firme e enérgica das instituições do país. Um bilionário não pode tentar desestabilizar o estado de direito brasileiro para beneficiar os interesses da extrema-direita, que atacam a democracia, disseminam fake news em escala monumental e minam a credibilidade do sistema democrático. Esta nova agressão da extrema-direita internacional torna o momento ainda mais propício para uma atuação conjunta do Judiciário, do Congresso Nacional e do Executivo, não só para coibir as agressões do X e de seu dono, mas principalmente para apoiar financeira e tecnologicamente o desenvolvimento de plataformas sociais brasileiras.

*Aquiles Lins/247

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Política

60 anos do golpe: Brasil não fez acerto de contas e vive com legados da ditadura

A transição da ditadura civil-militar para a Nova República na década de 90 poderia ter sido um período de revisão do autoritarismo encrustado na sociedade brasileira desde a sua formação. No entanto, os traços autoritários, exacerbados ao longo da ditadura, são legados que o país carrega até hoje.

Por trás da vigência desses traços, estão uma sociedade e seguidos governos que se recusam a fazer um acerto de contas com o passado. Recentemente, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que não pode “ficar remoendo sempre” o passado ditatorial, quando questionado sobre o cancelamento da cerimônia de aniversário de 60 anos do golpe de 1964, planejada para o dia 1º de abril deste ano.

“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”, disse em entrevista ao programa É Notícia, da RedeTV!.

Ivo Lebauspin, que foi preso e torturado durante a ditadura, afirma que “é um erro não trabalhar a memória da ditadura”. “Há uma narrativa de que é melhor se reconciliar com o passado e esquecer o que aconteceu. Isso é impossível sem saber o que efetivamente aconteceu”, afirmou o sociólogo.

“Algumas pessoas acham que para se avançar no plano político é preciso varrer essas coisas para baixo dos tapetes, por uma pedra em cima desse passado, ir em frente e fazer acordos. Isso já foi feito. Isso vem sendo feito há anos. Desde o fim da ditadura militar não se analisa a ditadura militar, não se julga, não se faz nada”, defende.

Lebauspin associa, por exemplo, a presença militar na tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro na Presidência como um resquício da intervenção militar. “Tem tudo a ver com a não memória da ditadura e o não julgamento. Na Alemanha se faz um esforço monumental para lembrar sempre tudo que aconteceu. Tem museus do Holocausto em várias partes, e as pessoas sabem o que aconteceu. Houve julgamento, os fatos foram analisados e julgados. Aqui não houve isso.”

Na mesma linha, o professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis Filho, afirma que lembra de “líderes de partidos progressistas, como Tancredo Neves em 1985, conclamando as pessoas a não olharem para o espelho retrovisor, mas a olhar para frente e não ficar remoendo as feridas”. Isso mostra que o Brasil “dedicou pouca atenção para refletir sobre a estrutura de Estado montado durante a ditadura e suas políticas”.

Forças Armadas
Com isso traços autoritários não só do período da ditadura militar, mas de outros governos, como do Estado Novo de Getúlio Vargas e do período escravocrata, continuam presentes na sociedade brasileira. Entre esses legados, o professor elenca a autonomia das Forças Armadas. “São um verdadeiro Estado dentro do Estado. Elas têm uma estrutura educacional própria e uma justiça específica. Isso permitiu que as Forças Armadas cultivassem ideologias cada vez mais anacrônicas, mas muito vigentes dentro das Forças Armadas.”

O professor explica que somente a partir do governo de Dilma Rousseff — e ainda timidamente — foram feitos esforços para revisar essa estrutura militar, principalmente com a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 18 de novembro de 2011. Ainda assim, Aarão afirma que “houve uma espécie de pacto: a gente não mexe com vocês, vocês não mexem com a gente. Esse pacto na esperança ilusória de que, com o tempo, as feridas iriam ser sanadas”.

Um ano depois do encerramento da comissão, ocorrido em 2014, o pesquisador e integrante da CNV, Lucas Figueiredo, afirmou que o relatório final com 4.328 páginas ficou “muito fraco”.

“O pai da criança é o Tancredo (Neves), que fala abertamente que não vai investigar. (José) Sarney entrou vendido porque era muito fraco, ele se escorava nos militares. Depois Collor e Itamar fazem vistas grossas. FHC e Lula colocam a União para combater a abertura dos arquivos na Justiça, que é uma postura mais grave. E você tem a Dilma, que é de uma passividade absoluta, porque as Forças Armadas mentiram descaradamente para ela durante a CNV e ela não fez nada”, disse em entrevista à BBC na época.

Essa passividade dos seguidos governos se somou à articulação da extrema direita dentro dos quartéis, que foi ganhando terreno principalmente a partir da ditadura militar. O professor Daniel Aarão Reis Filho afirma a tendência de extrema direita entre os militares “é muito forte”. “Nada nos diz que essa tendência está neutralizada.”

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Poder

STF avalia que todos os políticos envolvidos em tentativa de golpe ficarão inelegíveis

Determinação, porém, ocorreria somente após todos os recursos apresentados pela defesa dos envolvidos se esgotarem na Justiça.

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam que todos os políticos que eventualmente venham a ser condenados no âmbito do inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado terão os seus mandatos cassados, caso ocupem cargos eletivos, e terão seus direitos de concorrer suspensos. Segundo a coluna da jornalista Bela Megale, no jornal O GLOBO, “essa determinação, porém, ocorreria somente após o trânsito em julgado, ou seja, após todos os recursos apresentados pela defesa se esgotarem na Justiça”.

Este grupo incluiria, conforme as análises, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), assim como ex-ministros e militares sob investigação, como é o caso do general Augusto Heleno, que cogitou concorrer ao Senado em 2022. Jair Bolsonaro (PL) e o general Walter Braga Netto foram declarados inelegíveis no ano passado, em virtude de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em seu depoimento à Polícia Federal (PF), o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica, afirmou que Zambelli o teria pressionado para que aderisse à intentona golpista. O brigadeiro relatou que o fato teria acontecido durante uma cerimônia de formatura de aspirantes da Aeronáutica, realizada em 8 de dezembro de 2022, em Pirassununga (SP).

“Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão”, teria dito a parlamentar. “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que proponha qualquer ilegalidade”, retrucou o brigadeiro.

 

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Política

Bolsonaro planejou um golpe à moda antiga

Ex-comandantes de Exército e Aeronáutica confirmaram complô para invalidar a eleição e impedir a posse de Lula. Falta explicar por que a conspiração fracassou.

O avanço das investigações da Polícia Federal mostra que Jair Bolsonaro planejou um golpe à moda antiga. Queria usar tanques, caças e fragatas para se manter no poder pela força.

O capitão conspirou com ex-colegas de farda para invalidar o resultado da eleição e impedir a posse de Lula. No caminho, fecharia o TSE, prenderia a cúpula do Judiciário e suspenderia as liberdades civis.

A natureza do golpe era militar. Seu estado-maior reunia três generais da reserva: Braga Netto, vice na chapa derrotada; Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional; e Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa.

A trinca dava ordens a outros generais e coronéis. No front civil, o ministro Anderson Torres e o assessor Filipe Martins preparavam minutas de decreto para dar verniz de legalidade à quartelada.

À PF os ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, apontaram Bolsonaro como o chefe da trama contra a democracia.

Ambos disseram ter se recusado a embarcar no golpe. O comandante da Marinha, Almir Garnier, teria colocado “tropas à disposição”. Dos três chefes militares, o almirante foi o único que se recusou a responder às perguntas da polícia.

Os depoimentos ajudam a entender a ligação da engrenagem golpista com o gabinete do ódio, que perseguia adversários de Bolsonaro. Ao divergirem do chefe, Freire Gomes e Baptista Júnior viraram alvo da milícia digital. Passaram a ser chamados de “traidores” e “melancias”, queixou-se o ex-chefe da FAB.

Os ex-comandantes deram informações úteis, mas é ingenuidade tratá-los como heróis da pátria ou bastiões do legalismo. O general permitiu a instalação de acampamentos golpistas nas portas dos quartéis. O brigadeiro ficou conhecido pela militância de ultradireita nas redes.

Ambos sabiam quem era Bolsonaro, conheciam suas ambições autoritárias e assinaram notas que o ajudaram a manter a democracia sob ameaça. Resta saber por que hesitaram na hora de apertar o botão do golpe.

Os depoimentos deixam claro que o país esteve muito perto de uma ruptura institucional em dezembro de 2022, quando o capitão se manteve entrincheirado no Alvorada. Não explicam, porém, o que impediu que o plano fosse levado a cabo.

Há muitas hipóteses para isso, da falta de apoio internacional ao desembarque de setores do establishment que haviam apoiado a eleição de Bolsonaro em 2018.

Também falta descobrir quais seriam os passos seguintes ao golpe. Já se sabe que a turma queria enjaular ministros do Supremo, mas é improvável que o arbítrio parasse por aí. Para impor um regime de força, seria preciso amordaçar o Congresso, a imprensa e as universidades.

Decretado o estado de sítio, Bolsonaro teria carta branca para avançar sobre a sociedade civil. O instrumento permitiria suspender a liberdade de reunião, invadir domicílios, intervir em emissoras de TV e requisitar bens particulares. Seria o início de uma nova ditadura — e o retorno a um passado que o capitão sempre sonhou restaurar.

*Bernardo Mello Franco/O Globo

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Política

‘Declaro o Estado de Sítio’; leia o texto que decretaria o golpe

O documento que estabeleceria o Estado de sítio no Brasil consta no depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército. O ministro do STF Alexandre de Moraes derrubou hoje o sigilo de 27 depoimentos.

O texto que decreta a ruptura democrática havia sido encontrado com o tenente-coronel Mauro Cid, então auxiliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, e que foi alvo de debates.

Questionado sobre o documento, o general Freire Gomes confirmou que seu conteúdo foi apresentado numa reunião no dia 7 de dezembro de 2022. O texto teria sido lido por Filipe Martins, assessor Internacional da presidência.

Martins então se retirou da sala, “ficando apenas os militares, o então Ministro da Defesa e o então Presidente da República Jair Bolsonaro”. “O Presidente informou ao depoente [Freire Gomes] e aos presentes que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos Comandantes”.

Eis a íntegra do documento:

Ordem e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela “segurança jurídica” e pela “liberdade” no Brasil, uma vez que não há ordem sem segurança jurídica, nem progresso sem liberdade.

Nossa Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis à “segurança jurídica” e à liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e garantias (como o direito à vida, a liberdade e a igualdade), princípios fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade) e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou o Habeas Data) foram criados pelo Constituinte em linha com os interesses de todos os membros da sociedade brasileira.

Sem dúvida, neste contexto, a ideia de justiça para o Direito do Estado presume que o Poder emana do povo e que a realização da justiça é um imperativo para a sociedade e os agentes públicos. É dizer numa perspectiva constitucional, a ideia de justiça para o Direito depende de leis justas e legítimas no Estado Democrático de Direito, assim como de decisões judiciais justas e legítimas. Para tanto, devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática. Isto ocorre, quase sempre, em razão da falta de constitucionalidade, notadamente pela ausência de zelo à moralidade institucional na conformação com o ato praticado.

Devemos lembrar que a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever expressamente o “princípio da moralidade” no caput de seu artigo 37.

Este princípio constitucional (de inspiração humanista e iluminista) surgiu na jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de 100 anos, como forma de controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei. Para além de seu reconhecimento e aplicação na França, o Princípio da Moralidade também vem servindo de baliza para o exercício dos agentes públicos em outros países.

À evidência, de forma louvável e pautada por este precedente, a Constituição Federal de 1988 converteu a “moralidade” em fator de controle da “legalidade”, inclusive quanto à interpretação e aplicação do texto constitucional e de suas lacunas, justamente para conferir a justa e esperada “legitimidade” aos atos praticados pelos agentes públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Insta dizer que o “Princípio da Moralidade Institucional” presume a probidade de todo e qualquer agente público, ou seja, sua honestidade e lisura. Ele proíbe o desvio de finalidade, enquanto arbitrariedade supralegal. Enfim, não permite que leis e/ou decisões injustas sejam legitimadas por atos autoritários e afastados do marco constitucional.

De modo geral, todo servidor público (seja ele um Ministro do Supremo Tribunal Federal ou um “gari” de uma cidadezinha do interior) deve atuar sempre de acordo com o “Princípio da Moralidade Institucional”: deve atuar de forma íntegra e legítima, sempre de acordo com a justa legalidade!

O “servidor público” no exercício da magistratura não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra a Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional, isto porque, este mandado constitucional não pode ser afastado, nem ter o seu alcance mitigado: deve sempre ser considerado aplicado. Do contrário, teremos uma atuação ilegítima.

*Jamil Chade/Uol

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Pazuello esteve em reunião com Bolsonaro que discutiu golpe

Encontro acontece em novembro de 2022, após o segundo turno das eleições, no Palácio da Alvorada.

Por Karla Gamba e Igor Mello

Ex-ministro da Saúde durante a pandemia e agora deputado federal, o general Eduardo Pazuello (PL–RJ) participou de pelo menos uma reunião em que foi discutido a tentativa de golpe de Estado.

A reunião teria acontecido em 7 de novembro de 2022, no Palácio da Alvorada, e contou com a presença do então presidente Jair Bolsonaro. O encontro foi citado pela Polícia Federal em alguns depoimentos feitos com alvos e testemunhas da investigação sobre o golpe, entre eles o do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. A reunião pode ter contado com a participação de outras pessoas, de forma presencial ou à distância.

Freire Gomes foi questionado pela PF sobre quais providências tomou ao saber que o general Pazuello tentava utilizar o art. 142 da Constituição como fundamento jurídico para impedir a posse do governo eleito por meio de uma ação militar. Ele respondeu que, como Pazuello estava na reserva do Exército e já eleito deputado federal, entendeu que seria uma “questão política”, sem possibilidade de influenciar diretamente as Forças Armadas.

*Karla Gamba e Igor Mello/ICL

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O general que falta no quebra-cabeça do golpe

Todas as atenções estão voltadas ao ex-comandante do Exército Marco Antonio Freire Gomes, que deu um depoimento de 8 horas à Polícia Federal na semana passada.

Embora o interrogatório com 250 perguntas seja em tese sigiloso, já vazou que o general confirmou que esteve em uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro, na qual foi discutida a minuta golpista. A versão conhecida é que Freire Gomes se opôs às intenções disruptivas do ex-chefe.

O fato de Freire Gomes ter corroborado várias hipóteses das investigações motivou a PF a requisitar mais um depoimento do tenente-coronel Mauro Cid.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro chegou a ser preso e acabou fazendo delação premiada. É a partir de seus relatos e de provas obtidas com ele, como mensagens trocadas no seu celular, que as investigações avançaram.

Toda essa apuração é fundamental para que o enredo golpista seja conhecido, e seus autores, responsabilizados.

Mas tem uma peça nesse quebra-cabeça que até agora foi poupada. Trata-se de Júlio Cesar Arruda, o general que comandava o Exército no 8 de janeiro de 2023, diz Thais Bilenky, Uol.

Freire Gomes comandou a Força de março a dezembro de 2022. Arruda assumiu no dia 30 de dezembro.

Após o 8 de janeiro e com os indícios de, no mínimo, inação do Exército diante da invasão dos palácios em Brasília, a situação de Arruda ficou insustentável. Depois de três semanas no cargo, ele foi demitido. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou que houve uma “fratura no nível de confiança” da relação do governo com o Exército.

Mas teve mais um componente na queda de Arruda. Ele se recusava a barrar a promoção de Mauro Cid, no Exército, ao comando do 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia.

Segundo um relato da Veja na época, Arruda também tentou barrar uma operação da PF contra Mauro Cid, que morava no mesmo condomínio que ele.

A suposta proteção de Julio Cesar Arruda a Mauro Cid já causava desconfiança. Agora, à luz de tudo o que já se sabe —e do papel central de Mauro Cid na organização das tentativas de golpe—, essa relação fica ainda mais importante de ser desnudada.

Na decisão do Supremo que autorizou a megaoperação da PF contra Bolsonaro, generais e políticos supostamente envolvidos na trama golpista, há citações ao ex-comandante.

Aponta o documento que, no dia 2 de janeiro de 2023, já efetuada a transição de governo, Mauro Cid encaminhou uma reportagem ao general Estevam Teophilo, que integrava o Alto Comando do Exército e chefiava as Operações Terrestres em 2022. Segundo as investigações, Teophilo teria consentido com a adesão ao golpe, desde que Bolsonaro assinasse o documento instalando-o.

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Política

Bolsonaro e Braga Netto consultaram general Villas-Bôas sobre golpe e pediram ‘bênçãos’ para o ataque à democracia, aponta investigação

Autoridades políticas e militares visitaram o general Villas Bôas em dezembro de 2022, mês que antecedeu o 8/1.

O general Eduardo Villas Bôas anda distante do X (antigo Twitter), mas a reverência de seus pares e o simbolismo político do ex-comandante do Exército continuam presentes em momentos turbulentos da história recente do país.

As investigações sobre a tentativa de um golpe por parte de Jair Bolsonaro e correligionários para impedir a posse de Lula trouxeram à tona mais detalhes sobre visitas de autoridades políticas e militares a Villas Bôas em dezembro de 2022 – mês que antecedeu os ataques de 8 de janeiro e no qual, segundo a Polícia Federal, foi engendrada a trama golpista.

Entre os elementos que embasam o relatório da PF sobre a Operação Tempus Veritatis há uma mensagem encaminhada pelo general Walter Braga Netto ao capitão Ailton Barros em 17 de dezembro de 2022 criticando o general Tomás Ribeiro Paiva – na época chefe do Comando Militar do Sudeste, hoje comandante do Exército – por uma visita a Villas Bôas na véspera.

“O Tomás foi no VB, ontem…E aí…acredite… ele deu uma mijada no VB e na Cida!”, diz o texto, em referência à esposa de Villas Bôas. Segue a mensagem: “Terminou dizendo que os dois serão prejudicados com as intervenções ‘sem noção’ que estão fazendo… na saída, ele resolveu abrir o jogo e falou mal de todo o ACE [Alto Comando do Exército]. (…) Parece até que ele é PT, desde pequenininho…!”.

A mensagem afirma ainda que Tomás “nunca valeu nada!!”. “A ambição derrota o caráter dos fracos. Aliás…revela. Ele ainda meteu o pau no Paulo Sérgio [ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa], disse que ele tem que ficar quieto! A Cida ficou louca. Se retirou da sala. Pra não botar o artista pra fora! Na verdade o VB tinha paixões discutíveis… Fernando… Tomás”.

Braga Netto, ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro pelo PL, confirmou a interlocutores que os prints do relatório da PF são de uma conversa dele com o capitão Ailton (expulso do Exército por malfeitos após punições disciplinares), mas argumenta que não foi o autor do texto desancando Tomás – diz que o recebeu de terceiros e o encaminhou.

Já naquela época surgiu em grupos bolsonaristas o rumor de que Tomás tinha ido pressionar Villas Bôas e a esposa para não aderirem a conspirações golpistas. Circulavam na internet um vídeo em que Cida Villas Bôas foi saudada no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília e outro em que ela passou no local dentro de uma van com vidros escuros e fez um gesto de que o marido estava na parte de trás do veículo.

Se por um lado era celebrada por muitos integrantes do Exército, a presença de Cida no acampamento virou um estorvo para parte dos generais. Estes avaliavam que os vídeos da esposa de Villas Bôas entre os bolsonaristas inflamavam ainda mais os radicais enquanto a maioria do Alto Comando do Exército atuava nos bastidores para comunicar que não endossaria uma ruptura institucional.

Tanto Tomás quanto Villas Bôas negaram que o motivo da visita foi aquele propalado à época, bem como qualquer mal-estar entre os dois.

“O general Villas Bôas me mandou recentemente um zap falando assim: ‘Pô, você é meu amigo, irmão, parente, filho’. A relação que eu tenho com ele é de cadete, meu comandante de companhia. Foram botar essa porcaria, que eu fui chantagear o general Villas Bôas, uma mentira sórdida”, afirmou Tomás em uma palestra fechada para oficiais do Comando Militar do Sudeste em janeiro do ano passado, cujo áudio foi divulgado pelo podcast Roteirices.

Villas Bôas foi instrutor de Tomás na Aman, a Academia Militar das Agulhas Negras, e, quando comandou o Exército, de 2015 ao final de 2018, o nomeou chefe de gabinete. Em seu livro de memórias, o ex-comandante afirma sobre seu ex-cadete: “Tomás é certamente, num círculo bem estreito, o mais completo oficial que eu conheci”.

No tumultuoso final de 2022, Bolsonaro e Braga Netto também foram à casa de Villas Bôas pelo menos duas vezes: a primeira no dia 7 de dezembro, horas antes da reunião em que, segundo a PF, o então presidente apresentou uma minuta golpista aos comandantes militares. A segunda ocorreu em 20 de dezembro.

Militares que trabalharam com Bolsonaro dizem que o ex-presidente foi consultar Villas Bôas sobre a conjuntura política da transição e pedir uma espécie de bênção para os planos golpistas.

Amigo de infância de Villas Bôas e chefe do Estado-Maior do Exército quando o colega comandou a corporação, o general Sergio Etchegoyen considera uma “canalhice” a difusão dessa história. “Quem é que vai ouvir esse cara para saber a versão dele?”, indagou.

Etchegoyen se refere à condição de saúde de Villas Bôas, que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença degenerativa. O ex-comandante se locomove com cadeira de rodas e não consegue falar. Comunica-se com o auxílio de um programa no qual consegue digitar a partir do movimento dos olhos – o texto então pode ser transformado numa voz mecânica.

É desse modo que nos últimos tempos trocava mensagens por aplicativos com amigos –com a ajuda de uma secretária e de familiares – e até conversava com os que iam visitá-lo. Interlocutores do ex-comandante relatam que esses contatos têm sido menos frequentes nos últimos meses.

Etchegoyen diz que há muito tempo não conversa com Villas Bôas (o primeiro mora em Novo Hamburgo-RS e o segundo, em Brasília), e que às vezes tem notícia do amigo por meio da família dele. Confrontado com as versões sobre as visitas de Tomás e Bolsonaro, afirmou que não há atrito algum entre o ex-comandante e o atual, que não tem conhecimento das visitas do ex-presidente nem do teor das conversas entre ele e o general e que não faz juízo de valor sobre o episódio.

“Posso dizer que tenho uma vida inteira de amizade com o Villas Bôas, que é meu irmão, uma pessoa em cujos princípios e valores confio plenamente”, afirmou Etchegoyen.

Procurado pela reportagem por mensagem em 15 de fevereiro passado, Villas Bôas respondeu: “Prezado jornalista, estou na reserva e por isso me reservo o direito de não responder tuas perguntas”. Uma das filhas do ex-comandante, Adriana, também foi contatada, mas não respondeu.

Um dos principais responsáveis pela politização do Exército iniciada no governo Michel Temer e ampliada por Jair Bolsonaro, Villas Bôas foi o autor, em abril de 2018, do célebre tuíte em que pressionou o Supremo Tribunal Federal às vésperas do julgamento de um habeas corpus impetrado por Lula – o HC terminou negado e o petista foi impedido de concorrer na eleição daquele ano; dois dias depois, foi preso, por decisão do então juiz Sergio Moro.

Após deixar o comando do Exército, Villas Bôas foi nomeado assessor especial do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no governo Bolsonaro, cargo que ocupou até julho de 2022. Mudou-se do Setor Militar Urbano para uma casa num condomínio no Lago Norte de Brasília.

Os últimos tuítes políticos de Villas Bôas foram publicados em novembro de 2022, o primeiro para endossar a nota dos comandantes militares em apoio aos acampamentos em frente a quartéis nos quais manifestantes pediam golpe militar e negavam o resultados das urnas; o segundo para defender generais tidos por bolsonaristas como traidores.

Depois disso, o ex-comandante fez outras duas publicações na rede social, em dezembro de 2022, para anunciar que passaria a ser colunista da revista Oeste e para divulgar dois desses artigos, ambos sobre a Amazônia. No segundo, destacou o trecho: “O ambientalismo vem, crescentemente, sendo empregado como um braço do imperialismo”.

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Política

PF vê “admissão de culpa” de Bolsonaro em discurso na Avenida Paulista

A Polícia Federal (PF) vai incorporar o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) às investigações sobre a suposta tentativa de golpe.

A Polícia Federal (PF) vai incorporar o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o ato com apoiadores na Avenida Paulista, em São Paulo, neste domingo (25/2), às investigações sobre a suposta tentativa de golpe de Estado.

Fontes confirmaram ao Metrópoles que há indícios de “admissão de culpa” nas falas de Bolsonaro. O discurso do ex-presidente será transcrito e inserido nos autos da “narrativa golpista”.

Para milhares de apoiadores, Bolsonaro se defendeu das acusações de suposta tentativa de golpe de Estado e adotou postura mais amena ao criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e os seus ministros, diz o Metrópoles.

Na Paulista, o ex-presidente afirmou que busca a pacificação do país e pediu a anistia dos criminosos presos pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

“Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de estado de defesa”, disse. “Golpe usando a Constituição? Deixo claro que estado de sítio começa com presidente convocando conselho da República. Isso foi feito? Não”, completou Bolsonaro.

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Opinião

Afundado num pântano, se Bolsonaro ficar calado, afunda, se falar, afunda também

A manifestação, convocada no atropelo, foi a suposta saída, a de buscar uma estratégia que anulasse uma transparente prova material de sua autoria na tentativa de golpe de Estado, que acabou não ocorrendo antes da eleição de 2022, talvez pela esperança da vitória, mas que acabou chegando às vias de fato no dia 8 de janeiro, logo após a posse de Lula.

Em função da violência empregada pelos prodigiosos terroristas do bolsonarismo mais radical, a tentativa de explosão de uma bomba, diante dos olhos do Brasil, no aeroporto de Brasília, no dia da diplomação de Lula, certamente não estava desprovido de apoio de Bolsonaro..

Na verdade, Bolsonaro, que nunca teve qualquer grandeza, não teria, após sua derrota e apresentaria suas armas, experimentando em cada ação sublinhada pela violência e fixando preliminarmente uma ação programática alheia à legalidade.

Bolsonaro foi o arquiteto do conjunto da obra golpista, não em somente um movimento, mas em vários, uns mais, outros menos tradicionais. Tudo feito com a colaboração de seus mais próximos aliados.

Toda aquela dramaticidade, na busca por uma solução violenta, cantada como pedra por Bolsonaro, por perceber que seria derrotado, está longe de ser uma exceção, ao contrário, sempre esteve consciente de que, mesmo de forma delirante, não tinha outra saída para se manter no poder sem ser através de alguma forma de golpe.

Isso, mesmo sem uma técnica propriamente dita, ficou indubitavelmente explícito naquela reunião ministerial em que ele tinha como conceito final o golpe em estado puro.

Assim, Bolsonaro imaginou que, através de uma manifestação barulhenta que viesse a ocorrer, sem cartazes e frases de guerra contra o Supremo, os efeitos contra a sua prisão seriam facilmente alcançados, como quem se acha a própria divindade, um semideus, um herói mítico que, tendo o povo como instrumento, a qualquer momento poderia enfrentar o judiciário e, com isso, extinguir qualquer prova de culpa.

No entanto, Bolsonaro, hoje, chegou na Paulista de um jeito e saiu da manifestação do mesmo jeito, o que lhe reduziu o tamanho, porque afundou ainda mais no pântano e o colocou mais perto da prisão.