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Mortes promovidas por policial atingem maior índice da década com Tarcísio em SP

Dados do monitoramento do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) mostram que o número de mortes decorrentes de intervenção policial em 2024 foi o maior da década. Entre 2023 e 2024, o aumento foi de 65%, com os óbitos subindo de 542 para 835, uma média de duas pessoas mortas por dia.

O menor índice da série histórica, iniciada em 2017, foi registrado em 2022, com 477 mortes, um marco atribuído à implantação das câmeras corporais. Durante a campanha eleitoral, o atual governador defendeu o fim das câmeras e, já à frente do Palácio dos Bandeirantes, anunciou uma mudança no modelo atual, de gravação ininterrupta, permitindo que os policiais desliguem os aparelhos.

A Polícia Militar (PM), que tem o maior efetivo do estado, responde pela maior parte dessas mortes. Em 2024, foram 760 óbitos decorrentes de ações de policiais militares, um aumento de 60,5% em relação aos 460 registrados no ano anterior. As mortes por policiais fora de serviço permaneceram estáveis, com cerca de uma centena de casos anuais desde 2020.

Em 2020, policiais militares foram responsáveis por 93% das mortes por intervenção policial. Após um declínio em 2022, quando essa proporção caiu para 83%, houve novo aumento, alcançando 91% em 2024.

Impacto da política de segurança pública

Especialistas atribuem o aumento na letalidade às diretrizes do governo de Tarcísio de Freitas, que assumiu em 2023. Durante sua campanha, o governador defendeu intervenções policiais mais incisivas como pilar das políticas de segurança. Sob sua gestão, a Secretaria de Segurança Pública é liderada pelo capitão PM Guilherme Derrite, que prioriza o uso de armamento pesado e policiamento ostensivo.

Operações como Escudo e Verão, conduzidas por batalhões especializados como a Rota e os Baeps, têm sido marca dessa gestão com registro de dezenas de mortes. Rafael Rocha, coordenador do Instituto Sou da Paz, critica o discurso de confronto, que coloca policiais em situações de risco e aumenta a violência. “Essa é uma lógica que prejudica policiais, que têm morrido mais, e a população, com casos frequentes de uso excessivo de força”, afirma.

Em dezembro do ano passado, mais de 60 entidades denunciaram Tarcísio e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Críticas de organizações da sociedade civil

Carolina Diniz, da ONG Conectas, também responsabiliza a gestão atual pelo aumento da letalidade. Ela aponta o enfraquecimento de mecanismos de controle, como o uso das câmeras corporais, e critica a falta de investigações independentes sobre mortes em operações policiais. Segundo Diniz, “essa postura incentiva policiais a usarem mais força letal, com maior probabilidade de receberem condecorações em vez de punições”.

A Conectas, que acompanhou as operações Escudo e Verão, destacou falhas nas investigações dessas mortes, que desconsideraram padrões internacionais como os protocolos de Minnesota e de Istambul. “O enfraquecimento de instituições independentes, como a Ouvidoria das Polícias, e o esvaziamento de comissões que articulam governo, judiciário e sociedade civil agravam a situação”, conclui.

Respostas e perspectivas

Em nota, o governo de São Paulo reafirmou seu “compromisso com a legalidade e a transparência, garantindo punição a policiais que cometem abusos”. Destacou ainda medidas para reduzir a letalidade, como cursos de formação continuada e aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo.

Pesquisa Quaest divulgada em dezembro do ano passado mostra que Tarcísio tem a pior avaliação na área de segurança pública entre seis governadores pesquisados – Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Jr. (PSD-PR), Raquel Lyra (PSDB-PE), Ronaldo Caiado (União-GO) e Jerônimo Rodrigues (PT-BA). O levantamento mostra que apenas 27% dos paulistas acham positiva a política de segurança pública do ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) – outros 36% acham regular e 37% péssima.

Apesar disso, especialistas apontam que uma mudança significativa requer maior controle social e investimento na profissionalização das polícias. “Uma segurança pública mais eficaz e menos letal é possível, como demonstraram estados que reduziram a letalidade”, diz Rocha. Ele defende que o governo federal vincule repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública a diretrizes que priorizem a redução de mortes.

O desafio, segundo Diniz, é mobilizar todas as esferas de controle – do judiciário a organismos internacionais – para responsabilizar os agentes públicos e assegurar uma segurança pública que respeite os direitos humanos

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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