Jair Bolsonaro transformou sua internação numa novela, com vídeos diários, com direito à trilha sonora. Parece um drama mexicano. Só que o roteiro tem problema.
Bolsonaro vincula Adélio a um movimento de esquerda, o que é falso – Adélio tinha militância na rede social identificada com a direita e defendeu pelo menos um projeto de Bolsonaro, o da redução da maioridade penal.
E Bolsonaro também diz que escapou da morte por milagre.
O fato é que um estudo acadêmico feito na Inglaterra – informa-me um médico na condição de anonimato –, analisou mil casos de facada única no abdômen e apenas um resultou em óbito.
As mortes ocorrem com facadas múltiplas. Estou aguardando o médico me enviar o estudo para escrever outro artigo.
Segundo ele, há outros estudos com número menor de casos — 100 e 200 –, e o resultado é parecido. Para esse médico, a hipótese do auto atentado tem lógica.
Se o objetivo era matar Bolsonaro, Adélio poderia usar um revólver. Até porque ele tinha feito curso de tiro, dois meses antes, no mesmo clube de Florianópolis frequentado por Carlos Bolsonaro, o .38, e no dia em que este estava na cidade.
É possível que Carlos Bolsonaro estivesse no clube este dia – ele nega, diz que ia para o .38, mas desistiu. Em entrevista a Leda Nagle, Carlos disse que talvez isso tenha salvado sua vida. Adélio poderia ter ido lá com objetivo de matá-lo.
Ora, isso não faz sentido. Até o dia em que fez o curso, Adélio não tinha postado nenhuma mensagem agressiva a Bolsonaro.
Ele começa a se manifestar de maneira agressiva ao então pré-candidato a presidente alguns dias depois do curso, entra no próprio perfil de Jair Bolsonaro e, num comentário, diz que gostaria de encontrá-lo na rua, para enfrentá-lo fisicamente.
Alguns poderiam dizer que ele teria ido a Juiz de Fora justamente para ter esse encontro, dois meses depois. Também não faz sentido. Em depoimento, Adélio diz que foi à cidade mineira para experimentá-la.
Ele vivia até então num circuito restrito: Montes Claros, onde nasceu, Uberaba, onde trabalhou como garçom, e Florianópolis, onde também trabalhou como garçom e entregador e, perto dali, Camboriú, como servente de pedreiro.
Segundo depoimento, só soube que Bolsonaro estaria na cidade quando viu um outdoor. Ele, então, fotografou os locais por onde Bolsonaro passaria, e foi até o Parque Halfeld, de onde o então pré-candidato saiu para uma caminhada pelo calçadão.
Quem estava ali, perto dele? Carlos Bolsonaro que, ao avistá-lo, se trancou no carro. Disse que ficou com medo. Medo por quê? Até então, pela narrativa do próprio Carlos, Adélio era um desconhecido.
Se era desconhecido e despertou medo nele, o certo a fazer não era correr, mas avisar um dos muitos seguranças ou policiais que estavam ali, para revistá-lo ou prendê-lo.
Até porque já circulava na cidade um zum zum zum de que Bolsonaro poderia levar uma facada, o que não é comum em termos de atentado para valer.
Quem falou na possibilidade da facada foi o segurança voluntário Hugo Alexandro Ribeiro. Em seu depoimento, a promotora pergunta:
– O senhor pode observar o contato do senhor Adélio com outras pessoas antes do evento da facada?
Hugo responde:
– Olha, como um dos organizadores da segurança voluntária, antes do Bolsonaro chegar ao Parque Halfeld, fui informado que tinha pessoas querendo dar uma facada no Bolsonaro. Na hora que o Bolsonaro chega, de fato, eu estou com o tenente-coronel que estava no comando da operação, no meio da praça, no Parque Halfeld. Então, foi onde eu consegui chegar próximo ao Bolsonaro, na porta da Funalfa. Eu fui andando na diagonal. Então, a princípio, como um dos coordenadores, era para eu recebê-lo, mas eu não consegui. Porque eu fui fazer uma varredura e avisar a PM que eu tinha sido informado que um ou outro ia dar uma facada no Bolsonaro.
A promtora indaga:
– Havia sido informado por quem?
Hugo:
– Um colega. O colega na rua me conhecia, sabia que eu estava na segurança e ele disse: “Hugo, corre os olhos aí, perto da banca, tem pessoas que falaram que vão dar uma facada no Bolsonaro. E um colega meu, que estava na formação comigo, nós fizemos o pente-fino, identificamos pessoas prováveis e passamos a informação para a polícia.
A promotora:
– O senhor prestou esse depoimento em sede policial também acerca de outras pessoas que teriam dito que queriam esfaquear também o candidato?
Hugo:
– Não, o único depoimento que eu prestei foi no dia do ocorrido na Polícia Federal.
E o segurança voluntário, que tinha sido militar do Exército, identifica a fonte da informação: Célio Félix, também segurança em Juiz de Fora.
Hugo já não está mais aqui para entrevista. Ele faleceu em 2021, aos 56 anos, quando estava trabalhando como segurança em um condomínio. Segundo laudo médico, a causa da morte foi infarto.
Há várias pontas ainda soltas no caso, embora a Polícia Federal tenha encerrado a investigação com a conclusão de que Adélio agiu sozinho, um lobo solitário.
Não foi investigada a hipótese do auto atentado. Bolsonaro expõe sua barriga todos os dias, e já a tinha apresentado ao público antes mesmo do evento de Juiz de Fora.
Em 29 de abril de 2018, ao participar de um culto evangélico no Encontro dos Gideões, em Blumenau, o pastor perguntou quem tinha doença no estômago.
Cutucado por Michele, Bolsonaro levantou a mão e recebeu oração de cura. É a evidência de que ele já estava doente, pois havia interrompido duas vezes a campanha, para ser atendido em hospital.
*Joaquim de Carvalho/247
Qual era a doença que Bolsonaro tinha? Tem a ver com as internações presentes?