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Mensagens revelam orientação de Bolsonaro para poupar Gilmar Mendes

Relatório da PF descreve manobra para tentar fazer André Mendonça relatar caso da AP 2668

O relatório final da Polícia Federal traz uma narrativa extensa sobre a estratégia de Jair Bolsonaro e de seus aliados em torno da Ação Penal 2668. O documento mostra como política e direito se entrelaçaram em um esforço para tentar influenciar diretamente a dinâmica interna do Supremo Tribunal Federal.

Em mensagens interceptadas, atribuídas a Eduardo Bolsonaro, surge a expressão de que haveria uma “oportunidade de mudar a relatoria” e de que o ministro André Mendonça poderia “ficar prevento” em um caso de grande interesse do grupo. A expressão “ficar prevento” é usada no jargão jurídico quando um ministro já atua em processos relacionados ao mesmo tema e, por isso, passa a ser designado para os casos seguintes, o que pode garantir previsibilidade e, para os réus, um terreno mais confortável.

Segundo a PF, a tentativa de atrelar o caso a Mendonça não aconteceu no vazio. A defesa de Filipe Martins, assessor próximo de Bolsonaro, ingressou com um mandado de segurança que acabou sendo distribuído justamente para o gabinete do ministro. O pedido, segundo o relatório, tinha um objetivo claro: criar brechas para tumultuar o andamento da ação. Em meio às mensagens sobre a manobra, Jair Bolsonaro encerra a conversa com uma ordem curta e reveladora — “Me ligue” — deixando evidente que a articulação não deveria permanecer apenas no ambiente digital, mas evoluir para tratativas diretas.

A peça transcrita pela PF lista detalhadamente o que o mandado de segurança solicitava. Entre os pedidos estavam: suspender audiências de um dos núcleos da AP 2668, incluir Eduardo e Carlos Bolsonaro como testemunhas de defesa e até mesmo avaliar documentos que o Ministério Público considera falsos.

Esse conjunto de requerimentos, na visão dos investigadores, tinha um propósito central: criar obstáculos no processo e gerar confusão processual, uma prática que a PF descreve como “causar tumulto processual”. O relatório sublinha, no entanto, que não há elementos que indiquem que o próprio ministro André Mendonça tivesse conhecimento dessa tentativa de direcionamento, mas a intenção dos réus de forçar a prevenção já expõe o cálculo político e jurídico envolvido.

O relatório também abre espaço para outro tipo de manobra: a política. Em outra troca de mensagens, Jair Bolsonaro orienta Eduardo a “esquecer qualquer crítica ao Gilmar”, referindo-se ao ministro Gilmar Mendes, e emenda que vinha mantendo conversas com alguns integrantes do Supremo. Bolsonaro relata que “todos ou quase todos” os ministros demonstravam preocupação diante da possibilidade de sanções internacionais contra o Brasil, em razão das ações políticas e judiciais que orbitavam o caso. Esse trecho revela uma estratégia de duplo movimento: de um lado, os ataques ao STF como instituição, de outro, o recuo tático em relação a um dos ministros mais influentes da Corte, visando abrir espaço para uma aproximação.

Bolsonaro

André Mendonça foi indicado por Bolsonaro
Ao colocar lado a lado a tentativa de atrelar Mendonça à relatoria e a orientação para poupar Gilmar Mendes, o relatório evidencia como a defesa buscava se mover em duas frentes. Em termos jurídicos, a expectativa era ter um ministro que pudesse oferecer um ambiente mais previsível ou simpático à tese da defesa. Em termos políticos, a preservação de Gilmar Mendes servia para evitar atritos desnecessários com um magistrado conhecido por seu peso nas negociações e nas articulações internas do Supremo. Para a PF, esse jogo duplo não foi casual: fazia parte de um mesmo roteiro, no qual a pressão, a sedução e o tumulto processual se misturavam.

Esse episódio revela não apenas a preocupação dos investigados em encontrar brechas jurídicas, mas também o reconhecimento de que, dentro da Corte, existiam diferentes perfis de ministros. André Mendonça, por ser ex-advogado-geral da União e indicado pelo próprio Bolsonaro, era visto como mais próximo do grupo. Já Gilmar Mendes, conhecido por sua habilidade política e por influenciar decisões colegiadas, aparecia como alguém que não deveria ser confrontado naquele momento. O resultado é um retrato de como o cálculo dos réus combinava pragmatismo e oportunismo: pressionar onde fosse possível e recuar onde houvesse risco de perda de capital político e jurídico.

Assim, o relatório final da PF não apenas descreve os movimentos concretos da defesa de Filipe Martins e de Jair Bolsonaro, mas também sugere que, por trás de cada medida, havia uma estratégia mais ampla. A ideia de que os réus se sentiriam mais confortáveis com Mendonça como relator e de que Gilmar deveria ser preservado expõe uma tentativa de moldar o ambiente do julgamento no Supremo. O caso vai além da simples disputa processual: mostra uma leitura clara dos atores políticos sobre a composição da Corte e a busca incessante por vantagens em meio a um processo que ameaça diretamente a sobrevivência política do ex-presidente e de seu círculo mais próximo.

*Cleber Lourenço/ICL


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Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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