Dinheiro seria destinado à Lava Jato segundo acordo cujo sigilo foi levantado pelo juiz Appio, que acabou afastado do cargo.
A decisão do ministro Dias Toffoli considerando a prisão de Lula um “erro judiciário histórico” e declarando “imprestáveis” as provas extraídas dos sistemas da Odebrecht, joga uma pá de cal sobre inúmeros processos da operação Lava Jato e lança luz sobre possíveis ilegalidades cometidas em outros acordos de leniência.
Nesta semana, o Tribunal de Contas da União reconheceu irregularidades na destinação de recursos oriundos de acordos de leniência e delação premiada pelo Ministério Público, ressaltando a falta de transparência e controle. A “gestão caótica” de dinheiro obtido pela Lava Jato a partir dos acordos de colaboração também foi apontada em relatório parcial do Conselho Nacional de Justiça. O Conselho Nacional do Ministério Público também investiga os acordos.
O paradeiro dos 625 milhões
Um dos mistérios a serem resolvidos envolve o acordo de leniência da Camargo Corrêa. Assinado por figuras como o ex-procurador Deltan Dallagnol e seu então colega Diogo Castor de Mattos, o acordo feito pela Procuradoria do Paraná tinha uma cláusula curiosa, que destinava 89% do valor da multa cível de 700 milhões de reais para a “Operação Lava Jato”.
Ou seja, a “Lava Jato” estabeleceu no acordo que embolsaria 625 milhões de reais. O acordo foi homologado por Sergio Moro, que sequer tinha competência para arbitrar multa cível. Em 2019, a CGU e a AGU celebraram outro acordo, de 1,4 bilhão de reais, com a Camargo Corrêa. Mas não se sabe se, no intervalo entre um e outro acordo, a empreiteira executou a multa em contas controladas por Moro.
Portanto, não está claro se a “Lava Jato” recebeu parte ou a totalidade desses 625 milhões de reais, onde foram depositados e qual destinação que foi dada. Procurada via assessoria de imprensa, o Ministério Público Federal no Paraná não respondeu a reportagem. A defesa da Camargo Corrêa não quis comentar o assunto. O espaço segue aberto.
Segredo de Justiça
Quando assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba, o juiz Eduardo Appio tratou de levantar o segredo de Justiça. Segundo o Conjur, Appio chegou a fazer fez um levantamento que questiona o paradeiro de 3 bilhões de reais decorrentes dos acordos da Lava Jato. Mas após seu afastamento por causa do caso Malucelli, o novo juiz Murilo Scremin Czezacki devolveu o sigilo novamente.
O que se sabe, conforme imagem abaixo, é que a multa deveria ser paga em até nove parcelas anuais e já se passaram oito anos desde sua homologação.
O caso deverá ser analisado pelo CNJ, que faz uma correição na 13ª Vara e no TRF-4, assim como pelo CNMP. As investigações miram, sobretudo, a verba bilionária que a Lava Jato pretendia injetar em uma “fundação” a ser gerida com ajuda da Transparência Internacional. O plano nebuloso foi abordado pelo STF.
O jurista Pedro Serrano, consulta pelo GGN, afirmou que os acordos na Lava Jato são recheados de falhas e irregularidades a serem investigadas.
“Esses acordos de leniência, conforme inclusive aponta o primeiro relatório parcial da correição do CNJ, tiveram uma série de ilegalidades das mais variadas formas e naturezas. Uma delas é a atribuição de recursos públicos para uma fundação privada a ser constituída e dirigida pelas pessoas físicas dos procuradores, né? É algo muito grave. Isso é uma apropriação privada de dinheiro público”, explicou.
Transgressões do MPF
A construtora Camargo Corrêa, com mais de 80 anos de atuação nas áreas de energia, saneamento, mineração, óleo e gás, portos, aeroportos, rodovias, sistemas de transportes e construções industriais, no Brasil e no exterior, foi uma das empresas investigadas na Lava Jato. A propósito, foi a segunda a cooperar com as investigações, depois da Setal.
Tudo começou em 2014, quando a Polícia Federal deu início aos mandados de prisão. O ex-presidente do conselho administrativo da construtora, João Auler, e o então presidente, Dalton Avancini e seu vice, Eduardo Leite, foram presos por suspeita de crime em cartel em licitações da Petrobras, delataram e deixaram a prisão em 2015. Auler se recusou e foi condenado por Moro a 9 anos de prisão.
Após as delações, começaram os acordos de leniência que sequer poderiam ter sido protagonizados pelo MPF. O próprio TRF-4 – que costumava chancelar as decisões de Moro – reconheceu isso em 2019. Na sequência da Setal, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht e a J&F Investimentos.
Serrano frisou a “política estabelecida pela Lava Jato, de coação das pessoas a delatarem Lula, quer dizer, todo mundo sabia que se delatasse Lula ou alguém do PT, tinha mais chance de ser aceita a leniência ou a delação”.
A Vaza Jato mostrou que, no caso da Camargo Corrêa, houve interferências por parte de Moro, que impôs aos executivos que cumprissem pena por pelo menos 1 ano em regime fechado. Com o reforço da imposição feita por Dallagnol, os delatores ficaram, então, um ano em prisão domiciliar.
*GGN