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Ex-esposa de Bolsonaro desponta como novo Queiroz em esquema de rachadinhas

A segunda esposa de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, é peça-chave para entender como funcionava o esquema familiar de “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual e, hoje, senador, Flávio Bolsonaro, mas também no do vereador Carlos Bolsonaro e no do próprio presidente da República, quando era deputado federal.

Ou seja, ela está presente em indícios de esquemas nas três esferas: Congresso Nacional, Assembleia Legislativa do Rio e Câmara dos Vereadores do Rio.

As revelações sobre uma verdadeira Casa da Mãe Joana com o dinheiro público são fruto de meses de apuração do núcleo especial de jornalismo investigativo do UOL, que analisou 607.552 operações bancárias em 100 planilhas. Isso foi possível após acesso às quebras de sigilo do processo que trata dos desvios de salários de servidores por parte de Flávio antes que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulasse o uso judicial dos dados obtidos.

Até agora, muito se fala sobre o papel do ex-policial e ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz em organizar o recebimento do dinheiro desviado na Assembleia Legislativa do Rio. E de ajudar em sua lavagem, através da compra de imóveis e do uso da loja de chocolate.

(O fato de ter escapado várias vezes de depor no Ministério Público, de afirmar que a origem das “movimentações atípicas” em sua conta era resultado de “rolo” de carros e ter sido preso, muquiado em uma casa de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaros, em Atibaia (SP), também não ajuda na imagem de Queiroz.)

Mas o comportamento de Ana Cristina (que após se separar de Jair e ir morar na Noruega, voltou ao Rio e, agora, se tornou servidora no gabinete de Celina Leão (PP-DF) no Congresso Nacional, como revelou Juliana Dal Piva, no UOL) também mostra que há outros operadores desse esquema familiar. Operadores que são mais discretos e cuidadosos que o ex-assessor.

O clã Bolsonaro pagava salários a 18 parentes de Ana Cristina através de seus gabinetes. Foi pai, mãe, irmão, cunhados, tias, tio, primos, madrasta de primo contratados para atuar como servidores de Jair, Flávio e Carlos. Desses, dez estão sendo investigados e tiveram sigilos quebrados.

Entre eles, Andrea, irmã de Ana, que aparece como funcionária do gabinete do então cunhado deputado federal entre 1998 e 2006. Ela nunca morou em Brasília, permanecendo em Resende (RJ). O endereço indicado para o seu Imposto de Renda era a casa de Jair, na Barra da Tijuca.

Ao final do período de Andrea no Congresso, Ana transferiu para si o dinheiro que restava na conta bancária em que a irmã recebia o salário – R$ 54 mil ou R$ 110 mil, em valores atualizados.

Amanda Rossi, Flávio Costa, Gabriela Sá Pessoa e Juliana Dal Piva, do UOL, apuraram que Ana chegava a ficar com cartões das contas através das quais assessores do clã recebiam seus salários.

Vale lembrar que os servidores investigados pelo MP sacavam a quase totalidade dos seus rendimentos em dinheiro vivo periodicamente, o que é indício que queriam evitar o rastreamento de transferências ilícitas.

Ana Cristina também chefiou o gabinete do ex-enteado Carlos Bolsonaro, entre 2001 e 2008, e, por conta disso, está sendo investigada no inquérito que apura suspeitas de “rachadinha” que recaem sobre o vereador.

Depois que deixou o gabinete de Jair, Andrea foi para o de Carlos, na Câmara dos Vereadores do Rio, onde ficou no cargo por dois anos, chefiada pela irmã. E, a partir de 2008, se mudou para o gabinete de Flávio, na Alerj, permanecendo por dez anos como funcionária fantasma. É investigada pelo MP por rachadinha nesses dois últimos.

Andrea e Ana não quiseram falar com o UOL e Jair nem se dignou a responder.

Tudo isso reforça que o esquema não é de Flávio. Sim, apesar da incompetência que vem mostrando na gestão do país, principalmente na pandemia, Jair tinha sim experiência administrativa.

Afinal, o que o especial “Anatomia da Rachadinha” mostra é um esquema mafioso envolvendo as três esferas da administração pública, que se valeu da percepção de impunidade para se manter vivo por muito tempo. Um conglomerado de crime que chegou à Presidência da República.

Leonardo Sakamoto/Uol

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