Categorias
Mundo

Como a Escola das Américas dos EUA ensinou militares sul-americanos a combaterem suas próprias populações

Formar militares para um treinamento de guerra. Foi assim que a Escola das Américas dos Estados Unidos preparou diversos integrantes das Forças Armadas de diferentes países latino-americanos durante o século 20. O objetivo de interferir na política da América do Sul foi conquistado e esse modelo de formação militar deixou um legado devastador para o continente.

A escola foi fundada em 1946 no Panamá. O objetivo do Pentágono era treinar militares estadunidenses que estavam no Caribe. Ano após ano, no entanto, a escola foi crescendo e passou a receber centenas de militares de todos os países da região depois da criação da OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 1984, a escola muda para os EUA como parte dos acordos assinados para a cessão do Canal do Panamá.

Conhecida por promover técnicas de tortura e uma formação para a guerra interna nos países, a Escola das Américas ficou marcada por treinar militares para confrontos contra grupos que eram chamados de “insurgentes”, ou seja, a esquerda.

Ao longo de todo esse período, mais de 66 mil estudantes passaram pela Escola das Américas. Alguns deles se tornaram ditadores como Leopoldo Galtieri e Roberto Viola na Argentina e Juan Velasco Alvarado no Peru. Integrantes do “esquadrão da morte” que mataram 6 jesuítas em El Salvador também passaram pela unidade de ensino. O grupo Tortura Nunca Mais indica que 21 soldados e oficiais brasileiros que foram acusados de torturar durante a Ditadura Militar no Brasil estudaram na unidade estadunidense.

Para o Exército brasileiro, a influência da Escola das Américas também foi fundamental para a reorientação de correntes políticas. Até a Segunda Guerra Mundial, havia uma tradição europeia dentro das Forças Armadas do Brasil. O governo francês modernizou os equipamentos das tropas e muitos militares passaram a seguir uma corrente pró-Alemanha nazista. No entanto, havia outros grupos com tendências ligadas ao liberalismo estadunidense e até grupos comunistas.

Depois da Segunda Guerra, os Estados Unidos passam a atuar com força no Exército do Brasil e promovem uma nova modernização generalizada. Isso, somado a uma formação da Escola das Américas, acabou com essa diversidade ideológica dentro das Forças Armadas e, principalmente, iniciou uma perseguição a grupos de esquerda.

Segundo o ex-deputado e professor de História da Universidade Federal Fluminense, Manuel Domingos Neto, o anticomunismo já era uma tendência dentro da linha francesa, mas ganha força e passa a ser determinante na linha do exército depois da Segundo Guerra.

“Quando os EUA entram, abre-se a luta contra o comunismo. Os franceses já tinham essa tendência nos anos 20, mas isso se radicaliza com os EUA. Quando acaba a guerra, os EUA tinham que cuidar dessa influência, porque o Exército Vermelho foi fundamental na vitória. A escola das Américas acaba com as diferentes correntes dentro do Exército, havia gente de esquerda até na alta patente. Prevalecia o lado reacionário, mas tinham diferentes correntes que não questionavam a organização militar pré-guerra. O próprio [Luís Carlos] Prestes era admirador da corrente francesa”, afirmou ao Brasil de Fato.

Formação anticomunista
Essa linha-política de perseguição ao comunismo não se resumiu às Forças Armadas brasileiras. Os regimes militares sul americanos também adotaram essa postura. As esquerdas passaram a ser perseguidas e comunistas de Brasil, Argentina, Chile e Paraguai, por exemplo, tiveram que se exilar em outros países.

A professora de Relações Internacionais da Universidade Tiradentes Lívia Milani avalia que essa doutrina da Escola das Américas incluiu uma série de opositores que não necessariamente estavam ligados ao comunismo, mas que, por serem opositores, eram enquadrados como “ameaça nacional”.

“A escola foi formada depois da Revolução Cubana em um contexto no qual se entendia como a principal ameaça para a América Latina. Na contenção do comunismo. Então o que eles aprendiam lá era contra insurgência. Era lidar com comunismo percebido como ameaça. A partir de uma definição muito ampla de comunismo, então oposição política de forma geral, ela era definida como comunista”, afirmou ao Brasil de Fato.

Mesmo com a generalização desse programa de formação para todos os países latino-americanos, o Brasil era visto como o grande balizador da América do Sul. A influência sobre a política brasileira era entendida pelos Estados Unidos como determinante para o resto do continente: para onde o Brasil se inclina, eclipsa as outras nações.

Para Domingos Neto, a formação era tão forte e incisiva que os militares que iam a Escola das Américas incorporavam essas doutrinas de promoção de violência sem contestação.

“Ela ganha o apelido ‘escola de assassinos’. O militar brasileiro, o policial, passava por lá e se sentia autorizado a tudo. Foram enviados para gerar repressão, de orientação social, promover a chamada contra-insurgência, isso dominou os espíritos. Qualquer um que serviu o Exército tinha isso como ponto inquestionável: o combate ao comunismo”, afirmou.

Orientação à guerra
A mudança de mentalidade que a escola promove para os militares latino-americanos é não só um olhar para os inimigos externos, mas também para as “ameaças internas”. A vertente comunista é a que mais se sobressai no período das ditaduras, mas há uma mudança na perspectiva dos militares em relação à função do Exército no território. A organização deixa de ser entendida pelos próprios militares como uma instituição de defesa do território ante ameaças estrangeiras e também é interpretada como um ente para o combate aos crimes nacionais.

Essa caracterização, segundo Domingos Neto, criou uma “crise de identidade” nos policiais e militares brasileiros e sul-americanos. Se de um lado havia uma aproximação com a ideia de proteção das fronteiras e contra ataques externos, passou então a existir o dilema em relação à forma de atuar dentro do território, contra a própria população.

“A Escola das Américas orientou para a guerra, para além da guerra internacional, orientando para o caráter policialesco, de controle interno. Esse é o grande dilema hoje. A influência estadunidense é arrasadora nesse sentido. O foco passa a ser a guerra interna também depois da Segunda Guerra Mundial, foi isso que a Escola das Américas ensinou”, disse.

De acordo com ele, isso também faz com que os militares passem a ter uma maior incidência sobre a política, mesmo que a instituição já se sentisse responsável por definir os destinos políticos da pátria desde a fundação da República.

Ao longo dos anos, mudanças de governo na Casa Branca também colocaram contradições para a escola. Uma das principais foi a chegada de Jimmy Carter ao poder. Com uma linha de defesa dos direitos humanos, o governo dos EUA passa a encarar uma ambiguidade: na política externa, a tentativa de costurar acordos tendo como base a defesa dos direitos humanos; do outro, a preparação de militares para uma atuação violenta nos países do continente.

“Ao mesmo tempo que os militares continuam sendo treinados para a chamada contra-insurgência com técnicas de tortura, o Departamento de Estado e outros órgãos da administração dos Estados Unidos estavam defendendo a pauta de direitos humanos. Esse é o grande marco, a grande diferenciação entre os governos de Washington durante a existência da Escola das Américas”, afirmou Milani.

Legado
A Escola passou por uma reestruturação em 2001 depois de uma forte pressão de grupos ligados à defesa dos direitos humanos. A unidade passou a se chamar Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança (WHINSEC, na sigla em inglês). Com sede na Geórgia, havia uma forte atenção sobre como seria a atuação do novo modelo, que, segundo o Pentágono, passaria a ter um viés mais voltado ao respeito aos cidadãos.

De acordo com Milani, há uma mudança na forma de seleção dos militares e policiais que entrarão no programa e uma mudança na linha pedagógica. Foram elaboradas disciplinas para a segurança, cooperação e respeito aos direitos humanos. Além de tudo, há uma mudança de gestão. Se antes o responsável pela Escola era o Departamento de Defesa, agora quem cuida da unidade é o Departamento de Estado.

Ela, no entanto, questiona até que ponto essas mudanças são concretas e representam um giro na rota que essa unidade tem junto aos militares, já que os EUA continuam com uma mentalidade de combate às ameaças no continente.

“Até que ponto essas mudanças são efetivas? A gente tá falando da ida de militares da América Latina, de uma instituição que lida com a força. Para os EUA o que muda é a percepção que eles têm sobre quais são as ameaças provenientes da América Latina, na época da Guerra Fria era o comunismo. Hoje eles percebem ameaças como narcotráfico, crime organizado nacional. Então continua uma percepção de ameaças”, afirmou.

O efeito dessa formação para o Exército brasileiro também persiste até os dias de hoje. Para Domingos Neto, a Constituição de 1988 preservou a ideia de que as Forças Armadas têm a tarefa também de manter a ordem interna.

“O legado não acabou, persiste. O exército continua com o que eu chamo de perturbação identitária. eles não sabem se são policiais ou militares. Tanto que a Constituição de 1988 impõe a missão de controlar a ordem interna. Isso está nos outros países também. Não há um exército latino-americano que foi preparado para enfrentar o inimigo externo, com exceção à Cuba”, disse.

*BdF

Categorias
Política

Para combater as queimadas, Brasil precisa se libertar do agro

Agronegócio segue extremamente poderoso no Brasil, mesmo sob Lula. O estado brasileiro segue gastando muito mais com grandes fazendeiros do que com a agricultura familiar, social e ambientalmente melhor.

O Brasil está pegando fogo, no pior dos sentidos. Não é nem necessário acompanhar as matérias jornalísticas e análises ambientais sobre os focos de incêndio em todos os biomas brasileiros.

Até quem mora em grandes cidades e, infelizmente, não se enxerga de maneira integrada à natureza, percebeu a insalubridade do ar e o tom apocalíptico do céu acima de nós.

Em 2019, quando o céu de cidades grandes como São Paulo escureceu diante das queimadas criminosas e gigantescas na Amazônia no “Dia do Fogo”, no primeiro ano do governo abertamente ecocida de Jair Bolsonaro, o debate sobre a violência ambiental do agronegócio e a necessidade vital de proteger e recuperar nossas florestas levou a mobilizações de rua, algumas até mesmo espontâneas, sem grandes convocatórias por organizações de esquerda.

Passamos longos quatro anos sob Bolsonaro como testemunhas de uma boiada que não parava de passar. A visão explícita da destruição da natureza e da vida pelo bolsonarismo fez com que até gente de esquerda que antes desmerecia a pauta ambiental, passasse a denunciar a atuação de Ricardo Salles e a sanha avassaladora de Bolsonaro em sua aliança inabalável com fazendeiros que podiam absolutamente tudo: queimar, roubar, sequestrar, torturar e matar.

É 2024, e apesar do compromisso do governo Lula com a redução do desmatamento na Amazônia, de termos novamente uma ministra do meio ambiente (e mudança do clima) comprometida e políticas ambientais progressistas, nos encontramos em situação de insalubridade socioambiental.

As políticas do governo atual simplesmente são insuficientes diante da manutenção do poder de classe do agronegócio destrutivo que não pretende mudar a forma com que se acostumou a agir ao lado de Bolsonaro. Nossos servidores ambientais não recebem a estrutura e valorização necessárias para executar suas funções.

Para piorar, vivemos sob desmobilização generalizada, quando tudo que é ruim começa a parecer normal depois de um tempo: Gaza é somente mais um genocídio do outro lado do mundo; Rio Grande do Sul já está se reconstruindo; o Pantanal pega fogo mesmo de vez em quando…

Diante da desmobilização, vivemos uma política de contenção: nosso governo aposta em “transição energética” e “transformação ecológica” – definidas nos moldes do capitalismo verde -, restaura políticas alimentares importantes no combate à fome e no fortalecimento do pequeno agricultor, investe novamente em educação pública e interrompe a política anterior de perseguição a jornalistas.

Como presidente, Lula indica uma preocupação profunda com as consequências e impactos negativos na vida do povo brasileiro. Reconheço isso não como maneira de me blindar de reclamações sobre a crítica que apresentarei aqui, mas porque é nesse reconhecimento das políticas de governo que cuidam do que é impactado que vemos quão improdutivo, ineficiente e contraditório é implementá-las sem as devidas políticas que também combatem as causas de nossas crises.

Para facilitar o caminho de derrota institucional da extrema direita e garantir maior estabilidade no Brasil, é essencial fortalecer o governo atual. Para tal, políticas ambientais mais integradas são essenciais, assim como romper com políticas que seguem favorecendo o agronegócio enquanto este lucra ao custo de nossas florestas e nossos pulmões.

A crise ambiental é uma crise política e econômica
O agronegócio brasileiro conseguiu convencer grande parte da população brasileira de que não podemos viver sem ele. Dizem que é o agro que nos alimenta e que carrega nossa economia.

Há um fundo de verdade nessas duas alegações, pois o agro influencia o que é plantado, asfixia alternativas de produção de menor escala, hegemoniza recursos estatais para o setor agrícola, e assim cresce e lucra mesmo quando o restante da economia vai mal.

O que a propaganda do agro não conta é que, para lucrar, o agro também prejudica intencionalmente outros setores econômicos e destrói possibilidades de um presente e futuros mais sustentáveis.

A elite agrária legitima sua existência entrando nas casas do povo através do seu consumo cotidiano, seja no quilo da carne – associado à mobilidade social e poder de consumo – seja pelas músicas de um sertanejo cada dia mais conservador e empresário cujas letras e cantores agem como verdadeiros embaixadores.

Por mais que apontemos dados sobre hábitos alimentares que demonstram que a produção do agronegócio é muito mais ligada à exportação de commodities pertencentes ao sistema destrutivo de monocultivo ou confinamento animal, isso não basta para convencer a população de que poderíamos nos alimentar sem o agronegócio.

A verdade é que os pequenos produtores não conseguiriam fazê-lo hoje de forma autônoma, recebendo os valores justos que merecem e com os métodos agroecológicos que necessitamos.

Por mais que seja doloroso admitir como defensores da reforma agrária popular, sabemos que materialmente não estamos prontos para o fim do agro. Uma das principais razões para isso é que onde temos capacidade de intervir para reduzir a participação do agronegócio na economia brasileira, agimos para incentivá-la e aumentá-la.

A diferença de investimento federal para o agronegócio e para a agricultura familiar é exorbitante. O Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 destinou 76 bilhões em créditos rurais, anunciado pelo presidente Lula como um plano que “pode não ser tudo que a gente precisa, mas é o melhor que a gente pode fazer”.

Enquanto isso, o Plano Safra 2024/2025 que atende ao agronegócio destinou R$400,59 bilhões. Por mais que o governo sinalize que é importante aumentar a produtividade da agricultura familiar no que tange à produção de alimentos, é evidente que o esforço é de incentivo aos pequenos produtores, que precisam de infraestrutura adequada para produzir e comercializar, mas também à manutenção de uma estrutura produtiva desigual na terra.

Os resultados são vários. Por exemplo, a mesma cadeia de comercialização de agrotóxicos e fertilizantes que movimenta o agronegócio também chega ao pequeno produtor que não vê alternativa para competir sem aderir à monocultura de produção, mesmo que em pequena escala.

Além disso, a dureza da vida no campo é acentuada pela ameaça de violência, sobretudo aos povos indígenas, assentados e sem-terra que se organizam em resistência e retomadas. Finalmente, por vezes, a produção familiar é perdida ou desperdiçada porque não é escoada até o consumidor final, o que piora diante de secas ou enchentes extremas e a oscilação de preços influenciada pelos grandes produtores.

Nessa linha, até a agricultura familiar se vê orientada a produzir commodities, como Paulo Petersen, da Articulação Nacional de Agroecologia. É com bastante dificuldade que a agricultura familiar ainda coloca comida na mesa do brasileiro. Sem uma política que também enfrente a lógica de produção do agronegócio, a agricultura familiar nunca terá condições de substituir o agronegócio em tamanho e influência, enfim eliminando nossa gigantesca dependência econômica do agronegócio.

*Intercept

Categorias
Política

Com Felipe Neto e Manuela d’Ávila, governo cria grupo para combater discurso de ódio e extremismo

Com Felipe Neto e Manuela d’Ávila, governo cria grupo para combater discurso de ódio e extremismo.

Segundo O Globo, grupo deverá assessorar o ministro Silvio Almeida nas questões associadas ao discurso de ódio e ao extremismo, além de propor políticas públicas na área.

Na esteira dos ataques de 8 de janeiro, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania criou nesta quarta-feira um grupo de trabalho para apresentar estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo e para propor políticas públicas em direitos humanos sobre o tema.

O grupo será presidido por Manuela d’Ávila, que foi candidata a vice-presidente da República na chapa de Fernando Haddad (PT) em 2018. Farão parte do grupo cinco representantes do ministério e 24 da sociedade civil, entre eles: o youtuber Felipe Neto, voz de destaque na oposição ao governo de Jair Bolsonaro; a antropóloga Débora Diniz; e a jornalista Patrícia Campos Mello, que sofreu diversos ataques de Bolsonaro e seus simpatizantes.

A portaria assinada pelo ministro Silvio Almeida foi publicada no Diário Oficial da União e estabelece que o grupo terá duração de 180 dias e poderá ser prorrogado. Em sua primeira reunião, os membros definirão um calendário de trabalho e seus objetivos específicos. Ao final, os resultados serão apresentados ao ministro.

O grupo deverá assessorar Silvio Almeida nas questões associadas ao discurso de ódio e ao extremismo, além de realizar estudos para discutir as estratégias de combate e propor políticas públicas na área.

A advocacia-geral da União, e os ministérios da Educação, Igualdade Racial, Justiça, Mulheres, Povos Indígenas e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República poderão participar do grupo.

Apoie o Antropofagista com qualquer valor acima de R$ 1,00

Agradecemos aos que formam essa comunidade e convidamos todos que possam a fortalecer essa corrente progressista. Seu apoio é fundamental nesse momento crítico que o país atravessa para continuarmos nossa labuta diária para trazer informação e reflexão de qualidade e independência.

Caixa Econômica Agência: 0197
Operação: 1288
Poupança: 772850953-6
PIX: 45013993768 – CPF

Agradecemos imensamente a sua contribuição