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Presidente Lula: “Cultura é força coletiva de resistência a todo regime de exceção”

O presidente Lula entregou nesta terça-feira (20) a Ordem do Mérito Cultural (OMC), considerada a maior honraria do setor cultural brasileiro, em cerimônia que marcou a reinauguração do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro (RJ).

Na oportunidade, somado a estes dois importantes atos – a entrega da condecoração e do Palácio, fechado há 10 anos – ainda foram celebrados os 40 anos do Ministério da Cultura (MinC).

“A cultura de um povo é uma força coletiva tão poderosa que estará sempre na linha de frente da resistência a todo e qualquer regime de exceção […] Durante o regime militar, artistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados, asilados e mortos. Mas não se calaram. Lutaram com as armas que tinham, o talento, a alma e o coração”, afirmou o presidente.

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A Ordem do Mérito Cultural não era entregue desde 2019 – interrompida pelo governo de Jair Bolsonaro – e agora foi retomada por Lula. Receberam a condecoração 112 personalidades, dentre elas a cantora e deputada Leci Brandão (PCdoB), e 14 instituições (confira aqui a lista completa).

“O Ministério da Cultura nasceu junto com a concepção do projeto de nação democrática e plural. Sobreviveu a tentativa de esvaziamento e cortes orçamentários. Sofreu um duro golpe durante quatro anos em que a arte e a cultura foram demonizadas e os artistas tratados como inimigos do povo, quando são, na verdade, a mais completa tradução da alma do nosso povo. Por isso, a celebração de hoje é também um desagravo à cultura e à democracia. Os saudosos do autoritarismo tentaram matar o MinC, porque queriam matar a cultura, mas o MinC está de volta. A cultura hoje conta com recursos que jamais se imaginou que pudesse contar, graças à aprovação da Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc”, disse Lula, ao agradecer nominalmente as deputadas Jandira Feghali (PCdoB) e Benedita da Silva (PT), presentes no ato, pela contribuição com as propostas.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, comemorou o fortalecimento da cultura nacional: “A entrega da Ordem do Mérito Cultural nesse espaço é simbólica e profundamente significativa. Reafirmamos com essa cerimônia que a cultura e a democracia caminham juntas. Esse tem sido o espírito do terceiro mandato do presidente Lula, que recriou o Ministério da Cultura, convocou a quarta Conferência Nacional de Cultura e consolidou políticas culturais transformadoras em todo o nosso território nacional.”

Durante as homenagens foram lançados dois selos postais pelos Correios, um em referência aos 40 anos do Ministério da Cultura e outro institucional em memória de Eunice Paiva – símbolo de luta contra a ditadura militar.

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A atriz Fernanda Torres, o diretor Walter Salles e Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e quem escreveu o livro de mesmo nome que deu origem ao filme vencedor do Oscar “Ainda Estou Aqui”, estiveram presentes e foram agraciados com a medalha da grã-cruz.

Ainda compareceram à cerimônia, além das personalidades que foram receber pessoalmente a condecoração, o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e a ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco.

Reforma do Palácio

O Palácio Capanema foi construído entre 1937 e 1945 para ser sede do Ministério da Educação e Saúde Pública. O edifício é considerado um marco da arquitetura moderna mundial e do patrimônio cultural brasileiro. Assina o projeto Lúcio Costa, idealizador do Plano Piloto de Brasília, com participação de Oscar Niemeyer, dentre outros arquitetos, além de consultoria de Le Corbusier. O local ainda contou com o paisagismo dos jardins feito originalmente por Roberto Burle Marx.

O prédio estava fechado há 10 anos e desde 2019 a obra de restauro da estrutura acontece sob coordenação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A partir de 2023, com R$ 84,3 milhões em recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), a obra ganhou novo ritmo para agora ser finalizada e entregue com modernização de instalações e restauração de móveis, pisos e outras estruturas.

*Com Vermelho

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Poucos sabem de um fato de Eunice Paiva sobre o sumiço de seu marido

Ela lutou muito tempo praticamente sozinha para saber o que havia acontecido com o deputado Rubens Paiva, seu marido, morto pela ditadura militar em 1971.

O dia 20 de janeiro de 1971 foi marcado pelo maior desespero de toda a vida de Eunice Paiva. Ela, que se tornaria uma ativista respeita e símbolo da luta por direitos humanos no Brasil, viu seu marido, o deputado cassado Rubens Paiva, ser levado de casa, no Rio de Janeiro, por agentes da Ditadura Militar (1964-1985). Era para ser, segundo esses militares à paisana, apenas um interrogatório, mas ele nunca mais voltou e seu corpo jamais foi encontrando, tornando-se símbolo da crueldade de um regime sanguinário que vilipendiou o país por 21 anos.

A luta de Eunice passou a ser amplamente divulgada por décadas, mas foi no último ano que a história foi “recuperada” e ganhou visibilidade mundial, por conta do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, baseado no livro com o mesmo nome de autoria do filho do casal, o escritor Marcelo Rubens Paiva. Diante de tanto reconhecimento, o longa disputa este ano três categorias do Oscar, o mais importante prêmio do cinema mundial.

O que pouca gente sabe é que, dois meses após o rapto e desaparecimento de Rubens Paiva, ainda em meio à confusão que havia tomado conta da família, Eunice escreveu uma carta diretamente endereçada ao ditador “presidente” da República, Emílio Garrastazu Médici, o mais sanguinário, reacionário e cruel dos generais a comandar o Brasil naquele período. Com Forum.

Médici, como era de se esperar, jamais respondeu a Eunice, e pouco se importou com sofrimento dela e dos cinco filhos que ela tinha com Rubens. Era óbvio que o ditador sabia o que tinha acontecido e estava de acordo com a maldade devastadora produzida por seus subordinados do regime, até porque o caso teve uma ampla repercussão no Brasil e até no exterior.

Leia abaixo a íntegra da carta que Eunice Paiva mandou para o ditador Emílio Médici:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Marechal Emílio Garrastazu Médici

Há mais de um mês enviei ao Ministro da Justiça do seu governo, que é igualmente presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, a carta denúncia cuja cópia junto aqui para o conhecimento direto de Vossa Excelência.

É a carta de uma mulher aflita, que viu desabar sobre sua família uma torrente de arbitrariedades e de desatinos inomináveis, e de que ainda é ainda vítima seu marido, engenheiro Rubens Beyrodt Paiva, preso por agentes da Segurança da Aeronáutica no dia 20 de Janeiro, mantido até agora incomunicável, sem que se conheça o motivo da prisão, quem efetivamente a determinou, e o local onde se encontra.

Secundamos hoje, minha sogra e eu, a mãe e a esposa, os sentimentos de minha filha Eliana, menina de 15 anos, que se dirigiu a Vossa Excelência, depois de libertada, quando eu própria me encontrava detida incomunicável no quartel da Polícia do Exército, à Rua Barão de Mesquita, nesta cidade, pelo simples fato de ser a esposa de Rubens.

Pedimos ao Chefe da Nação, a justiça que deve resultar da obediência das Leis. Ao meu marido, que é um brasileiro honrado, não pode ser recusado, num País como o nosso, cristão e civilizado, o direito fundamental da defesa. Estamos certas de que Vossa Excelência não permitirá lhe seja negado, sob pena então do desmoronamento de toda a ordem pública, o direito elementar de ser preso segundo as leis vigentes no País.

Rubens foi preso na minha presença e na dos nossos cinco filhos; foi visto por Testemunhas ao longo do dia 20 de janeiro no Quartel da 3ª Zona Aérea de onde foi transportado no fim da tarde para o Quartel da Polícia do Exército na Barão de Mesquita; sua fotografia no livro de registro do prisioneiros no referido quartel da PE eu mesma vi, ao lado da minha própria e da minha filha Eliana; sua presença nesse Quartel me foi afirmada por Oficiais das Forças Armadas que me interrogaram ao longo dos 12 dias em que estive presa, isto é até o dia 2 de fevereiro último; seu carro próprio, no qual foi conduzido prisioneiro, vi-o no pátio do mencionado Quartel e me foi devolvido como comprova o recibo anexo.

Não é possível que, mais de 60 dias decorridos, conserve-se assim desaparecida uma pessoa humana!

Recusamo-nos a acreditar no pior.

Confiamos na ação de Vossa Excelência e em meio a inquietação e angústia enormes que estamos vivendo, acreditamos que Vossa Excelência fará prevalecer a autoridade das leis do seu Governo e o respeito à justiça que enobrece as nações.

Respeitosamente,

Maria Eunice Paiva
Rio de Janeiro, 22 de março de 1971