Em 20 anos, conflitos custaram US$ 6 tri aos EUA; quantia poderia eliminar fome ou reverter aquecimento.
Quando a estátua de Saddam Hussein foi derrubada no Iraque, em 2003, as imagens que rodaram o mundo simbolizavam a vitória do exército mais poderoso do mundo. Meses antes, a campanha no Afeganistão também mostrara a avassaladora superioridade das forças americanas.
Mas se essas guerras foram vencidas em sua etapa inicial, o governo americano logo descobriu que conquistar a paz seria uma tarefa mais difícil – e muito mais cara.
Nesta semana, os acontecimentos em Bagdá e a crise aberta entre EUA e Irã podem antecipar o fim da presença americana no Iraque. Mas certamente a conta permanecerá por muito tempo ainda e já supera por ampla margem os gastos na Guerra do Vietnã (1969-1975).
Em quase 20 anos de conflitos no Oriente Médio e no Golfo, o governo americano já destinou quase US$ 6 trilhões para financiar as operações, conta que deve crescer nos próximos anos, mesmo que haja uma retirada imediata de Bagdá, como querem os iraquianos.
Cálculos realizados pelo Watson Institute da Universidade de Brown (EUA) somaram os gastos do governo americano no Iraque, Afeganistão, Paquistão e Síria, além de operações pontuais na região.
O valor é considerado a partir de 2001, ano que os EUA foram atacados em 11 de setembro e num ato que transformou a posição americana no mundo.
Desde então, Washington colocou a guerra contra o terror como prioridade, levando à queda de governos, troca de regimes políticos, criação de milícias e uma mudança no mapa de influências no Oriente Médio e Golfo. Em 2001, o Afeganistão foi alvo de uma operação e, dois anos depois, chegou a vez do Iraque.
Com o dinheiro destinado às campanhas americanas, o mundo teria eliminado a fome ou preparado o planeta para as mudanças climáticas (veja mais abaixo).
Além dos valores com armas e infraestrutura, a conta também inclui as taxas de juros com as dívidas contraídas para pagar pela guerra, assim como medidas de segurança para prevenir atentados na região.
Apenas nas operações militares em solo iraquiano, a conta chegaria a US$ 822 bilhões desde 2003, contra cerca de US$ 975 bilhões no Afeganistão desde 2001. Nos ataques que começaram em Bagdá em 19 de março de 2003, os EUA destinaram US$ 90,3 bilhões. Um mês depois, Saddam havia sido derrotado.
Gastos do gigante
Mas esse dinheiro não conta a história completa dos gastos, já que bilhões precisam ser somados na preparação, na logística fora do país, treinamento, pagamentos de pensões, construção de bases, tecnologia e burocracia. Por essa conta, a Universidade de Brown estima que apenas a guerra no Iraque superou a marca de US$ 2 trilhões.
As contas com o combustível das tropas também pesam.
Devido ao enorme uso de combustível de uma organização que opera 24 horas por dia em todo o mundo, o Departamento de Defesa é o maior utilizador individual de petróleo e outros produtos petrolíferos do mundo. Entre 2010 e 2015, o Departamento adquiriu uma média de 102 milhões de barris de combustível por ano.
Estudo da Universidade de Brown Os valores precisam ainda incluir os gastos do governo americano com a pensão de milhares de homens e mulheres destacadas para região. Para aqueles que sofreram algum dano físico ou mental, uma compensação também está prevista, enquanto as famílias das vítimas apenas no Iraque também recebem benefícios.
No total, o instituto acredita que, entre 2020 e o ano de 2059, o governo americano terá de destinar mais de US$ 1 trilhão aos veteranos de guerra.
Esse grupo de pessoas atingirá um pico de mais de 4,3 milhões de veteranos, por volta de 2039.
Apenas no Iraque, além dos 4,4 mil soldados americanos mortos, outros 32,2 mil foram gravemente feridos e terão de ser mantidos até o final de suas vidas.
Financiamento
Ao contrário de conflitos do século 20, as dotações de guerra dos EUA para o Iraque e o Afeganistão não foram financiadas com novos impostos ou títulos de guerra. Desta vez, o governo pagou por meio de seu orçamento e empréstimos.
O americano médio, portanto, não sentiu o peso dessas guerras enquanto elas ocorriam. Mas a consequência desse sistema é que ele deixou uma dívida às futuras gerações.
O problema, segundo a Universidade Brown, é que “não existe uma estratégia para pagar responsavelmente por estas guerras”. Na avaliação da entidade, deve ser questionado se de fato a ameaça que os EUA sofriam eram compatíveis com tais números.
O elevado nível de gastos com a guerra e outros preparativos militares pode não ser proporcional às ameaças que os EUA enfrentam. Quando associados à retórica agressiva que tem caracterizado a política externa dos EUA nos últimos anos, estes elevados níveis de gastos e a expansão das operações antiterror dos EUA em todo o mundo podem ser muito alarmantes para estados e povos que, de outra forma, não teriam motivos para aumentar os seus próprios gastos militares e forças armadas.
Estudo da Universidade de Brown
Em suma, os elevados custos da guerra e os gastos relacionados com a guerra representam uma preocupação de segurança nacional, porque são insustentáveis”, alertaram.
Fome e Clima
A realidade é que o valor destinado pelos EUA até agora para financiar suas guerras supera o que institutos, acadêmicos e organismos internacionais sugerem como investimentos para preparar o planeta para lidar com as mudanças climáticas.
No ano passado, um grupo de 34 personalidades – entre eles o fundador da Microsoft Corp. Bill Gates, o ex-Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon e a Diretora Executiva do Banco Mundial Kristalina Georgieva – concluiu que o mundo precisaria de US$1,8 trilhão em investimentos até 2030 para lidar com as mudanças climáticas.
O dinheiro, segundo eles, deveria ser investido em sistemas de alerta meteorológico, infraestrutura, agricultura em terras secas, proteção de manguezais e gestão de água. Não apenas o investimento ajudaria o planeta a estar pronto para as mudanças climáticas, mas renderia US$7,1 trilhões em benefícios.
Num outro estudo, a FAO, braço das Nações Unidas para a alimentação mundial, estimou que, para eliminar a fome no mundo até 2030, governos precisariam investir m 265 bilhões de dólares por ano através de gastos em medidas como transferências de renda, investimento público a favor dos pobres em irrigação, recursos genéticos, mecanização e estrutura.
Em dez anos, a conta não chegaria aos gastos das guerras americanas no Golfo.
Nos bastidores da agência de alimentos da ONU, um dos comentários que se fazia era que o orçamento dos EUA para os programas da entidade era ‘migalha’ perto do que se gastava no Pentágono.
Gastos Públicos, Lucros Privados
Mas as guerras dos últimos 20 anos também representaram um ótimo negócio para empresas americanas.
Parte do dinheiro, de fato, foi usado para contratar companhias dos EUA que prestaram serviços durante a ocupação.
Pelo menos US$ 140 bilhões foram gastos em logística e serviços, além de reconstrução. Isso inclui desde gelo, segurança à papel de banheiro. Uma das empresas que recebeu o maior número de contratos foi a KBR, ex-subsidiária da Halliburton. A empresa de logística chegou a ser comandada por Dick Cheney, vice-presidente na gestão de George W. Bush. Sozinha, ela ficou com quase US$ 40 bilhões em contratos.
Apenas para a segurança da embaixada americana em Bagdá, hoje sob ataque, essas empresas receberam mais de US$ 3 bilhões nos cinco primeiros anos.
Dez anos depois das guerras terem tido seu início, um informe ainda mostrou que, por dia, US$ 12 milhões eram desperdiçados ou perdidos em fraude.
Além disso, estudos passaram a revelar que, se o governo americano quer criar empregos, investimentos em defesa não são os mais recomendados.
Avaliações elaboradas pelo projeto Cost of War, da mesma Universidade Brown, apontaram que a cada US$ 1 milhão gasto em defesa, 6,9 empregos diretos são gerados. Mas, se o mesmo valor fosse aplicado em educação primária e secundária, a taxa de empregos gerados seria de 19,2 empregos para cada US $ 1 milhão.
Caso o dinheiro fosse usado em saúde, 14,3 empregos diretos seriam criados com US$ 1 milhão.
Mas a grande recompensa viria do setor do petróleo. Em 2003, quando a operação foi lançada, a Casa Branca insistia que seu objetivo era um mundo mais seguro e a liberdade para milhões de iraquianos. Em 2007, porém, o ex-presidente do Federal Reserve Bank, Alan Greenspan, deixou claro que a história não era exatamente como havia sido contada.
É politicamente inconveniente reconhecer o que todos sabem: a guerra no Iraque é, em grande parte, por conta do petróleo. Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve Bank.
Antes de 2003, a segunda maior reserva do mundo estava nas mãos do estado iraquiano. Quase 20 anos depois, ela está praticamente privatizada e sob o controle de empresas ocidentais. No governo americano, a estimativa é de que a reserva seja de 112 bilhões de barris. Em 2003, 90% desse volume não estava explorado. Os lucros, portanto, prometem ser bilionários por décadas.
17 anos após a invasão, a produção de petróleo do Iraque passou de menos de 1 milhão de barris por dia para 4,8 milhões. Em abril de 2019, o governo iraquiano anunciou que a receita do petróleo havia superado a marca de US$ 7 bilhões para o país.
Para a Agência Internacional de Energia, essa produção pode garantir um total de US$ 5 trilhões até 2035 em receitas.
*Jamil Chade/Uol