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Bolsonaro planejou um golpe à moda antiga

Ex-comandantes de Exército e Aeronáutica confirmaram complô para invalidar a eleição e impedir a posse de Lula. Falta explicar por que a conspiração fracassou.

O avanço das investigações da Polícia Federal mostra que Jair Bolsonaro planejou um golpe à moda antiga. Queria usar tanques, caças e fragatas para se manter no poder pela força.

O capitão conspirou com ex-colegas de farda para invalidar o resultado da eleição e impedir a posse de Lula. No caminho, fecharia o TSE, prenderia a cúpula do Judiciário e suspenderia as liberdades civis.

A natureza do golpe era militar. Seu estado-maior reunia três generais da reserva: Braga Netto, vice na chapa derrotada; Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional; e Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa.

A trinca dava ordens a outros generais e coronéis. No front civil, o ministro Anderson Torres e o assessor Filipe Martins preparavam minutas de decreto para dar verniz de legalidade à quartelada.

À PF os ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, apontaram Bolsonaro como o chefe da trama contra a democracia.

Ambos disseram ter se recusado a embarcar no golpe. O comandante da Marinha, Almir Garnier, teria colocado “tropas à disposição”. Dos três chefes militares, o almirante foi o único que se recusou a responder às perguntas da polícia.

Os depoimentos ajudam a entender a ligação da engrenagem golpista com o gabinete do ódio, que perseguia adversários de Bolsonaro. Ao divergirem do chefe, Freire Gomes e Baptista Júnior viraram alvo da milícia digital. Passaram a ser chamados de “traidores” e “melancias”, queixou-se o ex-chefe da FAB.

Os ex-comandantes deram informações úteis, mas é ingenuidade tratá-los como heróis da pátria ou bastiões do legalismo. O general permitiu a instalação de acampamentos golpistas nas portas dos quartéis. O brigadeiro ficou conhecido pela militância de ultradireita nas redes.

Ambos sabiam quem era Bolsonaro, conheciam suas ambições autoritárias e assinaram notas que o ajudaram a manter a democracia sob ameaça. Resta saber por que hesitaram na hora de apertar o botão do golpe.

Os depoimentos deixam claro que o país esteve muito perto de uma ruptura institucional em dezembro de 2022, quando o capitão se manteve entrincheirado no Alvorada. Não explicam, porém, o que impediu que o plano fosse levado a cabo.

Há muitas hipóteses para isso, da falta de apoio internacional ao desembarque de setores do establishment que haviam apoiado a eleição de Bolsonaro em 2018.

Também falta descobrir quais seriam os passos seguintes ao golpe. Já se sabe que a turma queria enjaular ministros do Supremo, mas é improvável que o arbítrio parasse por aí. Para impor um regime de força, seria preciso amordaçar o Congresso, a imprensa e as universidades.

Decretado o estado de sítio, Bolsonaro teria carta branca para avançar sobre a sociedade civil. O instrumento permitiria suspender a liberdade de reunião, invadir domicílios, intervir em emissoras de TV e requisitar bens particulares. Seria o início de uma nova ditadura — e o retorno a um passado que o capitão sempre sonhou restaurar.

*Bernardo Mello Franco/O Globo