Entenda como o rejeito da mineração é “o que vale dinheiro” e como a história da corrida pelo ouro e de Bolsonaro chegam aos interesses.
Não é o potássio, mineral de extrema importância para os fertilizantes usados na agricultura brasileira, que incentiva o governo a acelerar a aprovação do PL 191/2020, o projeto de mineração em terras indígenas. Mas o ouro, que será obtido nos rejeitos da mineração das terras protegidas da Amazônia.
“Por que eles querem minerar em terra indígena? Por causa do rejeito. Quem é que vai fiscalizar o rejeito? Quem é que vai dizer que tinha ouro lá?”, levantou o economista Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva, com décadas de experiência no agronegócio.
Apesar de explicar a importância efetiva do potássio nos fertilizantes necessários para a agricultura e a dificuldade de se obter este insumo, dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgados esta semana pela imprensa revelam que somente 11% das jazidas de potássio estão na Amazônia e, destas, a grande maioria não se encontra sequer em terras indígenas.
“Não tem o menor fundamento invadir a terra indígena para obter alguma coisa que existe fora. Não porque tenha pouco ou muito, não é essa a questão. A questão é que existe fora”, completou Luiz Melchert.
Por outro lado, não é novidade o interesse da bancada ruralista, com apoio do presidente, na mineração -principalmente do ouro como exposto acima- em terras indígenas. Em abril de 2021, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração mapeou com nome e sobrenome a lobby político do garimpo ilegal.
No relatório intitulado “O cerco do ouro” [leia aqui], a movimentação de deputados federais, senadores, além de políticos regionais, junto ao governo de Jair Bolsonaro foi detalhada. Uma das principais pontes apontadas pelos pesquisadores com o governo foi o vice Hamilton Mourão. Os próprios presidentes do Senado e da Câmara em 2020 estiveram envolvidos nas articulações para fazer aprovar pautas do interesse da mineração.
O documento aprofundou como o garimpo ilegal de ouro em terras indígenas se refletiu no aumento expressivo do desmatamento nos territórios do alto Tapajós, como Munduruku, no sudoeste do Pará. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), somente em 2020, perdeu 2.052 hectares de floresta, tornando-se a sexta terra indígena mais desmatada do Brasil.
“O garimpo está dividindo nosso povo, trazendo novas doenças, contaminando nosso povo com mercúrio, trazendo drogas, bebidas, armas e prostituição. E ganância. Alguns parentes cegos com o brilho do ouro, estão fazendo o jogo sujo dos daydu, e publicamente afirmando que o povo Munduruku é a favor de garimpo e da mineração. Vamos repetir: suas palavras estão cheias de dapxim – cheias de ódio e mentira”, expôs carta aberta do povo Munduruku, em 2019.
O surto do garimpo ilegal do ouro nos territórios Munduruku, em 2020, foi relacionado pelos pesquisadores Luis Wanderley, Luísa Molina, Ailén Vega, Laize Silva e Rosamaria Lourdes, como a principal razão do aumento do preço do mineral naquele ano, contrariando a tese divulgada oficialmente de que o aumento ocorria por ser um ativo financeiro estável na pandemia.
Mas além de lideranças regionais e mesmo indígenas cooptadas para os interesses ruralistas, o Comitê buscou os atores políticos no lobby da mineração e do garimpo com vistas para o ouro, seja no Congresso ou de dentro do governo Bolsonaro:
Nesta semana, o Comitê voltou a expor os nomes dos políticos em documento publicado em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) São listados o senador Wellington Fagundes (PL-MT), o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), Zequinha Marinho (PSC-PA), o deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA), José Medeiros (Podemos-MT), o ex-senador Flexa Ribeiro, o vereador Wescley Tomaz (PSC-PA) – eleito como o “vereador do garimpeiro” em Itaituba, uma das regiões com mais garimpos ilegais no país, entre outros.
De dentro do governo, além das insistentes defesas do próprio presidente Jair Bolsonaro e reuniões de outros membros, como o vice e ministros de governo, são explicitadas as movimentações de Alexandre Vidigal, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral.
“A escala de reuniões da Secretaria ao longo de 2019 foi marcada pela presença de entidades do empresariado (…). A maioria dos encontros contou com a participação do próprio Alexandre Vidigal, para discutir temas como o projeto potássio na Amazônia, a disponibilidade de áreas da Petrobras na região e projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. O Instituto, inclusive, ampliou sua presença junto à Secretaria a partir de meados de 2019, momento em que a discussão sobre mineração em terras indígenas se acirrou em audiências públicas na Câmara dos Deputados e na imprensa, com o governo prometendo divulgar um projeto de lei para a regulamentação da matéria.”
Na continuidade dessas articulações, em agenda desta terça-feira (07), que até o início do encontro não havia sido tornada pública, o presidente Jair Bolsonaro reuniu-se com dezenas de representantes do Agronegócio. Somente após o término da reunião, no final da tarde, o encontro constou na agenda oficial da Presidência.
Nenhum dos ruralistas e representantes do Agronegócio convidados divulgou o teor da conversa. Anunciaram apenas a “importância do agro” para o país. Mas, notadamente, ganhou o reconhecimento dos preparativos para a campanha eleitoral 2022. Colunistas do Uol, Terra e outros jornais apontaram, imediatamente, o objetivo do presidente de arrecadar recursos e doadores para a campanha à reeleição.
Como de conhecimento geral, a bancada ruralista é importante base de apoio que elegeu Jair Bolsonaro em 2018. Ricardo Barros (PP-PR), de origem ruralista de tradicional família do Paraná e atual líder do governo na Câmara, é somente um dos mais conhecidos nomes da bancada que cobrou diretrizes diretas de Bolsonaro para o comando do país ao longo do mandato.
Foi ele, inclusive, que protocolou ontem (08) um pedido de urgência na Câmara para a votação do Projeto de Lei 191/2020, com o amplo apoio da bancada ruralista e do Centrão. Inevitável associar a prestação de contas da decisão, um dia após a reunião de suposta arrecadação de recursos para a campanha de Bolsonaro a representantes do agronegócio.
Há dois anos, a mesma bancada comparecia em peso para um café da manhã com o presidente. À época, a ordem do dia foi direta: apoio ao PL que regulamenta a exploração de atividades econômicas em terras indígenas. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) cobrou de Bolsonaro que o texto viesse na forma de um projeto de lei.
Justamente porque se fosse publicado como decreto presidencial, poderia ser derrubado posteriormente. A bancada queria legalizar de forma permanente a exploração das terras indígenas. “Se fizer um decreto e o decreto atender de maneira voluntarista ao que nos interessa, ele pode cair no primeiro recurso. Então é preciso fazer isso de maneira amadurecida”, entregava o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), da FPA.
*Com GGN
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