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Projeto golpista de Bolsonaro para se perpetuar no poder entra na 5ª fase

Leonardo Sakamoto – Um mês antes do primeiro turno de 2018, Bolsonaro afirmou textualmente: “não aceito resultado diferente da minha eleição”. Agora, alvejado por denúncias sobre a compra de vacinas (70% acreditam que há corrupção em seu governo, segundo o Datafolha) e estando 27 pontos percentuais atrás de Lula na simulação de segundo turno de 2022, ele deixa claro que não vai admitir nenhuma alternativa que não seja a sua reeleição. E coloca mais uma etapa de seu plano de se manter no poder em marcha.

Jair disse que entrega a faixa presidencial para “qualquer um que ganhar de mim na urna de forma limpa”. Mas que, se o petista ganhar, será fraude. Dias depois, completou o raciocínio, afirmando que “ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Em suma, ele promete permitir eleições desde que o vencedor seja ele.

Usando o dinheiro de nossos impostos, que poderiam estar sendo empregados para pagar auxílio emergencial a mais trabalhadores pobres, o presidente não governa, mas gasta seu tempo viajando as cinco regiões do Brasil em uma micareta eleitoral. Aproveita, em cada parada, para promover abertamente o golpismo.

Este momento pode ser considerado o início da quinta fase de sua tentativa de se manter no poder mesmo perdendo as eleições.

Primeira fase: Sequestro de instituições de monitoramento e controle

Na primeira, ele atuou abertamente para sequestrar setores das instituições responsáveis por monitoramento e controle na República. Polícia Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal, Procuradoria-Geral da República… Não as tornou subordinadas, mas flexíveis quanto às suas necessidades pessoais de acúmulo de poder e de proteção da família e de amigos.

Como ele mesmo disse, na icônica reunião ministerial de 22 de abril: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.

Outra prova prova disso é a inoperância ou a má vontade da PGR quando o assunto atinge Bolsonaro, o que lhe garante proteção mesmo diante do comportamento abertamente golpista. Augusto Aras, escolhido pelo presidente fora da lista tríplice de votação da categoria, e com pretensões ao STF, dificilmente apresentará denúncia contra ele.

Isso foi escancarado pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, neste mês. Ela afirmou que “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República” diante da inação do órgão para a abertura de inquérito sobre prevaricação do presidente frente às denúncias de corrupção na compra de vacinas.

Segunda fase: Aproximação de policiais e das Forças Armadas

Na segunda fase, que começou antes mesmo de sua eleição, mas cujos frutos foram colhidos mais recentemente, ele trouxe para perto de si uma fatia dos agentes públicos de segurança e das Forças Armadas.

Uma pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em agosto passado, apontou que 41% de soldados, cabos, sargentos e subtenentes das PMs participavam de grupos bolsonaristas nas redes e aplicativos de mensagens, 25% defendiam ideias radicais e 12% defendiam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Isso se deu com um longo trabalho sobre esses grupos, que dividem visões de mundo com o presidente.

Entregando cargos a militares da ativa e colocando generais em postos-chave de seu governo, ele amarrou parte das Forças Armadas. Daí, quando apareceram denúncias de corrupção na gestão da crise por meio da CPI da Covid, envolvendo coronéis e generais, a cúpula militar saiu em defesa do governo – o que, consequentemente, significa defesa de Jair. Enquanto isso, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que passou por cima das regras do Exército ao participar de uma das micaretas políticas de Jair e foi corresponsável pela morte de centenas de milhares por suas ações na pandemia, foi absolvido pela força.

Lideranças bolsonaristas insuflam policiais nos Estados, como foi visto no motim de agentes da PM no Ceará, em fevereiro do ano passado ou mesmo no caso do policial Wésley Góes, que entrou em surto psicótico e atirou nos próprios colegas antes de ser morto, em Salvador (BA), em março.

Imaginem o que pode acontecer se um presidente com grande influência sobre tropas policiais, contando com lideranças simpáticas a ele nos Estados, resolve afirmar, após uma derrota em 2022, que a eleição foi roubada. Não se trata de intervenção tradicional, mas de levantes policiais “contra a fraude” e em nome da “legalidade”, puxando outras milícias às ruas.

Terceira fase: Armamento bélico e retórico do bolsonarismo-raiz

Na terceira fase, Bolsonaro agiu para erodir o Estatuto do Desarmamento a fim de facilitar o acesso a armas e munições aos 15% do bolsonarismo-raiz, seus seguidores mais fiéis que, de acordo com o Datafolha, acreditam em absolutamente tudo o que ele diz. Com as mudanças, realizadas por decretos, ficou mais fácil para cidadãos comuns montarem verdadeiros arsenais em suas casas. E a banda podre da polícia, as milícias, que são sistematicamente defendidas pelo clã Bolsonaro, forma beneficiadas junto.

O presidente, aliás, mantém excitado esse naco da população, que o defende com unhas e dentes. Foram eles, por exemplo, que em março do ano passado, engrossaram os atos antidemocráticos que pediam o fechamento do Congresso Nacional e a prisão de ministros do STF, além de exigirem a edição de um novo Ato Institucional numero 5 – que, em 1968, deu à ditadura plenos poderes para fechar instituições, baixar a censura e descer o cacete geral. Atos que foram bombados por empresários bolsonaristas e organizados pelo Gabinete do Ódio e aliados, segundo aponta inquérito da própria Polícia Federal entregue ao STF.

Quarta fase: Aluguel de apoio do centrão no Congresso Nacional

Na quarta fase, Bolsonaro acertou um acordo de leasing com o centrão no Congresso – já que não pode vencê-lo, compre-o. Os parlamentares entregam proteção, impedindo a cassação de seu mandato, e alguma governabilidade, como a aprovação de pautas econômicas que interessam ao governo, e em troca recebem cargos, emendas parlamentares (alguns bilhões de reais, inclusive, em forma de emendas secretas) e apoio para a aprovação de leis e normas infralegais que interessem a seus representados.

À frente do grupo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ignora 126 pedidos de impeachment recebidos pela casa, afirmando que não vê “materialidade” de crimes de responsabilidade, apesar de 23 deles terem sido elencados com material comprobatório. Enquanto Bolsonaro está fraco, o presidente vai entregar tudo o que o centrão quer. Por que, então, iriam querer, neste momento, sacrificar sua galinha dos ovos de ouro? O problema é que, enquanto alguns enchem o bucho, o processo de corrosão institucional vai acontecendo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), manifestou contrariedade aos ataques de Bolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral e o seu presidente, ministro Luís Roberto Barroso, somente após pressão. Lira, nem isso, dando uma resposta em cima do muro

O projeto de país do clã é um governo populista autoritário apoiado por setores da extrema-direita da população e parte do empresariado. Para alcançar seus objetivos, o bolsonarismo tem um componente revolucionário, de subversão institucional. Como não conta, neste momento, com força para adotar uma mudança através de um processo violento e agudo, vai minando instituições, desviando-as de sua função constitucional, sequestrando-as.

A família Bolsonaro afirma que governa com base no “desejo popular”, contanto, claro, que eles definam quem pode ser considerado como povo e quem não pode. Diz que combate a corrupção, mas tenta nublar qualquer investigação que analise evidências de práticas irregulares por parte deles, como, por exemplo, os desvios de salários de servidores dos gabinetes das famílias, as famosas “rachadinhas”.

Com 51% de reprovação e 24% de aprovação, segundo o último Datafolha, Jair Bolsonaro ainda não consegue nem protagonizar um autogolpe, nem ser alvo de um processo de impeachment com chance de sucesso. Esse impasse pode mudar, claro, e as ruas, são o grande diferencial. Se elas coalharem de gente com o avanço da vacinação, o centrão, que não é suicida, mudaria de posição.

Enquanto isso, o presidente prepara terreno para, no ano que vem, dizer que não admite o resultado eleitoral ser perder. E tal qual fez Donald Trump, tentar um golpe.

Tudo isso, claro, é o plano dele. Mas muita coisa pode acontecer.

No meio do caminho, há a retomada da economia e do emprego, entradas de dezenas de bilhões de dólares pela venda de commodities e a possibilidade de um auxílio emergencial de R$ 600 pagos no início do ano que vem aos informais, como vem sendo defendido por aliados de Bolsonaro no centrão. Ele não está morto politicamente, então muita água vai rolar embaixo da ponte.

Se chegar fragilizado às eleições, o projeto golpista dele só dará certo se o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal não garantirem freios constitucionais ao Palácio do Planalto, se as Forças Armadas abaixarem a cabeça diante de uma tentativa de golpear as eleições e se a maioria do setor empresarial acreditar que fará um bom negócio se apoiar Bolsonaro em detrimento da democracia. E, claro, se o povo assistir tudo de forma impassível.

Caso contrário, ele estará mais próximo de um julgamento na primeira instância por embolsar dinheiro de seus subordinados quando deputado federal do que de um novo mandato.

*Leonardo Sakamoto/Uol

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