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Sem defesa e sob ameaça de deportação, crianças enfrentam tribunais migratórios nos EUA

Governo Trump suspende assistência legal a menores não acompanhados, e juíza adverte que medida viola leis de proteção infantil.

A reportagem da BBC News Mundo revela situações críticas de crianças estrangeiras levadas a tribunais migratórios nos Estados Unidos sem assistência legal. A questão se agrava pela política do governo Trump, que expõe a vulnerabilidade desses menores em um sistema judicial complexo. Em um tribunal de imigração em San Diego, a juíza Olga Attia tenta amenizar a tensão ao oferecer um livro de colorir para uma menina de cinco anos, que está sozinha enfrentando um processo de deportação após entrar no país de maneira irregular com seus irmãos. Estima-se que cerca de 26 mil crianças possam estar nessa situação, sem a companhia de pais ou responsáveis.

O cenário se torna ainda mais crítico com a recente revogação, em 21 de março, dos contratos com várias organizações que oferecem assistência jurídica gratuita a menores não acompanhados. Segundo uma carta da Associated Press, a razão dada para essa mudança foi a “conveniência do governo”. Contudo, uma juíza federal da Califórnia suspendeu temporariamente essa decisão, após uma ação de 11 grupos que alegaram desrespeito à legislação americana.

Em Los Angeles, a advogada Daniela Hernández Chong Cuy, que representa 83 menores, destaca um caso particularmente angustiante: uma mãe grávida deixou seu país, e a filha nasceu durante a jornada para os Estados Unidos. Na fronteira, ambas foram avaliadas como uma unidade familiar, mas apresentam histórias de abandono e violência distintas. Hernández expressa suas preocupações sobre a falta de representação legal para essas crianças e a dificuldade que elas têm em se defender sozinhas.

A advogada está reavaliando seus casos e focando nas situações mais urgentes, como aquelas que envolvem adolescentes prestes a completar 18 anos ou menores sob custódia federal, que são prioritários. No entanto, ela questiona se terá acesso a esses menores, aguardando uma resposta incerta.

Jonathan D. Ryan, um advogado com duas décadas de experiência no Texas, descreve a situação de maneira clara: “É como retirar deles o paraquedas antes de lançá-los do avião.” Ele representa 50 menores e investe cerca de 100 horas em cada pedido de asilo, enfatizando a crueldade da ideia de que uma criança possa se defender sozinha contra um promotor treinado.

Este panorama denuncia um sistema que, ao não oferecer apoio legal adequado para as crianças, perpetua a injustiça e o desamparo. A falta de recursos para assistência jurídica, combinada com a rigidez das políticas migratórias, coloca em risco o futuro dessas crianças, que enfrentam um processo judicial sem a devida proteção e orientação.
Ryan destaca que os processos migratórios nos Estados Unidos são considerados civis, o que implica que o direito a um advogado público gratuito, como comum em filmes policiais, não se aplica. Entretanto, uma lei aprovada pelo Congresso americano em 2005 garante que menores tenham acesso, “ao máximo possível”, a representação legal qualificada. Essa iniciativa foi posteriormente reforçada pela legislação de 2008 focada em tráfico de pessoas.

O Centro Acacia para a Justiça, responsável por coordenar uma rede de mais de 90 organizações, prestou assistência a cerca de 26 mil menores e orientou aproximadamente 100 mil outros. O financiamento do programa é de US$ 200 milhões anuais. Contudo, mesmo após recuar de uma decisão em fevereiro, o governo Trump continuou a pressionar para o cancelamento do contrato com o Centro, fazendo isso oito dias antes da renovação prevista.

A realidade das audiências sem um defensor legal é alarmante. Dados do Escritório Executivo de Revisão da Imigração (EOIR) mostram que 95% das crianças que têm advogados comparecem a suas audiências, enquanto apenas 33% das crianças sem representação legal o fazem. Essa ausência pode resultar em deportações sumárias. Mesmo quem comparece ao tribunal sem um advogado encontra mínimas chances de conseguir “alívio migratório”.

As crianças têm a possibilidade de permanecer no país caso consigam demonstrar abuso, abandono, perseguição ou se forem vítimas de tráfico humano. No entanto, especialistas entrevistados pela BBC News Mundo enfatizam que estes processos são juridicamente complexos e requerem evidências substanciais, além da articulação com diferentes órgãos do sistema de imigração.

Ryan argumenta que estados contam com um gasto significativo com juízes, promotores, intérpretes e a estrutura do tribunal em geral, enquanto o custo do advogado da criança é o menor aspecto nesse cenário, representando o mínimo que pode ser feito para garantir justiça, segundo Luis Mauro Filho, 247.

A administração Trump não se limita apenas ao cancelamento de contratos; um memorando emitido pela Casa Branca em 21 de março, intitulado “Prevenir abusos no sistema judiciário”, acusa advogados de imigração de orientarem clientes a mentir e omitir informações. A procuradora-geral Pam Bondi foi designada para revisar a conduta de todos os escritórios que processaram o governo federal nos últimos oito anos.

Ryan percebe tal medida como uma tentativa de intimidação. Ele ressalta que qualquer pessoa que entre em uma sala de tribunal e veja uma criança, cujo pés mal tocam o chão, entenderá, independente de sua orientação política, que essa criança merece ter alguém ao seu lado.