Categorias
Uncategorized

Coronavírus: “Pediram isolamento. Vamos nos isolar onde?”, diz morador de rua

Em um trecho da rua Norma Pieruccini Giannotii, na Barra Funda, sujeira e moradores em situação de rua dividem a calçada com pequenos comerciantes que vendem água e doses e garrafinhas de cachaça.

Pouco antes da fila que se acumula para entrar no centro de convivência do Abrigo Boracea, os irmãos Michael e César* mostram a outras pessoas que estão vivendo nas ruas como estão se cumprimentando em tempos de coronavírus. Sorrindo, tocam os calcanhares. “Se alguém pegar isso aí aqui, fudeu”, diz Paulo.

“Mandaram todo mundo ir pra casa. E nós, que não temos casa? Estamos dormindo aqui um do lado do outro, a 40 centímetros uns dos outros. Pediram isolamento, e nós vamos nos isolar aonde?”

Os dois vivem nas ruas de São Paulo há cerca de um ano. Em 2014, eles deixaram Governador Valadares, em Minas Gerais, para tentar a vida na capital paulista. Conseguiram um emprego na zona cerealista no Brás, mas perderam os postos no ano passado. Desde então, os dois passaram a dormir no Boracea, sobrevivendo com bicos e trabalhos esporádicos, como ajudar no carregamento de um caminhão ou montar palcos de eventos.

De chinelos, com uma calça jeans dobrada na altura do tornozelo e camisa vermelha estampada, César acompanha o irmão na preocupação com a pandemia que atinge o mundo. No albergue, diz ele, o entra e sai é constante: um dia, você está com alguém dormindo ao seu lado, no outro pode ser outra pessoa.

Na porta do albergue, em meio ao acúmulo de pessoas para almoçar no centro de convivência, uma funcionária admite:

“Eu sei que isso aqui está errado, mas não tenho o que fazer”

Beliches e vagas escassas

O Abrigo Boracea é um dos maiores de São Paulo. Lá dormem, todos os dias, cerca de 1.200 pessoas que não têm onde morar. Elas são acomodadas, na maioria dos casos, em beliches. Convalescentes (pessoas que estão passando por alguma recuperação em termos de saúde) e pessoas com deficiência têm alas específicas, com camas individuais. As vagas, segundo relatos, são escassas, e o albergue está sempre lotado.

O Censo da População de Rua estima que pouco mais de 24 mil pessoas vivam nas ruas de São Paulo. O número é considerado subnotificado pelas organizações que tratam do tema. Mesmo levando em consideração este valor, que não reflete a realidade, a prefeitura dispõe de 17 mil vagas.

Paulo, 25, chegou há pouco tempo. Uma semana atrás, estava em Bom Jesus dos Perdões e veio à capital por conta da promessa de um emprego de ajudante. “Chegando aqui, vi que tudo estava um caos. Não teve emprego, e agora estou morando aqui”, conta. “Fui eu quem ensinei o cumprimento com os pés pros irmãos.”

Dentro do centro de convivência e do albergue, alguns funcionários utilizam máscara e o álcool gel é disponibilizado. Prefeitura e governo do estado, entretanto, não têm planejamento concreto para atender as pessoas em situação de rua. A reportagem apurou que o albergue na Barra Funda, por exemplo, vem questionando a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, mas não há resposta.

O temor é que máscaras e álcool em gel acabem. “Estamos aguardando uma posição da secretaria. Temos aqui só os produtos que usamos normalmente, não chegou mais. Ontem, 10 litros de álcool em gel foram utilizados em uma hora e meia, nesse ritmo vai acabar tudo”, disse um funcionário.

“A precariedade já é constante aqui. Não teve conversa, não teve uma assembleia para orientar as pessoas em situação de rua. A orientação, quer dizer, os produtos foram só para os funcionários. Nós ainda não sabemos o que fazer, nem como vai ser no futuro. Nossa preocupação é com os idosos”, relata Átila Robson Pinheiro, 57, conselheiro do Comitê de População de Rua (PopRua).

“Estamos com os pés e mãos amarradas”

 

 

*Com informações do Uol